quinta-feira, 7 de maio de 2009

MINHA LÍNGUA É MINHA PÁTRIA


O bom e velho português: atacado por anglicismos e gerundismos

Na televisão, um comercial com a voz de Antonio Fagundes nos ensina a levar uma vida mais ousada. O ator nos apresenta a expressão “Go” — o equivalente ao nosso “Vá” — como um passaporte para acabar com a mesmice de nossos dias. A preocupação com o vocábulo-novidade acaba desviando do principal objetivo: a fixação do nome do anunciante que pagou regiamente por aqueles 30 segundos de exposição.


A peça publicitária é um tiro na água: o espectador esquece o nome do produto e se pergunta por que nossa palavrinha de duas letras não é suficiente para “ir” aonde quiser. A pronúncia de “go” gera outra confusão, uma vez que Fagundes não narra uma partida de futebol nem faz o comercial de uma empresa aérea.

É a velha mania — não se sabe se imposta, espontânea ou de caráter adquirido — de usar palavras estrangeiras em vez do rico e vasto idioma trazido por Cabral. Se o amigo leitor está preocupado com sua “performance”, o problema pode ser resolvido no Boston Medical Group.


É só ligar para o “call center” e marcar um “check-up”. Se for mulher, basta uma ida ao Shopping Center, aproveitar as ofertas de uma “sale”, que é como chamam uma liquidação. Senão, um “personal trainer” ou mesmo um “personal stylist” podem ajudar no “upgrade”.

Professor que é uma referência quando o assunto é língua portuguesa - e também jurado do quadro “Soletrando”, do programa “Caldeirão do Huck”, Sérgio Nogueira acha que o uso de palavras estrangeiras é normal nas línguas vivas. “Chamamos a isso de empréstimo vocabular. Assim sendo, usarmos quimono (do japonês), chope (do alemão), estrogonofe (do russo), espaguete (do italiano), detalhe (do francês) ou futebol (do inglês) é perfeitamente aceitável.


Não há dúvida de que os brasileiros adoram os estrangeirismos, principalmente os de origem inglesa: ‘designer’ é muito mais que um decorador; ‘know-how’ vale bem mais que o conhecimento; ‘coffee break’ é muito melhor que um simples intervalo para o café”, brinca.


Para o consultor de idiomas Eduardo Tetera, é possível que as pessoas achem mais “fashion” falar em inglês porque dá mais credibilidade. “É inerente a um povo cuja identidade cultural tem sido abafada por muitos anos. Tem mais crédito o idioma dominante no comércio mundial, ou é mais ‘chique’ se comunicar na língua do país que pode ditar normas de comportamento”, destaca.


Enfático e quase colérico defensor da língua, o gramático português Cândido de Figueiredo (1846-1925) era radicalmente contra as influências estrangeiras no idioma, fato que ficou patente em sua obra, intitulada “Estrangeirismos”.


Há dez anos, tramita no Congresso Nacional projeto de lei do deputado federal Aldo Rebelo que dispõe sobre a promoção, proteção, defesa e o uso da língua portuguesa. O objetivo é evitar o bombardeio de expressões estrangeiras. Mas parece que o projeto deu um “pit stop”.


Sérgio Nogueira também é defensor da língua portuguesa e acha que chegamos ao limite: “Os anglicismos se tornam chatos e inúteis. O problema não é o uso, e sim o abuso. Para que “printar” se posso imprimir? Por que “startar” se posso começar?”, sugere.

A mania fácil de falar difícil

Outra coisa que incomoda Sérgio Nogueira é o gerundismo - muito usado nos serviços de “telemarketing”. “O pior não é fato de ele vir ou não do inglês (de um tempo de verbo que não existe em português). O problema é a falta de objetividade e a sensação de ‘enrolação’, de falta de comprometimento.


Quando alguém me diz que ‘vai estar resolvendo’ o problema, creio que seja uma forma educada de me dizer que ‘não tem jeito’. Perceba como a forma mais simples é mais incisiva: ‘Resolveremos o problema’. Nesse caso, o falante assumiu um compromisso, o que não ocorre com o gerundismo”. O professor aponta outras manias: “Outro incômodo são os modismos, tipo “a nível de”, “eu enquanto diretor”, “focado”, “fazer colocações”.


Sérgio Nogueira combate ainda a adoção de palavras de uso restrito, como fazem os advogados (com a devida vênia), jornalistas (pressionados pelo deadline) e policiais (quando os meliantes logram êxito): “Isso sempre representou a busca da superioridade intelectual. Há algumas categorias profissionais que não abrem mão desse hábito.


É uma forma de reter o conhecimento e de valorizar o profissional. A eficácia da comunicação fica num segundo plano. Eduardo Tetera arremata, denunciando os segmentos da moda, das artes e economia: “Em tempos de crise financeira, termos como “subprime”, “leasing” e “spread” são mais sonoros. No dia-a-dia é também comum ouvir pronúncias como “over” e “hi-tech”, comenta.

É comum em palestras ou seminários alguém “passar a palavra” ao invés de dizer “vamos ouvir” fulano de tal. As pessoas não “dão” entrevistas, “concedem”. Um novo verbo que causa grande efeito e pode até arrancar aplausos é o inacreditável “oportunizar” - que não significa rigorosamente nada e nem está no dicionário. Mas dá o maior “feedback” quando dito de forma enfática.

Em tempo: momentos antes de ser enviada para o editor, a primeira versão deste texto foi apagada pelo “Word”. Este é um “remake”.


Escrito por: Cláudio Carneiro

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