segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Aos vencedores, as batatas... quentes!


Prezados prefeitos eleitos,
Prezadas prefeitas eleitas,

Não se esqueçam que o Brasil tem carência de engenheiros, cientistas e pesquisadores. Não gera tecnologia própria em quase nenhum setor. Na verdade, o trabalhador brasileiro tem a escolaridade média dos países mais pobres do planeta. Parcela significativa de adolescentes brasileiros de 15 anos não consegue escrever um bilhete nem fazer um cálculo que não seja adição.

A vida das pessoas não está nada fácil. O trânsito anda infernal e a espera  exaspera. Melhoramos em muitos aspectos sim, mas há muito a fazer. Metade dos domicílios está sem acesso a esgoto e a violência cresceu demais nos últimos anos. Prefeitos devem participar sim, por meio da organização e do treinamento de guardas municipais, da luta contra o aumento da criminalidade e no combate às drogas.

Acredito que ninguém está dispensado de participar da guerra contra a violência. O caminho é investir em Educação e fazer reformas para combater o desperdício e a corrupção? Certamente. Máquina pública pode e deve prestar bons serviços de Saúde e Educação, além de investir em programas que gerem emprego e renda. Um bom ambiente nas cidades pode melhorar o futuro de todos no país.

Muita coisa vem sendo feita, conforme atestam os resultados das pesquisas do IBGE, mas há muito trabalho a fazer. Coisa boa de comemorar, por exemplo, é a queda da desigualdade. O índice de Gini vem continuamente caindo no Brasil, mas o ritmo é muito lento. Tomara que prefeitos e prefeitas  acelerem esta queda com força e perseverança.

É isso. Uma pessoa pode mover para melhor o mundo de outras pessoas, se souber mover direito. E, por fim, uma palavra sobre a imprensa: informem as pessoas.  O exercício da vida pública exige transparência e implica tolerância com a liberdade de imprensa, uma das condições da vida democrática. 


quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Os livros são tudo, o resto é nada



Estava certo o poeta Jorge Luis Borges ao imaginar o Paraíso como uma espécie de biblioteca. Os livros são tudo. Só os livros alcançam a eternidade. Nas sociedades, tudo passa, – até mesmo as coisas que pensamos ser importantes. Quem mandava no tempo de Gustave Flaubert? Não importa, importa saber que Madame Bovary, com seu tédio e sua cadelinha, sobreviveu e segue conosco.

E quem foram as celebridades e os magnatas do tempo de Shakespeare? Ninguém sabe. Só Shakespeare está vivo até hoje. Julieta é eterna e sempre será assim. No Brasil, temos Capitu, com seus "olhos de cigana oblíqua e dissimulada" ou "olhos de ressaca". A seu lado, o inseguro Bentinho. Será que ele também amava Escobar? Sempre penso nessa possibilidade. Afinal, são insondáveis os mistérios da alma humana.

Dizem que Machado de Assis desejava formar parte da alta sociedade do Rio de Janeiro. Hoje, ninguém sabe o nome de um só banqueiro ou de um grande comerciante daquele tempo. Só Machado está entre nós com Dom Casmurro, Memórias Póstumas de Brás Cubas e Quincas Borba. Também seguem conosco Guimarães Rosa, Lima Barreto, Autran Dourado, Graciliano Ramos, Érico Verissimo e tantos outros autores de livros notáveis.

Quem, neste século, e no século passado, não deve alguma coisa ao romance russo Os Irmãos Karamazov? Paulo Francis dizia que Dostoievski inaugurou a psicanálise antes de Freud, não como método terapêutico, mas como investigação da psique. Ele seria o equivalente russo de Shakespeare, "reinventando" o humano. Cabe tudo nos seus livros: o real e o transcendente.

Não há quem não fique maravilhado com Os Miseráveis, de Victor Hugo. Também são pontos máximos da literatura obras como Cem Anos de Solidão, O Apanhador no Campo de Centeio e A Sangue Frio. E Dom Quixote, um dos livros mais extraordinários de todos os tempos? Como esquecer um herói que navega entre a perplexidade e a desorientação em sua quase infinita aventura?

Meu lívro favorito, Antígona, de Sófocles (496–406 a.C.), descreve uma das guerreiras heróicas mais fortes de todos os tempos. Ousada e indomovável, ela foi capaz de assumir os valores éticos mais elevados, mesmo sabendo que perderia a vida. Seu legado: nenhum poder é absoluto. É isso, Borges tem razão. Se há paraíso ele é uma espécie de biblioteca. Os livros são tudo. O resto é lágrima na chuva...

domingo, 21 de outubro de 2012

Dois poetas geniais e dois poemas fantásicos...




















Poema de sete faces

Quando nasci, um anjo torto

desses que vivem na sombra

disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens

que correm atrás das mulheres.

A tarde talvez fosse azul,

não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:

pernas brancas pretas amarelas.

Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.

Porém meus olhos

não perguntam nada.

O homem atrás do bigode

é sério, simples e forte.

Quase não conversa.

Tem poucos, raros amigos

o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meus Deus, por que me abandonaste

se sabias que eu não era Deus

se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo,

se eu me chamasse Raimundo

seria uma rima, não seria uma solução.

Mundo mundo vasto mundo,

mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer

mas essa lua

mas esse conhaque

botam a gente comovido como o diabo.

Carlos Drummond de Andrade



Com Licença Poética

Quando nasci um anjo esbelto,

desses que tocam trombeta, anunciou:

vai carregar bandeira.

Cargo muito pesado para mulher,

essa espécie ainda envergonhada.

Aceito os subterfúgios que me cabem,

sem precisar mentir.

Não sou tão feia que não possa casar,

acho o Rio de Janeiro uma beleza e

ora sim, ora não, creio em parto sem dor.

Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.

Inauguro linhagens, fundo reinos

- dor não é amargura.

Minha tristeza não tem pedigree,

já a minha vontade de alegria,

sua raiz vai ao meu mil avô.

Vai ser coxo na vida é maldição para homem.

Mulher é desdobrável. Eu sou.

Adélia Prado

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Estratégia...

Os anos ensinam muitas coisas que os dias desconhecem. É errado jogar no ataque o tempo todo. Não dá para ganhar só com paus e espadas. Nem no baralho e nem na vida.

sábado, 6 de outubro de 2012

Sobre acreditar...



Hemingway, um dia, inquirido sobre se acreditava em Deus, respondeu: «À noite, às vezes».


quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Machado de Assis, um brasileiro genial


Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis,  é uma obra-prima. Se Machado tivesse nascido na Europa ou nos Estados Unidos seria incluído, sem favor algum, na lista dos dez escritores mais geniais de todos os tempos. Abaixo, o primeiro capítulo deste livro escrito com aquele desencanto atemporal que parece ser caracteristica de todos os genios da literatura:  

Capítulo Primeiro

Óbito do Autor

"Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me levaram a adotar diferente método: a primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo. Moisés, que também contou a sua morte, não a pôs no intróito, mas no cabo: diferença radical entre este livro e o Pentateuco.

Dito isto, expirei às duas horas da tarde de uma sexta-feira do mês de agosto de 1869, na minha bela chácara de Catumbi. Tinha uns sessenta e quatro anos, rijos e prósperos, era solteiro, possuía cerca de trezentos contos e fui acompanhado ao cemitério por onze amigos. Onze amigos!

Verdade é que não houve cartas nem anúncios. Acresce que chovia — peneirava — uma chuvinha miúda, triste e constante, tão constante e tão triste, que levou um daqueles fiéis da última hora a intercalar esta engenhosa idéia no discurso que proferi. à beira de minha cova: — «Vós, que o conhecestes, meus senhores vós podeis dizer comigo que a natureza parece estar chorando a perda irreparável de um dos mais belos caracteres que têm honrado a humanidade. Este ar sombrio, estas gotas do céu, aquelas nuvens escuras que cobrem o azul como um crepe funéreo, tudo isso é a dor crua e má que lhe rói à natureza as mais íntimas entranhas; tudo isso é um sublime louvor ao nosso ilustre finado.»

Bom e fiel amigo! Não, não me arrependo das vinte apólices que lhe deixei. E foi assim que cheguei à cláusula dos meus dias; foi assim que me encaminhei para o undiscovered country de Hamlet, sem as ânsias nem as dúvidas do moço príncipe, mas pausado e trôpego como quem se retira tarde do espetáculo. Tarde e aborrecido. Viram-me ir umas nove ou dez pessoas, entre elas três senhoras, ; minha irmã Sabina, casada com o Cotrim, a filha — um lírio do vale, — e. . . Tenham paciência! daqui a pouco lhes direi quem era a terceira senhora. Contentem-se de saber que essa anônima, ainda que não parenta, padeceu mais do que as parentas. É verdade padeceu mais. Não digo que se carpisse, não digo que se deixasse rolar pelo chão, convulsa. Nem o meu óbito era cousa altamente dramática... Um solteirão que expira aos sessenta e quatro anos, não parece que reúna em si todos os elementos de uma tragédia. E dado que sim, o que menos convinha a essa anônima era aparentá-lo. De pé, à cabeceira da cama, com os olhos estúpidos, a boca entreaberta, a triste senhora mal podia crer na minha extinção.

«Morto! morto!» dizia consigo.

E a imaginação dela, como as cegonhas que um ilustre viajante viu desferirem o vôo desde o Ilisso às ribas africanas, sem embargo das ruínas e dos tempos, — a imaginação dessa senhora também voou por sobre os destroços presentes até às ribas de uma África juvenil... Deixá-la ir; lá iremos mais tarde; lá iremos quando e me restituir aos primeiros anos. Agora, quero morrer tranqüilamente, metodicamente, ouvindo os soluços das damas, as falas baixas dos homens, a chuva que tamborila nas folhas de tinhorão da chácara, e o som estrídulo de uma navalha que um amolador está afiando lá fora, à porta de um correeiro. Juro-lhes que essa orquestra da morte foi muito menos triste do que podia parecer. De certo ponto em diante chegou a ser deliciosa. A vida estrebuchava-me no peito, com uns ímpetos de vaga marinha, esvaíase-me a consciência, eu descia à imobilidade física e moral, e o corpo fazia-se-me planta, e pedra e lodo, e cousa nenhuma.

Morri de uma pneumonia; mas se lhe disser que foi menos a pneumonia, do que uma idéia grandiosa e útil, a causa da minha morte, é possível que o leitor me não creia, e todavia é verdade. Vou expor-lhe sumariamente o caso. Julgue-o por si mesmo".