As
estatísticas macabras sobre a violência que enchem de dor e de tristeza o dia a dia de inúmeras famílias e que mancham de sangue a imagem do País
De janeiro de 2011 a dezembro de 2015, 278.839 pessoas
foram mortas no País, número maior do que o de mortos na guerra da Síria, onde
256.124 morreram no mesmo período. Para avaliar o impacto deste fato: uma pessoa
é assassinada a cada 9 minutos no Brasil. Ao longo de um dia ocorrem 160 assassinatos.
Em 2016, foram mortos violenta e intencionalmente 58.383 brasileiros.
Os estados das regiões Nordeste e Norte lideram o ranking com
altas taxas de assassinatos. Os primeiros cinco colocados: Sergipe, Alagoas, Rio Grande do Norte, Ceará e Pará. Os estados que
registraram as menores taxas de mortes violentas intencionais foram São Paulo
(11,7), Santa Catarina (14,3) e Roraima (18,2).
Em 2015, das 50 cidades com maior taxa de homicídios por 100
mil habitantes, um total de 21 são brasileiras. Fortaleza
é a cidade mais violenta. Em seguida vem Natal, depois Salvador
e região metropolitana e João Pessoa.
Das 50 cidades, nada menos que 41 ficam na América Latina: 21 no
Brasil, 8 na Venezuela, 5 no México, 3 na Colômbia, 2 em Honduras, uma em El
Salvador e uma na Guatemala. Outros países com cidades na lista são África do
Sul, Estados Unidos e Jamaica.
AS CIDADES MAIS VIOLENTAS DO MUNDO
1° - Caracas (Venezuela) - 119.87 homicídios/100
mil habitantes
2° - San Pedro Sula (Honduras) - 111.03
3° - San Salvador (El Salvador) - 108.54
4° - Acapulco (México) - 104.73
5° - Maturín (Venezuela) - 86.45
6° - Distrito Central (Honduras) - 73.51
7° - Valencia (Venezuela) - 72.31
8° - Palmira (Colômbia) - 70.88
9° - Cidade do Cabo (África do Sul) - 65.53
10° - Cali (Colômbia) - 64.27
11° - Ciudad Guayana (Venezuela) - 62.33
12° - Fortaleza (Brasil) - 60.77
13° - Natal (Brasil) - 60.66
14° - Salvador e região metropolitana (Brasil) -
60.63
15° - ST. Louis (Estados Unidos) - 59.23
16° - João Pessoa; conurbação (Brasil) - 58.40
17° - Culiacán (México) - 56.09
18° - Maceió (Brasil) - 55.63
19° - Baltimore (Estados Unidos) - 54.98
20° - Barquisimeto (Venezuela) - 54.96
21° - São Luís (Brasil) - 53.05
22° - Cuiabá (Brasil) - 48.52
23° - Manaus (Brasil) - 47.87
24° - Cumaná (Venezuela) - 47.77
25° - Guatemala (Guatemala) - 47.17
26° - Belém (Brasil) - 45.83
27° - Feira de Santana (Brasil) - 45.50
28° - Detroit (Estados Unidos) - 43.89
29° - Goiânia e Aparecida de Goiânia (Brasil) -
43.38
30° - Teresina (Brasil) - 42.64
31° - Vitória (Brasil) - 41.99
32° - Nova Orleans (Estados Unidos) - 41.44
33° - Kingston (Jamaica) - 41.14
34° - Gran Barcelona (Venezuela) - 40.08
35° - Tijuana (México) - 39.09
36° - Vitória da Conquista (Brasil) - 38.46
37° - Recife (Brasil) - 38.12
38° - Aracaju (Brasil) - 37.70
39° - Campos dos Goytacazes (Brasil) - 36.16
40° - Campina Grande (Brasil) - 36.04
41° - Durban (África do Sul) - 35.93
42° - Nelson Mandela Bay (África do Sul) - 35.85
43° - Porto Alegre (Brasil) - 34.73
44° - Curitiba (Brasil) - 34.71
45° - Pereira (Colômbia) - 32.58
46° - Victoria (México) - 30.50
47° - Johanesburgo (África do Sul) - 30.31
48° - Macapá (Brasil) - 30.25
49° - Maracaibo (Venezuela) - 28.85
50° - Obregón (México) - 28.29
Fonte:
10º Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
“Porque, sendo livre e não pertencendo a ninguém, fiz-me de escravo de todos, para ganhar muitos deles. Para os judeus, fiz-me de judeu, para ganhar os judeus; para aqueles observadores da lei, me tornei alguém observador da lei (embora não tivesse de observar a lei), para ganhar os observadores da lei. Para os que não observam a lei, me tornei alguém que não observa a lei (apesar de não estar livre da lei de Deus e observando a lei de Cristo), para ganhar os que não observam a lei. Fiz-me de fraco para os fracos, para ganhar os fracos. Fiz-me tudo para todos, para, por todos os meios, chegar a salvar alguns”.
Carta de Paulo aos coríntios (1 Coríntios 9:19-23), Bíblia Sagrada - Edição 2013 Vozes
Se fosse vivo, Alexandre O'Neill estaria completando noventa e um anos depois de amanhã, 19 de dezembro. Era poeta, cronista e publicitário. Escreveu textos magníficos. Até o epitáfio que sugeriu para seu túmulo era genial:
Quando minha irmã morreu eu chorei muito e me consolei depressa. Tinha um vestido novo e moitas no quintal onde eu ia existir. Quando minha mãe morreu, me consolei mais lento. Tinha uma perturbação recém-achada: meus seios conformavam dois montículos e eu fiquei muito nua, cruzando os braços sobre eles é que eu chorava. Quando meu pai morreu, nunca mais me consolei. Busquei retratos antigos, procurei conhecidos, parentes, que me lembrassem sua fala, seu modo de apertar os lábios e ter certeza. Reproduzi o encolhido do seu corpo em seu último sono e repeti as palavras que ele disse quando toquei seus pés: ´deixa, tá bom assim´. Quem me consolará desta lembrança? Meus seios se cumpriram e as moitas onde existo são pura sarça ardente de memória.
Poema integra o livro "Bagagem", de Adélia Prado, publicado pela Editora Record que reedita toda a obra da poeta.
PS: Adélia Prado faz 82 anos hoje. Fiquei comovida ao ler que é dia do seu aniversário. Eu a acompanho há anos e tudo dela me comove. Em 2006, muita gente chorou quando a escritora mineira Adélia Prado leu, pela primeira vez, "As Mortes Sucessivas" para a plateia da 4.ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip). Foi um momento inesquecível e emocionante.
Um dos grandes amigos que tenho, o ex-senador Jorge
Bornhausen será homenageado amanhã em Santa Catarina com a medalha Anita
Garibaldi, a maior condecoração do Estado. Ele faz por merecer os aplausos
que lhe são concedidos. Durante seis ou sete anos tive a honra de fazer
parte da sua equipe (assessoria de imprensa) no Senado. Só tenho a agradecer pela honrosa convivência.
Quem
só o enxerga de longe, vê a imagem de um político severo, mas ele é extremamente
gentil no convívio pessoal, além de um amigo leal e generoso. Nunca dei por intervenção
sua que fosse inoportuna ou banal. Ele sempre está à altura dos fatos, das
conversas e dos debates. Age com cautela e sabedoria, mas não teme a polêmica. Exigente, mas capaz de reconhecer o esforço dos outros,
é rigoroso e combate a ideia de uma cultura sem esforço e sem disciplina. Racional,
recebe críticas injustas, mas não se queixa porque sabe que todo o poder tem
preço e quem vai à guerra dá e leva. Por essa razão, mesmo sendo firme em suas
convicções políticas, reserva espaço para o contra-ataque dos adversários.
Sei que
o uso manda que em períodos de homenagens se enalteçam apenas as virtudes, mas
na minha amizade pelo ex-senador não cabe a hipocrisia. Seria diminuí-lo dizê-lo infalível. Ninguém o é. Como
a maioria de nós ele erra. Mas em muito ele se distingue do comum: pela
inteligência, pelo conhecimento, pela clareza do raciocínio, a gentileza e o sentido público.
Jorge Bornhausen gosta muito mais do Brasil do que o Brasil
gosta dele. Ele é forte sem precisar fazer ninguém de fraco. Nunca
o vi usar sua inteligência, os cargos que conquistou na política ou
sua dimensão humana para diminuir quem quer que seja. É por estas
e muitas outros razões que cumprimento o Governo de Santa Catarina pela
homenagem a Jorge Bornhausen, um brasileiro extraordinário que põe a integridade acima dos jogos e interesses da política.
Em 1989, militantes do Partidão convocaram
uma reunião no Rio para avaliar a campanha de Roberto Freire à Presidência da
República.
Um dos presentes disse a Freire que ele não deveria falar que
não acreditava em Deus porque, se ficasse repetindo isso, correria o risco de não ir ao segundo
turno da disputa. Todo o mundo ficou em silêncio mas antes que Freire respondesse, Ferreira Gullar disse, do fundo da sala, com aquele
vozeirão:
- Mesmo porque Roberto, se você for ao
segundo turno, Deus existe!
Ferreira Gullar morreu hoje, 4 de dezembro de 2016. Era o maior poeta vivo da literatura
brasileira. Sua poesia engajada – ele sempre foi do Partidão - era um importante instrumento de denúncia social desde
1950. Ele pertencia ao Centro Popular de Cultura (CPC), grupo de intelectuais de esquerda
criado em 1961, no Rio de Janeiro, cujo objetivo era defender o caráter
coletivo e didático da obra de arte, bem como o engajamento político do
artista. Perseguido pela ditadura militar, Ferreira Gullar exilou-se
na Argentina durante os anos de repressão. Em 2014, aos 84 anos, foi eleito
imortal da Academia Brasileira de Letras, ocupando a Cadeira de número 37, que
pertencera ao escritor Ivan Junqueira, morto nesse mesmo ano.
Não há vagas
Não há vagas
O preço do feijão
não cabe no poema. O preço
do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão
O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.
Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras
– porque o poema, senhores,
está fechado:
“não há vagas”
Só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço
O poema, senhores,
não fede
nem cheira.
Poema: Traduzir-se – Ferreira Gullar
Traduzir-se
Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.
Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.
Traduzir-se uma parte
na outra parte
– que é uma questão
de vida ou morte –
será arte?
Poema: No corpo – Ferreira Gullar
No corpo
De que vale tentar reconstruir com palavras
O que o verão levou
Entre nuvens e risos
Junto com o jornal velho pelos ares
O sonho na boca, o incêndio na cama,
o apelo da noite
Agora são apenas esta
contração (este clarão)
do maxilar dentro do rosto.
A poesia é o presente.
Poema: Poemas Neoconcretos I –
Ferreira Gullar
Poemas Neoconcretos I
mar azul
mar azul marco azul
mar azul marco azul barco azul
mar azul marco azul barco azul arco azul
mar azul marco azul barco azul arco azul ar azul
Poema: Aprendizado – Ferreira Gullar
Aprendizado
Do mesmo modo que te abriste à alegria
abre-te agora ao sofrimento
que é fruto dela
e seu avesso ardente.
Do mesmo modo
que da alegria foste
ao fundo
e te perdeste nela
e te achaste
nessa perda
deixa que a dor se exerça agora
sem mentiras
nem desculpas
e em tua carne vaporize
toda ilusão
que a vida só consome
o que a alimenta.
Poema: Um Instante – Ferreira Gullar
Aqui me tenho/ Como não me conheço/ nem me quis/ sem começo/
nem fim/ aqui me tenho/ sem mim/ nada lembro/ nem sei/ à luz presente/ sou
apenas um bicho/ transparente.
Poema: Subversiva – Ferreira Gullar
Subversiva
A poesia
Quando chega
Não respeita nada.
Nem pai nem mãe.
Quando ela chega
De qualquer de seus abismos
Desconhece o Estado e a Sociedade Civil
Infringe o Código de Águas
Relincha
Como puta
Nova
Em frente ao Palácio da Alvorada.
E só depois
Reconsidera: beija
Nos olhos os que ganham mal
Embala no colo
Os que têm sede de felicidade
E de justiça.
E promete incendiar o país.
Poema: Os mortos – Ferreira Gullar
Os mortos
os mortos vêem o mundo
pelos olhos dos vivos
eventualmente ouvem,
com nossos ouvidos,
certas sinfonias
algum bater de portas,
ventanias
Ausentes
de corpo e alma
misturam o seu ao nosso riso
se de fato
quando vivos
acharam a mesma graça
Poema: Cantiga para não morrer –
Ferreira Gullar
Cantiga para não morrer
Quando você for se embora,
moça branca como a neve,
me leve.
Se acaso você não possa
me carregar pela mão,
menina branca de neve,
me leve no coração.
Se no coração não possa
por acaso me levar,
moça de sonho e de neve,
me leve no seu lembrar.
E se aí também não possa
por tanta coisa que leve
já viva em seu pensamento,
menina branca de neve,
me leve no esquecimento.
Poema: Prometi-me Possuí-la –
Ferreira Gullar
Prometi-me Possuí-la
Prometi-me possuí-la muito embora
ela me redimisse ou me cegasse.
Busquei-a na catástrofe da aurora,
e na fonte e no muro onde sua face,
entre a alucinação e a paz sonora
da água e do musgo, solitária nasce.
Mas sempre que me acerco vai-se embora
como se temesse ou me odiasse.
Assim persigo-a, lúcido e demente.
Se por detrás da tarde transparente
seus pés vislumbro, logo nos desvãos
das nuvens fogem, luminosos e ágeis!
Vocabulário e corpo — deuses frágeis —
eu colho a ausência que me queima as mãos.
[Poemas Portugueses]
Poema: Extravio – Ferreira Gullar
Extravio
Onde começo, onde acabo,
se o que está fora está dentro
como num círculo cuja
periferia é o centro?
Estou disperso nas coisas,
nas pessoas, nas gavetas:
de repente encontro ali
partes de mim: risos, vértebras.
Estou desfeito nas nuvens:
vejo do alto a cidade
e em cada esquina um menino,
que sou eu mesmo, a chamar-me.
Extraviei-me no tempo.
Onde estarão meus pedaços?
Muito se foi com os amigos
que já não ouvem nem falam.
Estou disperso nos vivos,
em seu corpo, em seu olfato,
onde durmo feito aroma
ou voz que também não fala.
Ah, ser somente o presente:
esta manhã, esta sala.
Poema: Madrugada – Ferreira Gullar
Madrugada
Do fundo de meu quarto, do fundo
de meu corpo
clandestino
ouço (não vejo) ouço
crescer no osso e no músculo da noite
a noite
a noite ocidental obscenamente acesa
sobre meu país dividido em classes.
Neste Leito de Ausência – Ferreira
Gullar
Neste Leito de Ausência
Neste leito de ausência em que me esqueço
desperta o longo rio solitário:
se ele cresce de mim, se dele cresço,
mal sabe o coração desnecessário.
O rio corre e vai sem ter começo
nem foz, e o curso, que é constante, é vário.
Vai nas águas levando, involuntário,
luas onde me acordo e me adormeço.
Sobre o leito de sal, sou luz e gesso:
duplo espelho — o precário no precário.
Flore um lado de mim? No outro, ao contrário,
de silêncio em silêncio me apodreço.
Entre o que é rosa e lodo necessário,
passa um rio sem foz e sem começo.
[Poemas Portugueses]
Meu povo, meu poema – Ferreira Gullar
Meu povo, meu poema
Meu povo e meu poema crescem juntos
como cresce no fruto
a árvore nova
No povo meu poema vai nascendo
como no canavial
nasce verde o açúcar
No povo meu poema está maduro
como o sol
na garganta do futuro
Meu povo em meu poema
se reflete
como a espiga se funde em terra fértil
Ao povo seu poema aqui devolvo
menos como quem canta
do que planta
Poema: MINHA MEDIDA – Ferreira Gullar
MINHA MEDIDA
Meu espaço é o dia
de braços abertos
tocando a fímbria de uma e outra noite
o dia
que gira
colado ao planeta
e que sustenta numa das mãos a aurora
e na outra
um crepúsculo de Buenos Aires
Meu espaço, cara,
é o dia terrestre
quer o conduzam os pássaros do mar
ou os comboios da Estrada de Ferro Central do Brasil
Muita gente boa escreveu
sobre a vitória de Donald Trump. Sei menos da história dos Estados Unidos do
que gostaria, mas também tenho observações. Acho que nada nos Estados
Unidos deve ser visto de uma única maneira, uma vez que os norte-americanos agem
c/ duplicidade: falam em liberdade/democracia e
patrocinam ditadores.
Invocam os direitos humanos e adotam a pena de
morte. Além disso, lucram vendendo armas para quem estiver interessado. Sem esquecer que argumentam sobre soberania, mas, não hesitam em invadir o território dos outros. Seriam então os Estados Unidos piores do que outras nações?
Não. No contexto internacional não há santidade. A duplicidade
faz parte da política, notadamente da política externa. Não há Estados inocentes.
Donald Trump assusta por ser fanfarrão, trapalhão
e ignorante em política internacional. O cenário com ele sinaliza isolacionismo
da única superpotência do planeta. Acho, porém, que Trump parece tão interessado em ganhar, em ser sempre campeão, que pode ir melhorando com os dias e até mostrar-se à altura
do posto que conquistou.
O compromisso de Trump contra o terrorismo não
difere das promessas dos demais republicanos que ocuparam a Casa Branca e
não deixaram o mundo acabar. A propósito: eles contam com grandes quadros, caso
de Colin Powell, por exemplo. São quadros que, no caso da guerra ao terror, não
são pacifistas e tampouco neófitos. O Estado Islâmico é a besta a enfrentar e,
nesta guerra, tenho lado. Torço pelo triunfo de Trump e da América.
Li a entrevista do juiz Sérgio Moro no jornal O Estado de S. Paulo neste domingo, 6
de novembro de 2016. Estou impressionada com sua segurança e seu estilo direto:
‘Jamais
entraria para a política’, ele disse. Acredito que o Meritíssimo Juiz sabe que, ao dizer isso, está
excluindo a Política dos caminhos mais nobres a serem trilhados. Eu diria até
que algumas pessoas poderão entender a afirmação como “demonização” da
política.
Discordo tão completamente das suas
palavras neste ponto que resolvi manifestar minha opinião: só por meio da
Política o Brasil vai se inserir no espaço civilizacional que mais consolidou a
dignidade do ser humano. Aliás, apesar de todos os obstáculos, o País deve aos
seus governos realizações e avanços significativos no aspecto social, econômico,
cultural, e até, embora menos, no aspecto político. Pena que tudo o que se fez
não foi suficiente.
O Meritíssimo juiz está tentando dar
um basta no colapso de credibilidade do sistema judicial brasileiro e está fazendo
renascer a esperança do sonho de reformar, reconstruir e reabilitar a confiança
neste pilar do Estado de Direito que estávamos diariamente a deixar de ser. Não
posso, contudo, celebrar sua visão excludente da Política. Nada legitima nem justifica a exclusão
da Política como um dos principais espaços para o exercício da vida pública.
O
que um jovem vai pensar ao ler a manchete do Estadão de hoje? Acho que poderá
concluir que a Política não presta. O juiz até disse que não vê demérito na
Política, mas o fato de dizer que “jamais” trilharia um caminho, acaba por
condená-lo, levando em conta o peso e a dimensão de suas palavras.
Sérgio Moro faz parte de uma
geração que nasceu com liberdade. Uma geração que deve à Política a liberdade
de pensar, participar e discordar. Uma geração que exerce esse tributo com
gosto e naturalidade. Não é por acaso que ele, acertadamente, avança contra a impunidade e a
corrupção sem vênias aos que se consideram proprietários do Brasil e sem reconhecer
qualquer autoridade aos que manipulam as leis para desviar recursos públicos.
Ele age da forma que age porque
pode fazê-lo e isso se deve à Política. Mas, será que importará defender a
política mesmo tão desacreditada? Acho que sim, até para homenagear os antepassados
que garantiram aos brasileiros, além da liberdade individual, a liberdade
enquanto povo soberano. Importa também para lembrar as personalidades e
organizações civis que ao longo de décadas se bateram pela justiça e equidade.
Importará fazê-lo, ainda, para um
momento de estímulo à reflexão sobre a nossa realidade e os nossos erros cujos responsáveis,
em primeira linha são os políticos, as direções partidárias e os integrantes da
elite empresarial. Mas, responsáveis são, em menor grau, os cidadãos e a Sociedade
Civil porque não cuidaram de desenvolver uma colaboração exigente com o Estado.
Os brasileiros, obviamente com exceções,
não respondem bem à sua responsabilidade social. A nós, e só a nós – Estado,
sistema político, Sociedade Civil e mercado; enfim, partidos políticos e
cidadãos – cumpre a ação e a responsabilidade de enfrentar e vencer os desafios.
Somos nós (todos nós) que fazemos o nosso destino.
Aliás, o Meritíssimo juiz faz
política ao usar a força e a influência que merecidamente conquistou na
República para condenar o foro privilegiado, o projeto de lei do abuso de
autoridade e a criminalização do caixa dois como formas de combater a
impunidade e a corrupção. Tudo certo. Temos mais é de agradecer pela
sua luta para resgatar a decência e a honestidade no nosso País.
A propósito: a
resposta que Moro dá aos seus críticos é primorosa: “Processo é questão de
prova. É errado tentar medir a Justiça por réguas ideológicas. Se a pessoa é
culpada ou não, não importa se ela é de esquerda, se é de direita, se ela é de
centro, tampouco importa se o juiz é de direita, se é de esquerda ou se é de
centro.”
Eu também lamento que a liberdade do
nosso país, uma oportunidade que devia ser de todos, tenha servido muito mais
aos desonestos que não hesitaram em tentar conformar a Justiça; clientelizar o
voto e condicionar a autonomia das instituições. Não é por acaso que cada vez menos
brasileiros acreditam nas palavras de quem quer que seja, a começar pela dos políticos.
É isso. A proteção da nossa liberdade implica políticas mais firmes, leis
mais realistas e tribunais mais eficazes, mas só na Política podemos promover uma
cultura social diferente, fazendo com que cada direito corresponda a um dever e
cada liberdade corresponda a uma responsabilidade. Só assim vamos reinventar nosso destino.
Não se esqueçam
que o Brasil tem carência de engenheiros, cientistas e pesquisadores. Não gera
tecnologia própria em quase nenhum setor. Na verdade, o trabalhador
brasileiro tem a escolaridade média dos países mais pobres do planeta.
Parcela significativa de adolescentes brasileiros de 15 anos não consegue
escrever um bilhete nem fazer um cálculo que não seja adição.
Melhoramos em
muitos aspectos sim, mas há muito a fazer. Metade dos domicílios está sem
acesso a esgoto. E a violência cresceu demais nos últimos anos. No período de
2011 a 2015, 278.839 brasileiros foram vítimas da violência, número
superior aos 256.124 mortos no conflito da Síria. Em cinco anos, nosso País
teve mais assassinatos que a Síria.
A insegurança
impede a cidadania. Prefeitos devem participar sim, por meio da organização e
do treinamento de guardas municipais, da luta contra o aumento da criminalidade
e no combate às drogas ilícitas. Ninguém está dispensado de participar da
guerra contra a violência.
A vida das
pessoas não está nada fácil. O trânsito anda infernal e a
espera exaspera.
O melhor caminho é investir em Educação e fazer reformas
para combater o desperdício e a corrupção. As máquinas públicas podem e
devem prestar bons serviços de Saúde e Educação, além de investir em programas
que gerem emprego e renda. Um bom ambiente nas cidades vai melhorar, com
certeza, o futuro de todos.
A desigualdade é o
mal a enfrentar. Em todos os momentos e em todas as áreas. Cidade nenhuma será
boa para os visitantes se não for boa para seus moradores. Os
melhores prefeitos são próximos, vão à feira, ao posto
de saúde e visitam as escolas e as obras de saneamento. Ser
prefeito é ser uma espécie de irmão mais velho do cidadão.
Muitas coisas
estão sendo feitas na área social, conforme atestam os resultados do IBGE,
mas há muito trabalho a fazer. Coisa boa de comemorar, por exemplo,
é a queda da desigualdade. O índice de Gini vem continuamente caindo no
Brasil, mas o ritmo é muito lento. Prefeitos e
prefeitas podem acelerar esta queda com coragem, força e
perseverança.
Uma pessoa pode
mover para melhor o mundo de outras pessoas, se souber mover direito. A
prefeitura é a instância de poder mais próxima das pessoas. Essa proximidade
faz do prefeito o vizinho que pode acudir na hora do aperto e ajudar os
que dependem do poder público para garantir a sobrevivência. Espero que cuidem
dos aflitos, os que mais precisam de cuidados.
Como minha
formação é na área da imprensa, não posso encerrar sem uma palavra a
respeito: informem as pessoas. O exercício da vida pública exige
transparência e implica tolerância com a liberdade de opinião dos outros,
uma das condições da vida democrática. Ouçam as críticas com interesse e
paciência. Em algumas vezes, quem critica pode ajudar até mais do que o pessoal
que só bajula.
"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso. É possível, porque tudo é possível, que ele seja aquele que eu desejo para vós. Um simples mundo, onde tudo tenha apenas a dificuldade que advém de nada haver que não seja simples e natural. Um mundo em que tudo seja permitido, conforme o vosso gosto, o vosso anseio, o vosso prazer, o vosso respeito pelos outros, o respeito dos outros por vós. E é possível que não seja isto, nem seja sequer isto o que vos interesse para viver. Tudo é possível, ainda quando lutemos, como devemos lutar, por quanto nos pareça a liberdade e a justiça, ou mais que qualquer delas uma fiel dedicação à honra de estar vivo. Um dia sabereis que mais que a humanidade não tem conta o número dos que pensaram assim, amaram o seu semelhante no que ele tinha de único, de insólito, de livre, de diferente, e foram sacrificados, torturados, espancados, e entregues hipocritamente â secular justiça, para que os liquidasse «com suma piedade e sem efusão de sangue.» Por serem fiéis a um deus, a um pensamento, a uma pátria, uma esperança, ou muito apenas à fome irrespondível que lhes roía as entranhas, foram estripados, esfolados, queimados, gaseados, e os seus corpos amontoados tão anonimamente quanto haviam vivido, ou suas cinzas dispersas para que delas não restasse memória. Às vezes, por serem de uma raça, outras por serem de urna classe, expiaram todos os erros que não tinham cometido ou não tinham consciência de haver cometido. Mas também aconteceu e acontece que não foram mortos. Houve sempre infinitas maneiras de prevalecer, aniquilando mansamente, delicadamente, por ínvios caminhos quais se diz que são ínvios os de Deus. Estes fuzilamentos, este heroísmo, este horror, foi uma coisa, entre mil, acontecida em Espanha há mais de um século e que por violenta e injusta ofendeu o coração de um pintor chamado Goya, que tinha um coração muito grande, cheio de fúria e de amor. Mas isto nada é, meus filhos. Apenas um episódio, um episódio breve, nesta cadela de que sois um elo (ou não sereis) de ferro e de suor e sangue e algum sémen a caminho do mundo que vos sonho. Acreditai que nenhum mundo, que nada nem ninguém vale mais que uma vida ou a alegria de té-1a. É isto o que mais importa - essa alegria. Acreditai que a dignidade em que hão-de falar-vos tanto não é senão essa alegria que vem de estar-se vivo e sabendo que nenhuma vez alguém está menos vivo ou sofre ou morre para que um só de vós resista um pouco mais à morte que é de todos e virá. Que tudo isto sabereis serenamente, sem culpas a ninguém, sem terror, sem ambição, e sobretudo sem desapego ou indiferença, ardentemente espero. Tanto sangue, tanta dor, tanta angústia, um dia - mesmo que o tédio de um mundo feliz vos persiga - não hão-de ser em vão. Confesso que muitas vezes, pensando no horror de tantos séculos de opressão e crueldade, hesito por momentos e uma amargura me submerge inconsolável. Serão ou não em vão? Mas, mesmo que o não sejam, quem ressuscita esses milhões, quem restitui não só a vida, mas tudo o que lhes foi tirado? Nenhum Juízo Final, meus filhos, pode dar-lhes aquele instante que não viveram, aquele objecto que não fruíram, aquele gesto de amor, que fariam “amanhã”. E por isso, o mesmo mundo que criemos nos cumpre tê-lo com cuidado, como coisa que não é nossa, que nos é cedida para a guardarmos respeitosamente em memória do sangue que nos corre nas veias, da nossa carne que foi outra, do amor que outros não amaram porque lho roubaram.
Jorge de Sena Carta a meus filhos Sobre os fuzilamentos de Goya
A democracia é para todos e a culpa é dos gregos, não há o que fazer a respeito. Por essa razão tenho certa birra daqueles que proclamam a democracia como se fossem donos dela, mas na hora do voto na urna preferiam que só eles (e os que pensam como eles) pudessem votar. Tem gente assim em todas as correntes de opinião. Para identifica-los basta prestar atenção naqueles que vivem criticando as opções de voto dos outros quando a democracia indica um caminho contrário ao que desejavam. A boa notícia é que existe cura para este mal: tolerância. Sim, tolerância. A democracia é para todos. É chato, mas é assim que é. E assim deve ser.
Nem rei nem lei, nem paz nem guerra, define com perfil e ser este fulgor baço da terra que é Portugal a entristecer – brilho sem luz e sem arder, como o que o fogo-fátuo encerra.
Ninguém sabe que coisa quer. Ninguém conhece que alma tem, nem o que é mal nem o que é bem. (Que ância distante perto chora?) Tudo é incerto e derradeiro. Tudo é disperso, nada é inteiro. Ó Portugal, hoje és nevoeiro...
É a Hora! Fernando Pessoa
Meu candidato à Presidência da
República em 2018 deve ousar contrariar o centrismo dominante, o direitismo
reacionário e o esquerdismo ultrapassado. E que Deus me livre e guarde de
quem busca a política para renegar a política. Nossos erros já duram demais. Fora
da política não há solução política.
Gostaria de ler programa conjugando valores conservadores (trabalho & propriedade) e liberais (menos
impostos, menos poder sindical) com forte inclusão social. Gostaria também de
ouvir um candidato dizendo «os nossos amigos norte-americanos» com altivez, sem
ironias e provocações inócuas, mas, sobretudo, sem ser servil e obediente.
A política externa deveria ser prudente
e corajosa, incluindo temas da imigração e da segurança. E todo o seu sentido
deve ser no combate à desigualdade. A desigualdade é um tema que não deve ser monopólio
dos setores radicais, nem reclama respostas radicais, mas exige saídas responsáveis e imediatas,
de curto e médio prazo.
Defenderei um candidato com a retórica da grandeza(compatível
com a nossa geografia) que tenha coragem para respirar autoridade, sem abraçar o
atraso, o autoritarismo e a truculência.
Que abrace ideias novas ou esquecidas, mas que renegue e abomine a violência, a
criminalização dos pobres e dos que precisam do Estado.
Lamentavelmente, setores de centro, incluindo
o centro-esquerda, e quase todos os campos à direita, adotam a onda da
não-política. Levam em conta que a população, nessa altura, só quer as delícias da
televisão e do consumismo. E acham que podem levar vantagem porque a maioria dá
sinais que abandonou os discursos ideológicos baseados em análises datadas.
Á esquerda, prevalece a derrocada dos
líderes, quase todos suspeitos de corrupção, enriquecimento ilícito e desvios
de verbas públicas. Sobre este momento dos setores de esquerda cumpre dizer, honestamente,
o seguinte: se renovar, abandonando seu principal e único líder, Lula, acaba. Se não se
renovar, acabará do mesmo modo.
Finalmente gostaria de dizer que não estou
aqui pregando o fim de nenhum partido, nem pretendo a renovação dos conservadores. Já
disse e repito: escrevo aqui apenas o que penso, defendendo as minhas ideias, e
não tenho qualquer outra ambição que não essa.
Sou invisível esta noite só algumas mulheres tímidas me vêem em todos os meus odiosos dias de visibilidade ansiei pelo sorriso delas agora elas debruçam-se dos seus tristes planos-para-logo-à-noite para que nos saudemos uns aos outros. Irmãs irmãs do meu povo destroçado que seguem amantes de terceira escolha elas sorriem para mim dizendo que nunca nos encontraremos enquanto permitirmos que continue este estado de coisas em que somos nós os miseráveis Leonard Cohen
Dilma caiu agarrada a todo tipo
de argumento, incluindo o fato de ser mulher. Fiquei pensando na
insensibilidade dela com o legado que recebeu das mulheres. Ninguém encontra o
mundo pronto, todos sabem disso, mesmo ingratos e mal agradecidos. Antes de
Dilma, o Brasil teve, no topo do Poder, a Princesa Isabel. Sempre achei
estranho e incompreensível o fato de Dilma não fazer referência a este fato
histórico.
Em 1889, uma das razões para a
deposição do impoluto D. Pedro II consistiu na falsa questão sucessória porque
as oligarquias não toleravam ter como Chefe de Estado uma mulher, mesmo sendo
ela A Redentora. Aquilo
era misoginia, perseguição e ruptura violenta. Dilma fica com dois motoristas,
um staff à disposição e
verba para seu sustento? Dilma não foi exilada? Seus direitos políticos estão
preservados? Isabel teve de fugir no meio da
madrugada. A família inteira embarcada às escondidas para que o povo não visse
e não se revoltasse. Os bens da família imperial foram apropriados pelo "novo
regime", os palácios do Estado vandalizados e despejados do conteúdo
histórico.
Até os móveis foram dispersos, os quadros e bibelots divididos ou roubados,
enfim, o que sobrou foi a leilão, ou hasta pública. Hoje, felizmente, o mundo é outro. A misoginia resiste, mas Dilma não caiu por ser mulher. Ao contrário. Ela chegou lá, entre outras razões, por ser mulher. A sociedade não questionou sequer sua inexperiência porque havia um ambiente, no Brasil e no mundo, de extrema confiança no trabalho das mulheres. Ambiente criado por milhares de mulheres que cumpriram jornada excepcional na linha do tempo, abrindo espaço para postos de comando aqui e em todos os países do mundo.
As mulheres prepararam terreno para um futuro que inevitavelmente chegaria. E ele chegou. Dilma participou e beneficiou-se desta luta, mas nunca referiu-se às mulheres que a antecederam, principalmente Isabel. Ela se dizia a primeira mulher a assumir o poder, mas a verdade é outra. Isabel foi a primeira e era tão legítima quanto Dilma, Elizabeth da Inglaterra, ou qualquer outro chefe de Estado. Isabel constitui referência história essencial, uma vez que assinou uma das leis mais importantes que temos, a da Abolição da escravatura. Na soma das interinidades, ela ficou mais tempo no poder que Collor/Janio e Itamar. Historiadores internacionais consideram sua presença na história do Brasil um marco de modernidade, uma vez que apenas nove países, até o século passado, tiveram mulheres no comando. E seu legado honra o Brasil e a todos nós, brasileiros e brasileiras. Uma preocupação final a propósito: só vamos melhorar a qualidade da nossa democracia por meio de uma maior participação de todos os cidadãos nas decisões políticas, e de uma abertura dos círculos do poder a novos públicos e a novos problemas. Essa transformação não se dará com o mero aumento do número de mulheres na política. Ela exige reflexão sobre conteúdos do trabalho político. E exige, igualmente, conhecimento da história do país, dos personagens e das causas que devemos abraçar. Um país não é só a terra com qual a gente nasce e vive. Um país é isso mais a irradiação secular das pessoas que nele viveram e que podem nos inspirar.