sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

Memória


Tem gente que não se arrepende de nada. Sou o contrário: queria apagar tanta coisa! E só não me arrependo de me arrepender de quase tudo.

 

 

quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

A tolerância é....

Um amigo radical pede um pouco de tolerância. Alguém pedir tolerância é a prova de que as pessoas mudam e que podem perder a memória do que, em outros tempos, defenderam e fizeram. Mas o mais importante é dar as boas vindas a todos que pulam a margem do rio e defendem novos conceitos. 
 
 

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

A vida com menos de um dólar por dia

O titulo acima poderia servir de mote para reportagens diárias. No Brasil, segundo o IBGE, temos 54 milhões de pobres. Destes, 15 milhões na pobreza extrema, ou seja, com menos de um dólar por dia. Na década de 80 o Los Angeles Times fez bom jornalismo mostrando a dor dos mais pobres na América. O título era "A vida com menos de um dólar por dia". A série de fatos abalou e mudou pontos da política liberal em vigor. É que, entre os mais pobres,  muitos eram homossexuais que precisavam, e acabaram conseguindo, ao menos medicação do Estado. Os protestos que se fizeram ouvir na Europa ajudaram a mudar as coisas. Fico torcendo para que bons jornalistas brasileiros (e são muitos) possam publicar e republicar este tipo de reportagem aqui. Quem sabe assim o combate aos vergonhosos números da pobreza acabe se tornando prioridade. Do contrário, somos mesmo muito pobres!

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Clarice Lispector

"Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completa quando não entendo. Não entender, do modo como falo, é um dom. Não entender, mas não como um simples de espírito. O bom é ser inteligente e não entender. É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida. É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice. Só que de vez em quando vem a inquietação: quero entender um pouco. Não demais: mas pelo menos entender que não entendo".

PS: Se estivesse viva, Clarice completaria hoje 98 anos.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

O Estrangeiro, Camus

Em O Estrangeiro, Meursault manifesta uma total indiferença em relação àqueles com quem convive e ao mundo que o cerca. Leva uma vida de apatia, em estado de permanente entorpecimento, reagindo apenas, muito espaçadamente, a estímulos imediatos.
 
Liga-se aos outros apenas na medida em que estes lhe agradam ou servem os seus interesses, logo os abandonando quando nessa medida deixam de ser úteis. Para ele, a vida é uma sucessão de episódios sem outro sentido que não seja a de serem o cenário da sua existência sombria.
 

Camus, o autor, foi rigorosamente o oposto. Era solar, sempre comprometido, atento aos outros e capaz da suprema bravura de contrariar até os fatos quando estes questionaram a perspectiva ética que foi a sua forma de humanidade.
 
Todos conhecemos pessoas parecidas com Meursault, pobres de espírito. Talvez menos extremas na sua indiferença, mas igualmente capazes de se desinteressar por tudo aquilo que não tenha a ver com a pulsão egocêntrica que vão gerindo. Ainda que disfarcem essa insensibilidade com algumas palavras de ocasião.
 
O tipo Meursault é o que lamenta, que discorda, que formalmente toma esta ou aquela posição em relação aos males da sociedade e do mundo, mas que emudece logo que tal exija esforço, compromisso e risco. São os omissos.
 

quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

Cristianismo

O cristianismo é, quer queiramos ou não, a matriz fundamental da nossa cultura. Bem sei que a América do Sul e a Europa seriam outras se não tivessem sido evangelizados. Bem sei que a imposição do cristianismo foi uma revolução cultural autoritária que provocou a morte de milhares de índios aqui e na Europa de milhares de sacerdotes pagãos, queimou-lhes os templos, intimidou os crentes de Júpiter, de Saturno, do Sol Invicto, de Mitra e de Mani, abateu as árvores sagradas dos Saxões, levou à fogueira legiões de adivinhos,"bruxas e bruxos", queimou bibliotecas e provocou um recuo evidente do pensamento filosófico, científico e estético que se edificara desde o primeiro milénio a.C. até ao século III da nossa Era. Sei que a imposição do jugo de Cristo na Europa foi, em grande parte, obra da engenharia da imperatriz Helena, mãe de Constantino, que pela Terra Santa andou a recolher provas e relíquias para legitimar o poder absoluto e jus divinista do novo totalitarismo cesarista. Pesem as malfeitorias da génese, o Cristianismo deu provas de fortaleza e dedicação ao abeirar-se das grandes esperanças e sofrimentos dos fracos, dos doentes e desvalidos, promovendo uma nova antropologia fundada na caridade e na salvação. Intelectualmente, lançou as raízes das ideias de liberdade, igualdade e fraternidade entre todos os membros da espécie humana - que a Revolução usurparia - e deu à Europa a unidade de destinação que lhe permitiu expandir-se e sobreviver. Devemos-lhe muito. O laicismo - que compreendo - não transporta nenhuma fundamentação essencialista, pelo que as sociedades em que se impôs são menos estáveis, mais conflituosas e mais atreitas a cíclicas doenças coletivas da sede do sagrado. O século XX foi marcado pelo totalitarismo, que não teria sido possível numa Europa cristã. A necessidade do sagrado é consubstancial ao humano, pelo que, quando a religião é atacada, rompem-se todos os liames que unem o corpo social. Cresci no catolicismo e carrego um pequeno crucifixo no peito. Prefiro a Bíblia ao Corão. 

terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Mulheres fatos e versões


O   que as mulheres querem? O mesmo que os homens: um amor, um trabalho digno, uma família e respeito. Em 30 anos, dobrou o número de mulheres que assumiram a chefia de suas famílias.
Eram 15% em 1980 e hoje somam 30%. Mais de 50% dessas mulheres chefes de família não têm marido ou companheiro, mas exercem a responsabilidade de manutenção e educação dos filhos com autoridade e disposição para o trabalho.
Mulher hoje em dia só fica casada quando vale a pena: em 72% dos divórcios a iniciativa de separação é dela.
O excepcional avanço da mulher deve-se a ela mesma - pois decorre do seu preparo profissional e sua escolarização: entre 7 e 14 anos, a maior fatia da população feminina, 97, 3%, estuda alguma coisa.
As mulheres, lastimavelmente, ainda ganham menos: o salário dos homens é, em média, de R$870,00 e as mulheres recebem R$617,00.  
As mulheres são a maioria do povo brasileiro: 55,2%. Somam 94 milhões.
As mulheres não precisam de favor ou generosidade. Não são minoria fragilizada ou seres dependentes.
Pelo rigor democrático, basta que lhes sejam reconhecidos os espaços econômico, político e social a que têm direito.
Como todos os preconceitos históricos – como o racismo - o machismo (a alegada superioridade do homem ou, o que é tão equivocado quanto, um tratamento condescendente à mulher, como se fosse um favor) resiste como um bolsão renitente de ignorância e injustiça.
Alegar a cumplicidade amorosa, os papéis nas relações sexuais, as peculiaridades de beleza, delicadeza e graça da mulher como argumentos para dominação e poder é um resquício insuportável de ignorância e atraso. A mulher, tal como o homem, tem o seu papel natural próprio, biológico e social, são diferentes mas nenhum é, em nada, superior ao outro.
O problema político está justamente em traduzir esse conceito sobre a condição feminina e expressá-lo em leis, serviços públicos – especialmente de saúde e segurança, proteção social e reservas de espaço (por exemplo, na representação parlamentar e conselhos estatais) até que tudo isso aconteça normalmente.
Nunca se deve esquecer que se desenvolve através de milênios essa escalada de reconhecimento social da mulher. O voto, por exemplo, foi uma conquista do século XX mesmo em sociedades evoluídas com a França e Inglaterra.
O Brasil jamais será uma sociedade moderna e plenamente desenvolvida enquanto homens e mulheres não viverem a prática absoluta da definição democrática de são iguais perante a lei, mesmo sendo harmoniosamente diferentes.
Você sabia que...
Não, elas não dirigem pior do que os homens. As estatísticas comprovam. De acordo com um estudo da Indiana Seguros, feito com 10 000 homens e o mesmo número de mulheres, elas se envolvem menos que eles em acidentes de trânsito.
As jovens são mais prudentes ao volante que o sexo oposto na mesma faixa etária. Por exemplo: aos 24 anos, elas batem o automóvel 21% menos, com danos 14% menores. Aos 33 anos, 5% menos e com prejuízos menores em 15% em relação aos provocados pela ala masculina.
Mulheres só são superadas pelos homens ao passar dos 40 anos, quando o índice de barbeiragem é maior em 9%. Ainda assim, a perda não é total: quarentonas causam 22% menos avarias comparadas a eles. À medida que elas envelhecem, o nível de imprudência fica em pé de igualdade. Aí é só chamar um táxi.
Do ponto de vista dos eleitores, a situação é diferente. Estudos realizados em vários países mostram que o eleitorado acredita que políticas são mais éticas do que políticos. Mas isso em tese – sem que se pergunte se Margareth Thatcher é mais ética do que Tony Blair ou Marta Suplicy do que José Serra.
A cientista política Celi Regina Jardim Pinto, diretora do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, acha essa percepção dos eleitores ingênua, ainda que útil às mulheres. "É muito cômodo para as mulheres dizer que têm valores morais mais nobres", afirma. "Mas, na verdade, a ocasião faz o ladrão, independentemente do sexo, e não há prova nenhuma de que exista uma cultura feminina de respeito à ética." Até o momento, o que se percebeu foi uma diversidade tão grande de comportamentos que simplesmente não se pode atribuir à mulher uma conduta homogênea determinada pela inexistência do cromossomo Y.
Importante, nessa discussão, é o fato de que, assim como não representam vantagem nenhuma no mundo político, as mulheres não significam, também, nenhuma desvantagem – como em outros séculos houve quem defendesse.
"Para se eleger é preciso querer muito, começar cedo, pedir favores aos amigos, levantar muito dinheiro por meio de pedidos pessoais e fazer muito inimigos", ela diz. "Não vejo nenhuma delas fazendo isso."
 
A ciência também tem pouco a acrescentar à discussão sobre como cada gênero age uma vez no poder. Sabe-se que o cérebro, os genes e os hormônios de homens e mulheres têm diferenças marcantes, e isso tem papel importante na vida de cada um.
Com o auxílio de aparelhos de ressonância magnética, por exemplo, pesquisadores viram – literalmente – que as mulheres digerem informações diferentemente dos homens.
Eles tendem a usar mais o lado esquerdo do cérebro, o que lhes dá uma visão linear, lógica do que aprendem. Elas fazem quatro vezes mais conexões entre os dois lados do cérebro e assim acrescentam emoção, imaginação e suas experiências às análises que fazem das informações recebidas.
Os cientistas constataram também que as mulheres têm as duas regiões do cérebro cruciais à linguagem mais desenvolvidas do que os homens. Mais uma vez, porém, essas variações explicam muito pouco sobre o comportamento de ambos no poder.
"Discordo da idéia de que homens e mulheres sejam na essência diferentes. Não são. Mas as condições culturais para cada um foram. O estilo pode ser diferente porque a vida de um e a de outro foram diferentes", diz a cientista política Lúcia Avelar, diretora do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília.
Por mais durona, carreirista ou workaholic que uma mulher possa ser, ela provavelmente tem ou teve ao longo da vida uma preocupação com a casa, a educação, a saúde e o bem-estar dos filhos ou dos familiares.
Essa dedicação à família pode ser um dos diferenciais femininos que os especialistas no assunto procuram identificar. "Quando uma mulher chega ao poder, a agenda política pode ser mais associada a temas como os cuidados sociais", acredita a cientista política Clara Araújo, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. "Mas, ao sair dessa esfera e passar para questões mais gerais, dificilmente se consegue identificar alguma diferença", diz.
A fileira feminina dos estudantes brasileiros tem um currículo admirável. Apesar de terem partido para a conquista de um diploma com um século de desvantagem em relação aos homens, hoje as mulheres possuem, em média, mais anos de escolaridade do que eles (6,7 anos contra 6,4). Segundo dados de 2004, de cada 100 alunos matriculados em universidades brasileiras, 56 eram mulheres. Nos campi universitários, há cerca de meio milhão a mais de moças do que de rapazes – 63% dos diplomas concedidos em 2004 foram para mãos femininas. Elas ocupam o maior número de carteiras não apenas nos cursos de graduação como também nos de mestrado e doutorado. À medida que amadurecerem no mercado de trabalho, as mulheres vão simplesmente pulverizar a tão comentada diferença salarial em relação a homens que ocupam postos com as mesmas responsabilidades. Por mera dedução matemática, pode-se concluir que, mais preparadas, elas estão cada vez mais aptas a ter carreiras de prestígio, ser financeiramente independentes e eventualmente ocupar altos cargos e receber bons salários. Se isso ajuda profissionalmente – triste ironia –, pode também atrapalhar sentimentalmente. Afinal, com quem uma mulher mais culta, mais bem informada, vai se casar? "É muito difícil admirar uma pessoa que seja menos capaz do que eu, tanto financeira quanto profissional ou culturalmente", diz a consultora de marketing Maria Lúcia Barros, de 29 anos, duas pós-graduações.
O problema – e quem diria que isso poderia ser chamado de problema? – repercute igualmente na outra ponta dos relacionamentos. Na opinião do economista Claudio de Moura Castro, também os homens não estão preparados para lidar com mulheres mais bem-sucedidas do que eles. "Essa realidade pode ser altamente nociva para a estabilidade matrimonial", afirma o especialista em educação. A relação entre escolaridade e solteirismo ainda precisa ser mais bem perscrutada, mas alguns números já atestam que existe uma ligação.
Um estudo da Fundação Getulio Vargas revela que, entre 1970 e 2000, o número de solteiras de 25 a 29 anos aumentou mais de 20%. "As solitárias tendem a apresentar um nível de escolaridade maior e ter melhores salários em relação à média brasileira", informa Marcelo Neri, chefe do centro de políticas sociais da FGV. Até o início da década de 90, os homens tinham salário médio até 50% maior que o das mulheres. Hoje, essa diferença está perto de 30%. "Estudos mundiais mostram que, quanto maior a renda masculina, mais eles se casam, enquanto com as mulheres acontece o contrário", afirma Neri. A possibilidade de uma mulher com mais de doze anos de estudo não se casar é 70% maior quando comparada à daquela que não tem instrução nenhuma. Em compensação, as que moram sozinhas ganham em média 62% mais do que as que dividem a casa com um companheiro.
 
Anderson Schneider
 
A consultora Maria Lúcia Barros: "É difícil admirar um homem que seja menos do que a gente". O Brasil jamais teve uma política educacional que buscasse o equilíbrio entre homens e mulheres na divisão dos bancos escolares. A explicação mais provável para o fenômeno da hipertrofia na formação feminina é econômica e cultural. "A sociedade considera que a tarefa de auxiliar no sustento da família cabe mais aos meninos do que às meninas", lembra Dilvo Ristoff, diretor de estatísticas e avaliação da educação superior do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep). Segundo especialistas, é provável que essa necessidade social esteja associada à evasão escolar precoce e à repetência, que é maior entre os rapazes. Os dados gerais sobre escolaridade feminina e masculina mudaram nos últimos tempos, dando vantagem numérica às moças, mas a repartição dos gêneros por cursos pouco se alterou. A maioria dos diplomas da área de humanas continua indo parar nas mãos das mulheres e os da área de exatas, nas dos homens. Segundo o Inep, os cursos predominantemente femininos são nutrição, fonoaudiologia, pedagogia, psicologia e enfermagem. Os mais masculinos, engenharia e computação. "As mulheres preferem não disputar em carreiras ditas masculinas, pois muitas acreditam que teriam de ser muito melhores que eles para conseguir destaque", conclui Cristina Bruschini, coordenadora da equipe dos estudos de gênero da Fundação Carlos Chagas, em São Paulo. Mas, aos poucos, porém, o cenário muda. O número de mulheres nas faculdades de engenharia e de medicina aumentou cerca de 30% entre 1990 e 2002. Aguardemos as estatísticas dos próximos anos para saber se essas engenheiras e médicas terão com quem comemorar suas conquistas ou se terão de brindar sozinhas
Mesmo a mais emancipada, independente e bem resolvida das mulheres ainda se vê mergulhada na burocracia cotidiana do lar. É a velha história: depois de um dia inteiro de trabalho, é preciso lidar com uma rotina muito parecida com a das donas-de-casa do passado: dar orientações sobre refeições, lembrar que é preciso trocar a lâmpada da geladeira, marcar o médico das crianças ou dar aumento à empregada. Mesmo que se tenha um marido do tipo participante e engajado, a dupla jornada ainda é uma realidade para a maioria das mulheres. Quatro décadas depois de o movimento feminista ter fincado raízes irreversíveis no que diz respeito à evolução da condição feminina, as mulheres enfrentam situações paradoxais. Indaga Eni Samara, feminista, diretora do Museu do Ipiranga e professora do curso de pós-graduação de história na Universidade de São Paulo: "Eu ganho dinheiro, sou bem resolvida, me considero feminista. O que explica que eu queira fazer a lista do supermercado?"
A partir dessas situações elementares, pode-se concluir que o feminismo – tal como foi desenhado pelas militantes do movimento na década de 60 – ou está enterrado ou se perdeu no caminho. Mas a questão não é tão simples. Apesar de ter sido um dos mais importantes movimentos sociais do século XX, o feminismo possui semelhanças com qualquer outra revolução que tenha partido de ações radicais – sem se dar conta da complexidade das relações humanas envolvidas no processo. Isso significa que, na teoria, pregar a igualdade entre os sexos pode ser algo absolutamente viável. Na prática, descobriu-se que nem sempre o que a mulher deseja mesmo é ser igual. Tanto é que mesmo as principais representantes da causa acabaram por revelar, em algum momento, uma faceta, digamos, inesperada, independentemente das propostas que defendem. Só para ter uma pequena amostra do que houve nos últimos anos, a histórica feminista e petista Marilena Chaui lançou um livro de receitas em companhia da mãe. A atriz Jane Fonda, engajadíssima nos anos 70, revelou recentemente que era subjugada pelo marido, que a obrigava a participar de orgias contra sua vontade. O mesmo ocorreu com a escritora americana Betty Friedan, cujo livro A Mística Feminina, de 1963, demonstrou que o trabalho doméstico não traz realização para a mulher. Ela morreu em fevereiro passado. Poucos anos antes, revelou que apanhava do marido.
"Nenhuma mulher consegue um orgasmo ao encerar o chão da cozinha."
Betty Friedan
ESCRITORA AMERICANA
É certo que o feminismo trouxe mudanças irreversíveis para o mercado de trabalho, o comportamento sexual e, obviamente, as relações pessoais. Não se tem notícia de uma revolução de costumes tão poderosa e efetiva na história ocidental. Pelo menos nos países desenvolvidos, as conquistas femininas foram reconhecidas tanto na esfera privada quanto na pública. Do direito ao voto à legitimação do divórcio, da entrada maciça nas universidades ao reconhecimento da competência no trabalho, os progressos são inegáveis. Isso parece banal hoje, mas tais idéias eram absolutamente revolucionárias num passado não muito distante. Se muitas mulheres do século XXI ditam as regras no escritório e fazem sexo sem culpa com quem bem entendem, elas têm o que agradecer às feministas barulhentas dos anos 60. O problema é que as idéias revolucionárias parecem ter se enroscado na busca de soluções para questões que, em um primeiro momento, aparentemente dependiam apenas das atitudes individuais. Na prática, ninguém impede uma mulher de mergulhar completamente na carreira ou a obriga a ser responsável pela administração da casa. No entanto, é nesse âmbito de decisão, o que parece mais simples, que as coisas se complicam. Não há nada mais previsível do que o comportamento das multidões; e nada mais inesperado do que as reações do indivíduo. "O feminismo trouxe algumas idéias erradas, como o desejo de reproduzir o modelo masculino, como se todas estivessem dispostas a isso", diz Silvia Pimentel, do Comitê pela Eliminação da Discriminação contra a Mulher (Cedaw) das Nações Unidas e professora de direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Hoje se sabe que era bobagem as mulheres quererem se tornar homens e se coloca um novo dilema: como vão continuar sendo mulheres e combinando todas as conquistas do passado recente com os impulsos da maternidade, por exemplo?
As reflexões contemporâneas sobre a condição da mulher na sociedade – pelo menos nos países democráticos e nos que superaram índices mínimos de miséria – giram em torno da convivência doméstica, a trinca carreira-maternidade-matrimônio, e do fenômeno moderno da harmonização entre a vaidade e a competência profissional. A grande massa feminina parece estar muito mais interessada em lutar contra a balança e as rugas do que contra desigualdades ainda presentes e alardeadas desde a época das feministas históricas. Apesar de as mulheres ainda terem de se submeter ao aborto ilegal, a ganhar menos do que os homens, à injusta divisão das tarefas domésticas e à terrível violência no lar, resquícios de uma mentalidade ultrapassada, essas bandeiras não parecem fazer parte da agenda feminina atual. O que deu errado? Por que o feminismo ou outro movimento ainda não conseguiu tocar nesses pontos da vida da mulher?
"Nós não podemos acabar com as desigualdades entre homens e mulheres sem antes acabar com o casamento."
Robin Morgan
FEMINISTA AMERICANA
No centro das questões que afligem o movimento pós-feminista do século XXI, nada surge tão forte quanto o velho tema do casamento. Ele ainda é, ao que tudo indica, o grande nó da questão. "As mulheres devem reconhecer que a família é em 2005 o que o ambiente de trabalho era em 1964 e o voto, em 1920", escreveu a advogada Linda Hirshman, 62 anos, uma professora aposentada que está no centro de um acirrado debate sobre a condição feminina nos Estados Unidos. Segundo ela, de todos os erros cometidos pelo feminismo, o mais grave foi a incapacidade de mudar a instituição que estaria no centro de toda a tragédia feminina. Da forma como está posto, de acordo com a especialista, o casamento é um empecilho para que as mulheres atinjam a igualdade total de salários, as mesmas oportunidades de ascensão profissional e a divisão com os homens da carga de trabalho e das responsabilidades na administração da casa e na educação dos filhos. De acordo com sua teoria, a infelicidade das mulheres reside na obrigação de cuidar da casa e dos filhos e dividir a vida familiar com o trabalho. Para a escritora, esse peso não é compartilhado com os homens, que continuam a desfrutar a condição vantajosa de apenas ir de casa para o escritório e vice-versa, sem se sentir obrigados a esquentar o jantar ou pôr a mesa. Quando o fazem, aliás, não são tratados como se cumprissem uma obrigação, apenas. Parecem fazer um favor.
Ao que tudo indica, a solução para esse tipo de problema estava entre as quatro paredes do lar. Mas há quem discorde. A socióloga Rosiska Darcy de Oliveira, fundadora do Centro de Liderança da Mulher (Celim), tem uma tese segundo a qual esse dilema não é solucionável no âmbito das relações entre homens e mulheres. A saída, ela diz, seria as empresas reduzirem a jornada de ambos, homens e mulheres, para que juntos, então, eles tivessem tempo de cuidar dos afazeres domésticos. Segundo Rosiska, a vida privada continuou estruturada, em termos de emprego de tempo e responsabilidades, como se as mulheres ainda vivessem como suas avós, ou seja, sem trabalhar. Autora do ensaio Marianismo: a Outra Face do Machismo na América Latina, a socióloga americana Evelyn Stevens foi além. Há três décadas ela escreveu que, na verdade, as mulheres, sobretudo na América Latina, têm muita dificuldade em abrir mão do controle da casa. No Brasil, onde ter uma empregada doméstica não é um luxo como na Europa ou nos Estados Unidos, as tarefas do lar se tornam um pouco menos pesadas, mas isso não significa que elas estejam dispostas a virar executivas workaholics.
"Casamento é o destino tradicionalmente oferecido às mulheres pela sociedade. Também é verdade que a maioria delas é casada, ou já foi, ou planeja ser, ou sofre por não ser."
Simone de Beauvoir
ESCRITORA FRANCESA
Seja qual for a razão pessoal pela qual as mulheres continuam a se desdobrar em casa, o que os analistas do assunto afirmam é que é preciso romper socialmente essa dependência. Sem mexer no papel tradicional que a mulher exerce no casamento, pregam esses estudiosos, elas tendem a continuar em desvantagem eterna em relação aos homens, sobretudo no campo profissional. É verdade que, nos últimos anos, a diferença salarial diminuiu, assim como se abriram muitos cargos de chefia para as mulheres. Matematicamente, porém, a distância ainda é bem sólida. Nos Estados Unidos, elas ganham 25% a menos do que os homens na mesma atividade profissional. No Brasil, 30%.
Por mais contraditório que possa parecer, a conquista do mercado de trabalho e a abertura de carreiras possíveis para as mulheres podem ter despertado um lado obscuro da personalidade delas. O clamor da multidão também afetou aqui o lado individual de cada um. É a análise da escritora inglesa Alison Wolf, que, em um artigo publicado recentemente na revista inglesa Prospect, alertou para conseqüências perversas do feminismo. Segundo ela, a idéia incessantemente martelada de que filhos atrapalham a carreira e as finanças da família está contribuindo para o surgimento de uma geração obcecada por sucesso e dinheiro. O resultado é um certo individualismo exacerbado, em que o que interessa sou eu, aqui e agora. Nesse sentido, de acordo com a teoria de Alison, algumas das chamadas mulheres bem-sucedidas estão perdendo seu espírito altruísta. "Elas preferem ganhar dinheiro a fazer trabalhos voluntários ou a se dedicar à família", escreveu. "Também não se sentem responsáveis por cuidar dos mais velhos e dos doentes, acreditando que esse trabalho deve ser feito por instituições." Pode parecer uma posição extremamente machista, mas o que Alison Wolf quer dizer é mais profundo. Ela teme a derrocada do que chama de sisterhood, o sentimento fraternal que unia, por afinidade ideológica, mulheres do mundo inteiro. Na opinião da escritora, a cumplicidade feminina desapareceu porque mulheres de diferentes classes sociais não têm mais as mesmas experiências de vida. As ricas trabalham fora, deixam os filhos com a babá, fazem academia, colocam silicone nos seios e tocam a vida. Às pobres fica o desafio de lidar com uma penca de filhos e o marido muitas vezes violento e alcoólatra.
Coordenadora-geral do Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos, a pesquisadora carioca Maria Luiza Heilborn acha que os ideais feministas se restringiram a debates pertinentes aos menos abastados, principalmente em países como o Brasil. "Questões como violência doméstica e aborto afetam sobretudo essa camada. Não adianta querer que a patricinha da universidade se engaje nesse assunto", diz.
"Uma mulher liberada é aquela que tem sexo antes do casamento e um trabalho depois."
Gloria Steinem
FEMINISTA AMERICANA
Outro efeito colateral do feminismo dos anos 60 foi uma certa perda de identidade das mulheres. À medida que buscavam espaço igual ao dos homens, elas começaram a reproduzir posturas tipicamente masculinas. Isso mudou. Se antes a idéia era abafar a sexualidade, o que se vê hoje é a reação contrária: uma superexposição da sexualidade, uma ânsia de ser jovem, bonita e desejável. Surgiu recentemente até um termo para definir mulheres que se comportam sexualmente como homens: "predadoras". Assim são chamadas as que agem como machistas de antigamente, contabilizando como feitos dignos de menção pública suas aventuras amorosas.
Em blogs na internet, a nova geração do feminismo escreve avidamente sobre sexo, moda e beleza. Elas fazem parte do que alguns chamam de Terceira Onda do Feminismo, têm entre 15 e 40 anos e acreditam que ser feminista é sentir prazer no sexo sem compromisso com meninos e meninas e comprar sapatos modernos. "Infelizmente, a batalha pelo direito ao aborto é a única bandeira do feminismo que permanece viva fora do Oriente Médio. O movimento, principalmente nos Estados Unidos, acabou reduzido à luta da mulher para não ter de ser mãe", lamenta a escritora Phyllis Chesler, autora do best-seller Letters to a Young Feminist (Cartas a uma Jovem Feminista). No Brasil não é diferente. Os ícones da cultura pop que falam às mulheres sobrevivem à superfície: as donas-de-casa descompensadas da série Desperate Housewives ou mesmo peças de teatro que satirizam as solteiras, como o besteirol Os Homens São de Marte... E É para Lá que Eu Vou, sucesso de público em todo o Brasil.
Um dos maiores desafios do pós-feminismo é encontrar meios de enfrentar o padrão estético imposto pela sociedade. Essa pressão gera uma tremenda crise de identidade. Segundo uma pesquisa realizada no início do ano pelo site inglês tescodiets.com, de cada vinte mulheres entrevistadas, dezenove disseram que preferem ser magras a inteligentes. Conforme o estudo, uma em cada três mulheres pesquisadas admite gastar mais tempo pensando no peso corporal do que no trabalho, nas finanças ou na família. Há quem chame isso de terrorismo estético. É o desejo de manter uma aparência sedutora que explica por que as clínicas de cirurgia plástica vivem lotadas. Eis, portanto, um novo e tremendo desafio para o pós-feminismo: conquistar o direito de envelhecer com tranqüilidade, tendo uma relação menos neurótica com o amadurecimento do corpo e descobrindo maneiras melhores de lidar com a vida sexual após os 60 anos. Para atingir esses objetivos, será necessária uma outra grande revolução de comportamento, quase do porte do que foi o feminismo para uma geração engajada e politizada de quarenta anos atrás.
Derrotamos a frivolidade e a hipocrisia dos intelectuais progressistas. O pensamento único é daquele que sabe tudo e que condena a política enquanto a mesma é praticada. Não vamos permitir a mercantilização de um mundo onde não há lugar para a cultura: desde 1968 não se podia falar da moral. Haviam-nos imposto o relativismo. A idéia de que tudo é igual, o verdadeiro e o falso, o belo e o feio, que o aluno vale tanto como o mestre, que não se podia dar notas para não traumatizar o mau estudante.
Fizeram-nos crer que a vítima conta menos que o delinqüente. Que a autoridade estava morta, que as boas maneiras haviam terminado. Que não havia nada sagrado, nada admirável. Era o slogan de maio de 68 nas paredes de Sorbone: 'Viver sem obrigações e gozar sem trabalhar'.
Quiseram terminar com a escola de excelência e do civismo. Assassinaram os escrúpulos e a ética. Uma esquerda hipócrita que permitia indenizações milionárias aos grandes executivos e o triunfo do predador sobre o empreendedor.
Esta esquerda está na política, nos meios de comunicação, na economia. Ela tomou o gosto do poder. A crise da cultura do trabalho é uma crise moral. Vou reabilitar o trabalho.
Deixaram sem poder as forças da ordem e criaram uma frase: 'abriu-se uma fossa entre a polícia e a juventude'. Os vândalos são bons e a polícia é má. Como se a sociedade fosse sempre culpada e o delinqüente, inocente. Defendem os serviços públicos, mas jamais usam o transporte coletivo. Amam tanto a escola pública, mas seus filhos estudam em colégios privados. Dizem adorar a periferia e jamais vivem nela.
Assinam petições quando se expulsa um invasor de moradia, mas não aceitam que o mesmo se instale em sua casa. Essa esquerda que desde maio de 1968 renunciou o mérito e o esforço, que atiça o ódio contra a família, contra a sociedade e contra a República.
O   que as mulheres querem?
O mesmo que os homens: um amor, um trabalho digno, uma família e respeito.
Em 30 anos, dobrou o número de mulheres que assumiram a chefia de suas famílias.
Eram 15% em 1980 e hoje somam 30%.  
Mais de 50% dessas mulheres chefes de família não têm marido ou companheiro, mas exercem a responsabilidade de manutenção e educação dos filhos com autoridade e disposição para o trabalho.
Mulher hoje em dia só fica casada quando vale a pena: em 72% dos divórcios a iniciativa de separação é dela.
O excepcional avanço da mulher deve-se a ela mesma - pois decorre do seu preparo profissional e sua escolarização: entre 7 e 14 anos, a maior fatia da população feminina, 97, 3%, estuda alguma coisa.
 
As mulheres, lastimavelmente, ainda ganham menos: o salário dos homens é, em média, de R$870,00 e as mulheres recebem R$617,00.  
As mulheres são a maioria do povo brasileiro: 55,2%. Somam 94 milhões.
As mulheres não precisam de favor ou generosidade. Não são minoria fragilizada ou seres dependentes.
Pelo rigor democrático, basta que lhes sejam reconhecidos os espaços econômico, político e social a que têm direito.
Como todos os preconceitos históricos – como o racismo - o machismo (a alegada superioridade do homem ou, o que é tão equivocado quanto, um tratamento condescendente à mulher, como se fosse um favor) resiste como um bolsão renitente de ignorância e injustiça.
Alegar a cumplicidade amorosa, os papéis nas relações sexuais, as peculiaridades de beleza, delicadeza e graça da mulher como argumentos para dominação e poder é um resquício insuportável de ignorância e atraso. A mulher, tal como o homem, tem o seu papel natural próprio, biológico e social, são diferentes mas nenhum é, em nada, superior ao outro.
O problema político está justamente em traduzir esse conceito sobre a condição feminina e expressá-lo em leis, serviços públicos – especialmente de saúde e segurança, proteção social e reservas de espaço (por exemplo, na representação parlamentar e conselhos estatais) até que tudo isso aconteça normalmente.
Nunca se deve esquecer que se desenvolve através de milênios essa escalada de reconhecimento social da mulher. O voto, por exemplo, foi uma conquista do século XX mesmo em sociedades evoluídas com a França e Inglaterra.
O Brasil jamais será uma sociedade moderna e plenamente desenvolvida enquanto homens e mulheres não viverem a prática absoluta da definição democrática de são iguais perante a lei, mesmo sendo harmoniosamente diferentes.
Você sabia que...
Não, elas não dirigem pior do que os homens. As estatísticas comprovam. De acordo com um estudo da Indiana Seguros, feito com 10 000 homens e o mesmo número de mulheres, elas se envolvem menos que eles em acidentes de trânsito.
As jovens são mais prudentes ao volante que o sexo oposto na mesma faixa etária. Por exemplo: aos 24 anos, elas batem o automóvel 21% menos, com danos 14% menores. Aos 33 anos, 5% menos e com prejuízos menores em 15% em relação aos provocados pela ala masculina.
Mulheres só são superadas pelos homens ao passar dos 40 anos, quando o índice de barbeiragem é maior em 9%. Ainda assim, a perda não é total: quarentonas causam 22% menos avarias comparadas a eles. À medida que elas envelhecem, o nível de imprudência fica em pé de igualdade. Aí é só chamar um táxi.
Do ponto de vista dos eleitores, a situação é diferente. Estudos realizados em vários países mostram que o eleitorado acredita que políticas são mais éticas do que políticos. Mas isso em tese – sem que se pergunte se Margareth Thatcher é mais ética do que Tony Blair ou Marta Suplicy do que José Serra.
A cientista política Celi Regina Jardim Pinto, diretora do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, acha essa percepção dos eleitores ingênua, ainda que útil às mulheres. "É muito cômodo para as mulheres dizer que têm valores morais mais nobres", afirma. "Mas, na verdade, a ocasião faz o ladrão, independentemente do sexo, e não há prova nenhuma de que exista uma cultura feminina de respeito à ética." Até o momento, o que se percebeu foi uma diversidade tão grande de comportamentos que simplesmente não se pode atribuir à mulher uma conduta homogênea determinada pela inexistência do cromossomo Y.
Importante, nessa discussão, é o fato de que, assim como não representam vantagem nenhuma no mundo político, as mulheres não significam, também, nenhuma desvantagem – como em outros séculos houve quem defendesse.
"Para se eleger é preciso querer muito, começar cedo, pedir favores aos amigos, levantar muito dinheiro por meio de pedidos pessoais e fazer muito inimigos", ela diz. "Não vejo nenhuma delas fazendo isso."
 
A ciência também tem pouco a acrescentar à discussão sobre como cada gênero age uma vez no poder. Sabe-se que o cérebro, os genes e os hormônios de homens e mulheres têm diferenças marcantes, e isso tem papel importante na vida de cada um.
Com o auxílio de aparelhos de ressonância magnética, por exemplo, pesquisadores viram – literalmente – que as mulheres digerem informações diferentemente dos homens.
Eles tendem a usar mais o lado esquerdo do cérebro, o que lhes dá uma visão linear, lógica do que aprendem. Elas fazem quatro vezes mais conexões entre os dois lados do cérebro e assim acrescentam emoção, imaginação e suas experiências às análises que fazem das informações recebidas.
Os cientistas constataram também que as mulheres têm as duas regiões do cérebro cruciais à linguagem mais desenvolvidas do que os homens. Mais uma vez, porém, essas variações explicam muito pouco sobre o comportamento de ambos no poder.
"Discordo da idéia de que homens e mulheres sejam na essência diferentes. Não são. Mas as condições culturais para cada um foram. O estilo pode ser diferente porque a vida de um e a de outro foram diferentes", diz a cientista política Lúcia Avelar, diretora do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília.
Por mais durona, carreirista ou workaholic que uma mulher possa ser, ela provavelmente tem ou teve ao longo da vida uma preocupação com a casa, a educação, a saúde e o bem-estar dos filhos ou dos familiares.
Essa dedicação à família pode ser um dos diferenciais femininos que os especialistas no assunto procuram identificar. "Quando uma mulher chega ao poder, a agenda política pode ser mais associada a temas como os cuidados sociais", acredita a cientista política Clara Araújo, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. "Mas, ao sair dessa esfera e passar para questões mais gerais, dificilmente se consegue identificar alguma diferença", diz.
A fileira feminina dos estudantes brasileiros tem um currículo admirável. Apesar de terem partido para a conquista de um diploma com um século de desvantagem em relação aos homens, hoje as mulheres possuem, em média, mais anos de escolaridade do que eles (6,7 anos contra 6,4). Segundo dados de 2004, de cada 100 alunos matriculados em universidades brasileiras, 56 eram mulheres. Nos campi universitários, há cerca de meio milhão a mais de moças do que de rapazes – 63% dos diplomas concedidos em 2004 foram para mãos femininas. Elas ocupam o maior número de carteiras não apenas nos cursos de graduação como também nos de mestrado e doutorado. À medida que amadurecerem no mercado de trabalho, as mulheres vão simplesmente pulverizar a tão comentada diferença salarial em relação a homens que ocupam postos com as mesmas responsabilidades. Por mera dedução matemática, pode-se concluir que, mais preparadas, elas estão cada vez mais aptas a ter carreiras de prestígio, ser financeiramente independentes e eventualmente ocupar altos cargos e receber bons salários. Se isso ajuda profissionalmente – triste ironia –, pode também atrapalhar sentimentalmente. Afinal, com quem uma mulher mais culta, mais bem informada, vai se casar? "É muito difícil admirar uma pessoa que seja menos capaz do que eu, tanto financeira quanto profissional ou culturalmente", diz a consultora de marketing Maria Lúcia Barros, de 29 anos, duas pós-graduações.
O problema – e quem diria que isso poderia ser chamado de problema? – repercute igualmente na outra ponta dos relacionamentos. Na opinião do economista Claudio de Moura Castro, também os homens não estão preparados para lidar com mulheres mais bem-sucedidas do que eles. "Essa realidade pode ser altamente nociva para a estabilidade matrimonial", afirma o especialista em educação. A relação entre escolaridade e solteirismo ainda precisa ser mais bem perscrutada, mas alguns números já atestam que existe uma ligação.
Um estudo da Fundação Getulio Vargas revela que, entre 1970 e 2000, o número de solteiras de 25 a 29 anos aumentou mais de 20%. "As solitárias tendem a apresentar um nível de escolaridade maior e ter melhores salários em relação à média brasileira", informa Marcelo Neri, chefe do centro de políticas sociais da FGV. Até o início da década de 90, os homens tinham salário médio até 50% maior que o das mulheres. Hoje, essa diferença está perto de 30%. "Estudos mundiais mostram que, quanto maior a renda masculina, mais eles se casam, enquanto com as mulheres acontece o contrário", afirma Neri. A possibilidade de uma mulher com mais de doze anos de estudo não se casar é 70% maior quando comparada à daquela que não tem instrução nenhuma. Em compensação, as que moram sozinhas ganham em média 62% mais do que as que dividem a casa com um companheiro.
 
Anderson Schneider
 
A consultora Maria Lúcia Barros: "É difícil admirar um homem que seja menos do que a gente". O Brasil jamais teve uma política educacional que buscasse o equilíbrio entre homens e mulheres na divisão dos bancos escolares. A explicação mais provável para o fenômeno da hipertrofia na formação feminina é econômica e cultural. "A sociedade considera que a tarefa de auxiliar no sustento da família cabe mais aos meninos do que às meninas", lembra Dilvo Ristoff, diretor de estatísticas e avaliação da educação superior do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep). Segundo especialistas, é provável que essa necessidade social esteja associada à evasão escolar precoce e à repetência, que é maior entre os rapazes. Os dados gerais sobre escolaridade feminina e masculina mudaram nos últimos tempos, dando vantagem numérica às moças, mas a repartição dos gêneros por cursos pouco se alterou. A maioria dos diplomas da área de humanas continua indo parar nas mãos das mulheres e os da área de exatas, nas dos homens. Segundo o Inep, os cursos predominantemente femininos são nutrição, fonoaudiologia, pedagogia, psicologia e enfermagem. Os mais masculinos, engenharia e computação. "As mulheres preferem não disputar em carreiras ditas masculinas, pois muitas acreditam que teriam de ser muito melhores que eles para conseguir destaque", conclui Cristina Bruschini, coordenadora da equipe dos estudos de gênero da Fundação Carlos Chagas, em São Paulo. Mas, aos poucos, porém, o cenário muda. O número de mulheres nas faculdades de engenharia e de medicina aumentou cerca de 30% entre 1990 e 2002. Aguardemos as estatísticas dos próximos anos para saber se essas engenheiras e médicas terão com quem comemorar suas conquistas ou se terão de brindar sozinhas
Mesmo a mais emancipada, independente e bem resolvida das mulheres ainda se vê mergulhada na burocracia cotidiana do lar. É a velha história: depois de um dia inteiro de trabalho, é preciso lidar com uma rotina muito parecida com a das donas-de-casa do passado: dar orientações sobre refeições, lembrar que é preciso trocar a lâmpada da geladeira, marcar o médico das crianças ou dar aumento à empregada. Mesmo que se tenha um marido do tipo participante e engajado, a dupla jornada ainda é uma realidade para a maioria das mulheres. Quatro décadas depois de o movimento feminista ter fincado raízes irreversíveis no que diz respeito à evolução da condição feminina, as mulheres enfrentam situações paradoxais. Indaga Eni Samara, feminista, diretora do Museu do Ipiranga e professora do curso de pós-graduação de história na Universidade de São Paulo: "Eu ganho dinheiro, sou bem resolvida, me considero feminista. O que explica que eu queira fazer a lista do supermercado?"
A partir dessas situações elementares, pode-se concluir que o feminismo – tal como foi desenhado pelas militantes do movimento na década de 60 – ou está enterrado ou se perdeu no caminho. Mas a questão não é tão simples. Apesar de ter sido um dos mais importantes movimentos sociais do século XX, o feminismo possui semelhanças com qualquer outra revolução que tenha partido de ações radicais – sem se dar conta da complexidade das relações humanas envolvidas no processo. Isso significa que, na teoria, pregar a igualdade entre os sexos pode ser algo absolutamente viável. Na prática, descobriu-se que nem sempre o que a mulher deseja mesmo é ser igual. Tanto é que mesmo as principais representantes da causa acabaram por revelar, em algum momento, uma faceta, digamos, inesperada, independentemente das propostas que defendem. Só para ter uma pequena amostra do que houve nos últimos anos, a histórica feminista e petista Marilena Chaui lançou um livro de receitas em companhia da mãe. A atriz Jane Fonda, engajadíssima nos anos 70, revelou recentemente que era subjugada pelo marido, que a obrigava a participar de orgias contra sua vontade. O mesmo ocorreu com a escritora americana Betty Friedan, cujo livro A Mística Feminina, de 1963, demonstrou que o trabalho doméstico não traz realização para a mulher. Ela morreu em fevereiro passado. Poucos anos antes, revelou que apanhava do marido.
"Nenhuma mulher consegue um orgasmo ao encerar o chão da cozinha."
Betty Friedan
ESCRITORA AMERICANA
É certo que o feminismo trouxe mudanças irreversíveis para o mercado de trabalho, o comportamento sexual e, obviamente, as relações pessoais. Não se tem notícia de uma revolução de costumes tão poderosa e efetiva na história ocidental. Pelo menos nos países desenvolvidos, as conquistas femininas foram reconhecidas tanto na esfera privada quanto na pública. Do direito ao voto à legitimação do divórcio, da entrada maciça nas universidades ao reconhecimento da competência no trabalho, os progressos são inegáveis. Isso parece banal hoje, mas tais idéias eram absolutamente revolucionárias num passado não muito distante. Se muitas mulheres do século XXI ditam as regras no escritório e fazem sexo sem culpa com quem bem entendem, elas têm o que agradecer às feministas barulhentas dos anos 60. O problema é que as idéias revolucionárias parecem ter se enroscado na busca de soluções para questões que, em um primeiro momento, aparentemente dependiam apenas das atitudes individuais. Na prática, ninguém impede uma mulher de mergulhar completamente na carreira ou a obriga a ser responsável pela administração da casa. No entanto, é nesse âmbito de decisão, o que parece mais simples, que as coisas se complicam. Não há nada mais previsível do que o comportamento das multidões; e nada mais inesperado do que as reações do indivíduo. "O feminismo trouxe algumas idéias erradas, como o desejo de reproduzir o modelo masculino, como se todas estivessem dispostas a isso", diz Silvia Pimentel, do Comitê pela Eliminação da Discriminação contra a Mulher (Cedaw) das Nações Unidas e professora de direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Hoje se sabe que era bobagem as mulheres quererem se tornar homens e se coloca um novo dilema: como vão continuar sendo mulheres e combinando todas as conquistas do passado recente com os impulsos da maternidade, por exemplo?
As reflexões contemporâneas sobre a condição da mulher na sociedade – pelo menos nos países democráticos e nos que superaram índices mínimos de miséria – giram em torno da convivência doméstica, a trinca carreira-maternidade-matrimônio, e do fenômeno moderno da harmonização entre a vaidade e a competência profissional. A grande massa feminina parece estar muito mais interessada em lutar contra a balança e as rugas do que contra desigualdades ainda presentes e alardeadas desde a época das feministas históricas. Apesar de as mulheres ainda terem de se submeter ao aborto ilegal, a ganhar menos do que os homens, à injusta divisão das tarefas domésticas e à terrível violência no lar, resquícios de uma mentalidade ultrapassada, essas bandeiras não parecem fazer parte da agenda feminina atual. O que deu errado? Por que o feminismo ou outro movimento ainda não conseguiu tocar nesses pontos da vida da mulher?
"Nós não podemos acabar com as desigualdades entre homens e mulheres sem antes acabar com o casamento."
Robin Morgan
FEMINISTA AMERICANA
No centro das questões que afligem o movimento pós-feminista do século XXI, nada surge tão forte quanto o velho tema do casamento. Ele ainda é, ao que tudo indica, o grande nó da questão. "As mulheres devem reconhecer que a família é em 2005 o que o ambiente de trabalho era em 1964 e o voto, em 1920", escreveu a advogada Linda Hirshman, 62 anos, uma professora aposentada que está no centro de um acirrado debate sobre a condição feminina nos Estados Unidos. Segundo ela, de todos os erros cometidos pelo feminismo, o mais grave foi a incapacidade de mudar a instituição que estaria no centro de toda a tragédia feminina. Da forma como está posto, de acordo com a especialista, o casamento é um empecilho para que as mulheres atinjam a igualdade total de salários, as mesmas oportunidades de ascensão profissional e a divisão com os homens da carga de trabalho e das responsabilidades na administração da casa e na educação dos filhos. De acordo com sua teoria, a infelicidade das mulheres reside na obrigação de cuidar da casa e dos filhos e dividir a vida familiar com o trabalho. Para a escritora, esse peso não é compartilhado com os homens, que continuam a desfrutar a condição vantajosa de apenas ir de casa para o escritório e vice-versa, sem se sentir obrigados a esquentar o jantar ou pôr a mesa. Quando o fazem, aliás, não são tratados como se cumprissem uma obrigação, apenas. Parecem fazer um favor.
Ao que tudo indica, a solução para esse tipo de problema estava entre as quatro paredes do lar. Mas há quem discorde. A socióloga Rosiska Darcy de Oliveira, fundadora do Centro de Liderança da Mulher (Celim), tem uma tese segundo a qual esse dilema não é solucionável no âmbito das relações entre homens e mulheres. A saída, ela diz, seria as empresas reduzirem a jornada de ambos, homens e mulheres, para que juntos, então, eles tivessem tempo de cuidar dos afazeres domésticos. Segundo Rosiska, a vida privada continuou estruturada, em termos de emprego de tempo e responsabilidades, como se as mulheres ainda vivessem como suas avós, ou seja, sem trabalhar. Autora do ensaio Marianismo: a Outra Face do Machismo na América Latina, a socióloga americana Evelyn Stevens foi além. Há três décadas ela escreveu que, na verdade, as mulheres, sobretudo na América Latina, têm muita dificuldade em abrir mão do controle da casa. No Brasil, onde ter uma empregada doméstica não é um luxo como na Europa ou nos Estados Unidos, as tarefas do lar se tornam um pouco menos pesadas, mas isso não significa que elas estejam dispostas a virar executivas workaholics.
"Casamento é o destino tradicionalmente oferecido às mulheres pela sociedade. Também é verdade que a maioria delas é casada, ou já foi, ou planeja ser, ou sofre por não ser."
Simone de Beauvoir
ESCRITORA FRANCESA
Seja qual for a razão pessoal pela qual as mulheres continuam a se desdobrar em casa, o que os analistas do assunto afirmam é que é preciso romper socialmente essa dependência. Sem mexer no papel tradicional que a mulher exerce no casamento, pregam esses estudiosos, elas tendem a continuar em desvantagem eterna em relação aos homens, sobretudo no campo profissional. É verdade que, nos últimos anos, a diferença salarial diminuiu, assim como se abriram muitos cargos de chefia para as mulheres. Matematicamente, porém, a distância ainda é bem sólida. Nos Estados Unidos, elas ganham 25% a menos do que os homens na mesma atividade profissional. No Brasil, 30%.
Por mais contraditório que possa parecer, a conquista do mercado de trabalho e a abertura de carreiras possíveis para as mulheres podem ter despertado um lado obscuro da personalidade delas. O clamor da multidão também afetou aqui o lado individual de cada um. É a análise da escritora inglesa Alison Wolf, que, em um artigo publicado recentemente na revista inglesa Prospect, alertou para conseqüências perversas do feminismo. Segundo ela, a idéia incessantemente martelada de que filhos atrapalham a carreira e as finanças da família está contribuindo para o surgimento de uma geração obcecada por sucesso e dinheiro. O resultado é um certo individualismo exacerbado, em que o que interessa sou eu, aqui e agora. Nesse sentido, de acordo com a teoria de Alison, algumas das chamadas mulheres bem-sucedidas estão perdendo seu espírito altruísta. "Elas preferem ganhar dinheiro a fazer trabalhos voluntários ou a se dedicar à família", escreveu. "Também não se sentem responsáveis por cuidar dos mais velhos e dos doentes, acreditando que esse trabalho deve ser feito por instituições." Pode parecer uma posição extremamente machista, mas o que Alison Wolf quer dizer é mais profundo. Ela teme a derrocada do que chama de sisterhood, o sentimento fraternal que unia, por afinidade ideológica, mulheres do mundo inteiro. Na opinião da escritora, a cumplicidade feminina desapareceu porque mulheres de diferentes classes sociais não têm mais as mesmas experiências de vida. As ricas trabalham fora, deixam os filhos com a babá, fazem academia, colocam silicone nos seios e tocam a vida. Às pobres fica o desafio de lidar com uma penca de filhos e o marido muitas vezes violento e alcoólatra.
Coordenadora-geral do Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos, a pesquisadora carioca Maria Luiza Heilborn acha que os ideais feministas se restringiram a debates pertinentes aos menos abastados, principalmente em países como o Brasil. "Questões como violência doméstica e aborto afetam sobretudo essa camada. Não adianta querer que a patricinha da universidade se engaje nesse assunto", diz.
"Uma mulher liberada é aquela que tem sexo antes do casamento e um trabalho depois."
Gloria Steinem
FEMINISTA AMERICANA
Outro efeito colateral do feminismo dos anos 60 foi uma certa perda de identidade das mulheres. À medida que buscavam espaço igual ao dos homens, elas começaram a reproduzir posturas tipicamente masculinas. Isso mudou. Se antes a idéia era abafar a sexualidade, o que se vê hoje é a reação contrária: uma superexposição da sexualidade, uma ânsia de ser jovem, bonita e desejável. Surgiu recentemente até um termo para definir mulheres que se comportam sexualmente como homens: "predadoras". Assim são chamadas as que agem como machistas de antigamente, contabilizando como feitos dignos de menção pública suas aventuras amorosas.
Em blogs na internet, a nova geração do feminismo escreve avidamente sobre sexo, moda e beleza. Elas fazem parte do que alguns chamam de Terceira Onda do Feminismo, têm entre 15 e 40 anos e acreditam que ser feminista é sentir prazer no sexo sem compromisso com meninos e meninas e comprar sapatos modernos. "Infelizmente, a batalha pelo direito ao aborto é a única bandeira do feminismo que permanece viva fora do Oriente Médio. O movimento, principalmente nos Estados Unidos, acabou reduzido à luta da mulher para não ter de ser mãe", lamenta a escritora Phyllis Chesler, autora do best-seller Letters to a Young Feminist (Cartas a uma Jovem Feminista). No Brasil não é diferente. Os ícones da cultura pop que falam às mulheres sobrevivem à superfície: as donas-de-casa descompensadas da série Desperate Housewives ou mesmo peças de teatro que satirizam as solteiras, como o besteirol Os Homens São de Marte... E É para Lá que Eu Vou, sucesso de público em todo o Brasil.
Um dos maiores desafios do pós-feminismo é encontrar meios de enfrentar o padrão estético imposto pela sociedade. Essa pressão gera uma tremenda crise de identidade. Segundo uma pesquisa realizada no início do ano pelo site inglês tescodiets.com, de cada vinte mulheres entrevistadas, dezenove disseram que preferem ser magras a inteligentes. Conforme o estudo, uma em cada três mulheres pesquisadas admite gastar mais tempo pensando no peso corporal do que no trabalho, nas finanças ou na família. Há quem chame isso de terrorismo estético. É o desejo de manter uma aparência sedutora que explica por que as clínicas de cirurgia plástica vivem lotadas. Eis, portanto, um novo e tremendo desafio para o pós-feminismo: conquistar o direito de envelhecer com tranqüilidade, tendo uma relação menos neurótica com o amadurecimento do corpo e descobrindo maneiras melhores de lidar com a vida sexual após os 60 anos. Para atingir esses objetivos, será necessária uma outra grande revolução de comportamento, quase do porte do que foi o feminismo para uma geração engajada e politizada de quarenta anos atrás.
Derrotamos a frivolidade e a hipocrisia dos intelectuais progressistas. O pensamento único é daquele que sabe tudo e que condena a política enquanto a mesma é praticada. Não vamos permitir a mercantilização de um mundo onde não há lugar para a cultura: desde 1968 não se podia falar da moral. Haviam-nos imposto o relativismo. A idéia de que tudo é igual, o verdadeiro e o falso, o belo e o feio, que o aluno vale tanto como o mestre, que não se podia dar notas para não traumatizar o mau estudante.
Fizeram-nos crer que a vítima conta menos que o delinqüente. Que a autoridade estava morta, que as boas maneiras haviam terminado. Que não havia nada sagrado, nada admirável. Era o slogan de maio de 68 nas paredes de Sorbone: 'Viver sem obrigações e gozar sem trabalhar'.
Quiseram terminar com a escola de excelência e do civismo. Assassinaram os escrúpulos e a ética. Uma esquerda hipócrita que permitia indenizações milionárias aos grandes executivos e o triunfo do predador sobre o empreendedor.
Esta esquerda está na política, nos meios de comunicação, na economia. Ela tomou o gosto do poder. A crise da cultura do trabalho é uma crise moral. Vou reabilitar o trabalho.
Deixaram sem poder as forças da ordem e criaram uma frase: 'abriu-se uma fossa entre a polícia e a juventude'. Os vândalos são bons e a polícia é má. Como se a sociedade fosse sempre culpada e o delinqüente, inocente. Defendem os serviços públicos, mas jamais usam o transporte coletivo. Amam tanto a escola pública, mas seus filhos estudam em colégios privados. Dizem adorar a periferia e jamais vivem nela.
Assinam petições quando se expulsa um invasor de moradia, mas não aceitam que o mesmo se instale em sua casa. Essa esquerda que desde maio de 1968 renunciou o mérito e o esforço, que atiça o ódio contra a família, contra a sociedade e contra a República.
O   que as mulheres querem?
O mesmo que os homens: um amor, um trabalho digno, uma família e respeito.
Em 30 anos, dobrou o número de mulheres que assumiram a chefia de suas famílias.
Eram 15% em 1980 e hoje somam 30%.  
Mais de 50% dessas mulheres chefes de família não têm marido ou companheiro, mas exercem a responsabilidade de manutenção e educação dos filhos com autoridade e disposição para o trabalho.
Mulher hoje em dia só fica casada quando vale a pena: em 72% dos divórcios a iniciativa de separação é dela.
O excepcional avanço da mulher deve-se a ela mesma - pois decorre do seu preparo profissional e sua escolarização: entre 7 e 14 anos, a maior fatia da população feminina, 97, 3%, estuda alguma coisa.
 
As mulheres, lastimavelmente, ainda ganham menos: o salário dos homens é, em média, de R$870,00 e as mulheres recebem R$617,00.  
As mulheres são a maioria do povo brasileiro: 55,2%. Somam 94 milhões.
As mulheres não precisam de favor ou generosidade. Não são minoria fragilizada ou seres dependentes.
Pelo rigor democrático, basta que lhes sejam reconhecidos os espaços econômico, político e social a que têm direito.
Como todos os preconceitos históricos – como o racismo - o machismo (a alegada superioridade do homem ou, o que é tão equivocado quanto, um tratamento condescendente à mulher, como se fosse um favor) resiste como um bolsão renitente de ignorância e injustiça.
Alegar a cumplicidade amorosa, os papéis nas relações sexuais, as peculiaridades de beleza, delicadeza e graça da mulher como argumentos para dominação e poder é um resquício insuportável de ignorância e atraso. A mulher, tal como o homem, tem o seu papel natural próprio, biológico e social, são diferentes mas nenhum é, em nada, superior ao outro.
O problema político está justamente em traduzir esse conceito sobre a condição feminina e expressá-lo em leis, serviços públicos – especialmente de saúde e segurança, proteção social e reservas de espaço (por exemplo, na representação parlamentar e conselhos estatais) até que tudo isso aconteça normalmente.
Nunca se deve esquecer que se desenvolve através de milênios essa escalada de reconhecimento social da mulher. O voto, por exemplo, foi uma conquista do século XX mesmo em sociedades evoluídas com a França e Inglaterra.
O Brasil jamais será uma sociedade moderna e plenamente desenvolvida enquanto homens e mulheres não viverem a prática absoluta da definição democrática de são iguais perante a lei, mesmo sendo harmoniosamente diferentes.
Você sabia que...
Não, elas não dirigem pior do que os homens. As estatísticas comprovam. De acordo com um estudo da Indiana Seguros, feito com 10 000 homens e o mesmo número de mulheres, elas se envolvem menos que eles em acidentes de trânsito.
As jovens são mais prudentes ao volante que o sexo oposto na mesma faixa etária. Por exemplo: aos 24 anos, elas batem o automóvel 21% menos, com danos 14% menores. Aos 33 anos, 5% menos e com prejuízos menores em 15% em relação aos provocados pela ala masculina.
Mulheres só são superadas pelos homens ao passar dos 40 anos, quando o índice de barbeiragem é maior em 9%. Ainda assim, a perda não é total: quarentonas causam 22% menos avarias comparadas a eles. À medida que elas envelhecem, o nível de imprudência fica em pé de igualdade. Aí é só chamar um táxi.
Do ponto de vista dos eleitores, a situação é diferente. Estudos realizados em vários países mostram que o eleitorado acredita que políticas são mais éticas do que políticos. Mas isso em tese – sem que se pergunte se Margareth Thatcher é mais ética do que Tony Blair ou Marta Suplicy do que José Serra.
A cientista política Celi Regina Jardim Pinto, diretora do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, acha essa percepção dos eleitores ingênua, ainda que útil às mulheres. "É muito cômodo para as mulheres dizer que têm valores morais mais nobres", afirma. "Mas, na verdade, a ocasião faz o ladrão, independentemente do sexo, e não há prova nenhuma de que exista uma cultura feminina de respeito à ética." Até o momento, o que se percebeu foi uma diversidade tão grande de comportamentos que simplesmente não se pode atribuir à mulher uma conduta homogênea determinada pela inexistência do cromossomo Y.
Importante, nessa discussão, é o fato de que, assim como não representam vantagem nenhuma no mundo político, as mulheres não significam, também, nenhuma desvantagem – como em outros séculos houve quem defendesse.
"Para se eleger é preciso querer muito, começar cedo, pedir favores aos amigos, levantar muito dinheiro por meio de pedidos pessoais e fazer muito inimigos", ela diz. "Não vejo nenhuma delas fazendo isso."
 
A ciência também tem pouco a acrescentar à discussão sobre como cada gênero age uma vez no poder. Sabe-se que o cérebro, os genes e os hormônios de homens e mulheres têm diferenças marcantes, e isso tem papel importante na vida de cada um.
Com o auxílio de aparelhos de ressonância magnética, por exemplo, pesquisadores viram – literalmente – que as mulheres digerem informações diferentemente dos homens.
Eles tendem a usar mais o lado esquerdo do cérebro, o que lhes dá uma visão linear, lógica do que aprendem. Elas fazem quatro vezes mais conexões entre os dois lados do cérebro e assim acrescentam emoção, imaginação e suas experiências às análises que fazem das informações recebidas.
Os cientistas constataram também que as mulheres têm as duas regiões do cérebro cruciais à linguagem mais desenvolvidas do que os homens. Mais uma vez, porém, essas variações explicam muito pouco sobre o comportamento de ambos no poder.
"Discordo da idéia de que homens e mulheres sejam na essência diferentes. Não são. Mas as condições culturais para cada um foram. O estilo pode ser diferente porque a vida de um e a de outro foram diferentes", diz a cientista política Lúcia Avelar, diretora do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília.
Por mais durona, carreirista ou workaholic que uma mulher possa ser, ela provavelmente tem ou teve ao longo da vida uma preocupação com a casa, a educação, a saúde e o bem-estar dos filhos ou dos familiares.
Essa dedicação à família pode ser um dos diferenciais femininos que os especialistas no assunto procuram identificar. "Quando uma mulher chega ao poder, a agenda política pode ser mais associada a temas como os cuidados sociais", acredita a cientista política Clara Araújo, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. "Mas, ao sair dessa esfera e passar para questões mais gerais, dificilmente se consegue identificar alguma diferença", diz.
A fileira feminina dos estudantes brasileiros tem um currículo admirável. Apesar de terem partido para a conquista de um diploma com um século de desvantagem em relação aos homens, hoje as mulheres possuem, em média, mais anos de escolaridade do que eles (6,7 anos contra 6,4). Segundo dados de 2004, de cada 100 alunos matriculados em universidades brasileiras, 56 eram mulheres. Nos campi universitários, há cerca de meio milhão a mais de moças do que de rapazes – 63% dos diplomas concedidos em 2004 foram para mãos femininas. Elas ocupam o maior número de carteiras não apenas nos cursos de graduação como também nos de mestrado e doutorado. À medida que amadurecerem no mercado de trabalho, as mulheres vão simplesmente pulverizar a tão comentada diferença salarial em relação a homens que ocupam postos com as mesmas responsabilidades. Por mera dedução matemática, pode-se concluir que, mais preparadas, elas estão cada vez mais aptas a ter carreiras de prestígio, ser financeiramente independentes e eventualmente ocupar altos cargos e receber bons salários. Se isso ajuda profissionalmente – triste ironia –, pode também atrapalhar sentimentalmente. Afinal, com quem uma mulher mais culta, mais bem informada, vai se casar? "É muito difícil admirar uma pessoa que seja menos capaz do que eu, tanto financeira quanto profissional ou culturalmente", diz a consultora de marketing Maria Lúcia Barros, de 29 anos, duas pós-graduações.
O problema – e quem diria que isso poderia ser chamado de problema? – repercute igualmente na outra ponta dos relacionamentos. Na opinião do economista Claudio de Moura Castro, também os homens não estão preparados para lidar com mulheres mais bem-sucedidas do que eles. "Essa realidade pode ser altamente nociva para a estabilidade matrimonial", afirma o especialista em educação. A relação entre escolaridade e solteirismo ainda precisa ser mais bem perscrutada, mas alguns números já atestam que existe uma ligação.
Um estudo da Fundação Getulio Vargas revela que, entre 1970 e 2000, o número de solteiras de 25 a 29 anos aumentou mais de 20%. "As solitárias tendem a apresentar um nível de escolaridade maior e ter melhores salários em relação à média brasileira", informa Marcelo Neri, chefe do centro de políticas sociais da FGV. Até o início da década de 90, os homens tinham salário médio até 50% maior que o das mulheres. Hoje, essa diferença está perto de 30%. "Estudos mundiais mostram que, quanto maior a renda masculina, mais eles se casam, enquanto com as mulheres acontece o contrário", afirma Neri. A possibilidade de uma mulher com mais de doze anos de estudo não se casar é 70% maior quando comparada à daquela que não tem instrução nenhuma. Em compensação, as que moram sozinhas ganham em média 62% mais do que as que dividem a casa com um companheiro.
 
Anderson Schneider
 
A consultora Maria Lúcia Barros: "É difícil admirar um homem que seja menos do que a gente". O Brasil jamais teve uma política educacional que buscasse o equilíbrio entre homens e mulheres na divisão dos bancos escolares. A explicação mais provável para o fenômeno da hipertrofia na formação feminina é econômica e cultural. "A sociedade considera que a tarefa de auxiliar no sustento da família cabe mais aos meninos do que às meninas", lembra Dilvo Ristoff, diretor de estatísticas e avaliação da educação superior do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep). Segundo especialistas, é provável que essa necessidade social esteja associada à evasão escolar precoce e à repetência, que é maior entre os rapazes. Os dados gerais sobre escolaridade feminina e masculina mudaram nos últimos tempos, dando vantagem numérica às moças, mas a repartição dos gêneros por cursos pouco se alterou. A maioria dos diplomas da área de humanas continua indo parar nas mãos das mulheres e os da área de exatas, nas dos homens. Segundo o Inep, os cursos predominantemente femininos são nutrição, fonoaudiologia, pedagogia, psicologia e enfermagem. Os mais masculinos, engenharia e computação. "As mulheres preferem não disputar em carreiras ditas masculinas, pois muitas acreditam que teriam de ser muito melhores que eles para conseguir destaque", conclui Cristina Bruschini, coordenadora da equipe dos estudos de gênero da Fundação Carlos Chagas, em São Paulo. Mas, aos poucos, porém, o cenário muda. O número de mulheres nas faculdades de engenharia e de medicina aumentou cerca de 30% entre 1990 e 2002. Aguardemos as estatísticas dos próximos anos para saber se essas engenheiras e médicas terão com quem comemorar suas conquistas ou se terão de brindar sozinhas
Mesmo a mais emancipada, independente e bem resolvida das mulheres ainda se vê mergulhada na burocracia cotidiana do lar. É a velha história: depois de um dia inteiro de trabalho, é preciso lidar com uma rotina muito parecida com a das donas-de-casa do passado: dar orientações sobre refeições, lembrar que é preciso trocar a lâmpada da geladeira, marcar o médico das crianças ou dar aumento à empregada. Mesmo que se tenha um marido do tipo participante e engajado, a dupla jornada ainda é uma realidade para a maioria das mulheres. Quatro décadas depois de o movimento feminista ter fincado raízes irreversíveis no que diz respeito à evolução da condição feminina, as mulheres enfrentam situações paradoxais. Indaga Eni Samara, feminista, diretora do Museu do Ipiranga e professora do curso de pós-graduação de história na Universidade de São Paulo: "Eu ganho dinheiro, sou bem resolvida, me considero feminista. O que explica que eu queira fazer a lista do supermercado?"
A partir dessas situações elementares, pode-se concluir que o feminismo – tal como foi desenhado pelas militantes do movimento na década de 60 – ou está enterrado ou se perdeu no caminho. Mas a questão não é tão simples. Apesar de ter sido um dos mais importantes movimentos sociais do século XX, o feminismo possui semelhanças com qualquer outra revolução que tenha partido de ações radicais – sem se dar conta da complexidade das relações humanas envolvidas no processo. Isso significa que, na teoria, pregar a igualdade entre os sexos pode ser algo absolutamente viável. Na prática, descobriu-se que nem sempre o que a mulher deseja mesmo é ser igual. Tanto é que mesmo as principais representantes da causa acabaram por revelar, em algum momento, uma faceta, digamos, inesperada, independentemente das propostas que defendem. Só para ter uma pequena amostra do que houve nos últimos anos, a histórica feminista e petista Marilena Chaui lançou um livro de receitas em companhia da mãe. A atriz Jane Fonda, engajadíssima nos anos 70, revelou recentemente que era subjugada pelo marido, que a obrigava a participar de orgias contra sua vontade. O mesmo ocorreu com a escritora americana Betty Friedan, cujo livro A Mística Feminina, de 1963, demonstrou que o trabalho doméstico não traz realização para a mulher. Ela morreu em fevereiro passado. Poucos anos antes, revelou que apanhava do marido.
"Nenhuma mulher consegue um orgasmo ao encerar o chão da cozinha."
Betty Friedan
ESCRITORA AMERICANA
É certo que o feminismo trouxe mudanças irreversíveis para o mercado de trabalho, o comportamento sexual e, obviamente, as relações pessoais. Não se tem notícia de uma revolução de costumes tão poderosa e efetiva na história ocidental. Pelo menos nos países desenvolvidos, as conquistas femininas foram reconhecidas tanto na esfera privada quanto na pública. Do direito ao voto à legitimação do divórcio, da entrada maciça nas universidades ao reconhecimento da competência no trabalho, os progressos são inegáveis. Isso parece banal hoje, mas tais idéias eram absolutamente revolucionárias num passado não muito distante. Se muitas mulheres do século XXI ditam as regras no escritório e fazem sexo sem culpa com quem bem entendem, elas têm o que agradecer às feministas barulhentas dos anos 60. O problema é que as idéias revolucionárias parecem ter se enroscado na busca de soluções para questões que, em um primeiro momento, aparentemente dependiam apenas das atitudes individuais. Na prática, ninguém impede uma mulher de mergulhar completamente na carreira ou a obriga a ser responsável pela administração da casa. No entanto, é nesse âmbito de decisão, o que parece mais simples, que as coisas se complicam. Não há nada mais previsível do que o comportamento das multidões; e nada mais inesperado do que as reações do indivíduo. "O feminismo trouxe algumas idéias erradas, como o desejo de reproduzir o modelo masculino, como se todas estivessem dispostas a isso", diz Silvia Pimentel, do Comitê pela Eliminação da Discriminação contra a Mulher (Cedaw) das Nações Unidas e professora de direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Hoje se sabe que era bobagem as mulheres quererem se tornar homens e se coloca um novo dilema: como vão continuar sendo mulheres e combinando todas as conquistas do passado recente com os impulsos da maternidade, por exemplo?
As reflexões contemporâneas sobre a condição da mulher na sociedade – pelo menos nos países democráticos e nos que superaram índices mínimos de miséria – giram em torno da convivência doméstica, a trinca carreira-maternidade-matrimônio, e do fenômeno moderno da harmonização entre a vaidade e a competência profissional. A grande massa feminina parece estar muito mais interessada em lutar contra a balança e as rugas do que contra desigualdades ainda presentes e alardeadas desde a época das feministas históricas. Apesar de as mulheres ainda terem de se submeter ao aborto ilegal, a ganhar menos do que os homens, à injusta divisão das tarefas domésticas e à terrível violência no lar, resquícios de uma mentalidade ultrapassada, essas bandeiras não parecem fazer parte da agenda feminina atual. O que deu errado? Por que o feminismo ou outro movimento ainda não conseguiu tocar nesses pontos da vida da mulher?
"Nós não podemos acabar com as desigualdades entre homens e mulheres sem antes acabar com o casamento."
Robin Morgan
FEMINISTA AMERICANA
No centro das questões que afligem o movimento pós-feminista do século XXI, nada surge tão forte quanto o velho tema do casamento. Ele ainda é, ao que tudo indica, o grande nó da questão. "As mulheres devem reconhecer que a família é em 2005 o que o ambiente de trabalho era em 1964 e o voto, em 1920", escreveu a advogada Linda Hirshman, 62 anos, uma professora aposentada que está no centro de um acirrado debate sobre a condição feminina nos Estados Unidos. Segundo ela, de todos os erros cometidos pelo feminismo, o mais grave foi a incapacidade de mudar a instituição que estaria no centro de toda a tragédia feminina. Da forma como está posto, de acordo com a especialista, o casamento é um empecilho para que as mulheres atinjam a igualdade total de salários, as mesmas oportunidades de ascensão profissional e a divisão com os homens da carga de trabalho e das responsabilidades na administração da casa e na educação dos filhos. De acordo com sua teoria, a infelicidade das mulheres reside na obrigação de cuidar da casa e dos filhos e dividir a vida familiar com o trabalho. Para a escritora, esse peso não é compartilhado com os homens, que continuam a desfrutar a condição vantajosa de apenas ir de casa para o escritório e vice-versa, sem se sentir obrigados a esquentar o jantar ou pôr a mesa. Quando o fazem, aliás, não são tratados como se cumprissem uma obrigação, apenas. Parecem fazer um favor.
Ao que tudo indica, a solução para esse tipo de problema estava entre as quatro paredes do lar. Mas há quem discorde. A socióloga Rosiska Darcy de Oliveira, fundadora do Centro de Liderança da Mulher (Celim), tem uma tese segundo a qual esse dilema não é solucionável no âmbito das relações entre homens e mulheres. A saída, ela diz, seria as empresas reduzirem a jornada de ambos, homens e mulheres, para que juntos, então, eles tivessem tempo de cuidar dos afazeres domésticos. Segundo Rosiska, a vida privada continuou estruturada, em termos de emprego de tempo e responsabilidades, como se as mulheres ainda vivessem como suas avós, ou seja, sem trabalhar. Autora do ensaio Marianismo: a Outra Face do Machismo na América Latina, a socióloga americana Evelyn Stevens foi além. Há três décadas ela escreveu que, na verdade, as mulheres, sobretudo na América Latina, têm muita dificuldade em abrir mão do controle da casa. No Brasil, onde ter uma empregada doméstica não é um luxo como na Europa ou nos Estados Unidos, as tarefas do lar se tornam um pouco menos pesadas, mas isso não significa que elas estejam dispostas a virar executivas workaholics.
"Casamento é o destino tradicionalmente oferecido às mulheres pela sociedade. Também é verdade que a maioria delas é casada, ou já foi, ou planeja ser, ou sofre por não ser."
Simone de Beauvoir
ESCRITORA FRANCESA
Seja qual for a razão pessoal pela qual as mulheres continuam a se desdobrar em casa, o que os analistas do assunto afirmam é que é preciso romper socialmente essa dependência. Sem mexer no papel tradicional que a mulher exerce no casamento, pregam esses estudiosos, elas tendem a continuar em desvantagem eterna em relação aos homens, sobretudo no campo profissional. É verdade que, nos últimos anos, a diferença salarial diminuiu, assim como se abriram muitos cargos de chefia para as mulheres. Matematicamente, porém, a distância ainda é bem sólida. Nos Estados Unidos, elas ganham 25% a menos do que os homens na mesma atividade profissional. No Brasil, 30%.
Por mais contraditório que possa parecer, a conquista do mercado de trabalho e a abertura de carreiras possíveis para as mulheres podem ter despertado um lado obscuro da personalidade delas. O clamor da multidão também afetou aqui o lado individual de cada um. É a análise da escritora inglesa Alison Wolf, que, em um artigo publicado recentemente na revista inglesa Prospect, alertou para conseqüências perversas do feminismo. Segundo ela, a idéia incessantemente martelada de que filhos atrapalham a carreira e as finanças da família está contribuindo para o surgimento de uma geração obcecada por sucesso e dinheiro. O resultado é um certo individualismo exacerbado, em que o que interessa sou eu, aqui e agora. Nesse sentido, de acordo com a teoria de Alison, algumas das chamadas mulheres bem-sucedidas estão perdendo seu espírito altruísta. "Elas preferem ganhar dinheiro a fazer trabalhos voluntários ou a se dedicar à família", escreveu. "Também não se sentem responsáveis por cuidar dos mais velhos e dos doentes, acreditando que esse trabalho deve ser feito por instituições." Pode parecer uma posição extremamente machista, mas o que Alison Wolf quer dizer é mais profundo. Ela teme a derrocada do que chama de sisterhood, o sentimento fraternal que unia, por afinidade ideológica, mulheres do mundo inteiro. Na opinião da escritora, a cumplicidade feminina desapareceu porque mulheres de diferentes classes sociais não têm mais as mesmas experiências de vida. As ricas trabalham fora, deixam os filhos com a babá, fazem academia, colocam silicone nos seios e tocam a vida. Às pobres fica o desafio de lidar com uma penca de filhos e o marido muitas vezes violento e alcoólatra.
Coordenadora-geral do Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos, a pesquisadora carioca Maria Luiza Heilborn acha que os ideais feministas se restringiram a debates pertinentes aos menos abastados, principalmente em países como o Brasil. "Questões como violência doméstica e aborto afetam sobretudo essa camada. Não adianta querer que a patricinha da universidade se engaje nesse assunto", diz.
"Uma mulher liberada é aquela que tem sexo antes do casamento e um trabalho depois."
Gloria Steinem
FEMINISTA AMERICANA
Outro efeito colateral do feminismo dos anos 60 foi uma certa perda de identidade das mulheres. À medida que buscavam espaço igual ao dos homens, elas começaram a reproduzir posturas tipicamente masculinas. Isso mudou. Se antes a idéia era abafar a sexualidade, o que se vê hoje é a reação contrária: uma superexposição da sexualidade, uma ânsia de ser jovem, bonita e desejável. Surgiu recentemente até um termo para definir mulheres que se comportam sexualmente como homens: "predadoras". Assim são chamadas as que agem como machistas de antigamente, contabilizando como feitos dignos de menção pública suas aventuras amorosas.
Em blogs na internet, a nova geração do feminismo escreve avidamente sobre sexo, moda e beleza. Elas fazem parte do que alguns chamam de Terceira Onda do Feminismo, têm entre 15 e 40 anos e acreditam que ser feminista é sentir prazer no sexo sem compromisso com meninos e meninas e comprar sapatos modernos. "Infelizmente, a batalha pelo direito ao aborto é a única bandeira do feminismo que permanece viva fora do Oriente Médio. O movimento, principalmente nos Estados Unidos, acabou reduzido à luta da mulher para não ter de ser mãe", lamenta a escritora Phyllis Chesler, autora do best-seller Letters to a Young Feminist (Cartas a uma Jovem Feminista). No Brasil não é diferente. Os ícones da cultura pop que falam às mulheres sobrevivem à superfície: as donas-de-casa descompensadas da série Desperate Housewives ou mesmo peças de teatro que satirizam as solteiras, como o besteirol Os Homens São de Marte... E É para Lá que Eu Vou, sucesso de público em todo o Brasil.
Um dos maiores desafios do pós-feminismo é encontrar meios de enfrentar o padrão estético imposto pela sociedade. Essa pressão gera uma tremenda crise de identidade. Segundo uma pesquisa realizada no início do ano pelo site inglês tescodiets.com, de cada vinte mulheres entrevistadas, dezenove disseram que preferem ser magras a inteligentes. Conforme o estudo, uma em cada três mulheres pesquisadas admite gastar mais tempo pensando no peso corporal do que no trabalho, nas finanças ou na família. Há quem chame isso de terrorismo estético. É o desejo de manter uma aparência sedutora que explica por que as clínicas de cirurgia plástica vivem lotadas. Eis, portanto, um novo e tremendo desafio para o pós-feminismo: conquistar o direito de envelhecer com tranqüilidade, tendo uma relação menos neurótica com o amadurecimento do corpo e descobrindo maneiras melhores de lidar com a vida sexual após os 60 anos. Para atingir esses objetivos, será necessária uma outra grande revolução de comportamento, quase do porte do que foi o feminismo para uma geração engajada e politizada de quarenta anos atrás.
Derrotamos a frivolidade e a hipocrisia dos intelectuais progressistas. O pensamento único é daquele que sabe tudo e que condena a política enquanto a mesma é praticada. Não vamos permitir a mercantilização de um mundo onde não há lugar para a cultura: desde 1968 não se podia falar da moral. Haviam-nos imposto o relativismo. A idéia de que tudo é igual, o verdadeiro e o falso, o belo e o feio, que o aluno vale tanto como o mestre, que não se podia dar notas para não traumatizar o mau estudante.
Fizeram-nos crer que a vítima conta menos que o delinqüente. Que a autoridade estava morta, que as boas maneiras haviam terminado. Que não havia nada sagrado, nada admirável. Era o slogan de maio de 68 nas paredes de Sorbone: 'Viver sem obrigações e gozar sem trabalhar'.
Quiseram terminar com a escola de excelência e do civismo. Assassinaram os escrúpulos e a ética. Uma esquerda hipócrita que permitia indenizações milionárias aos grandes executivos e o triunfo do predador sobre o empreendedor.
Esta esquerda está na política, nos meios de comunicação, na economia. Ela tomou o gosto do poder. A crise da cultura do trabalho é uma crise moral. Vou reabilitar o trabalho.
Deixaram sem poder as forças da ordem e criaram uma frase: 'abriu-se uma fossa entre a polícia e a juventude'. Os vândalos são bons e a polícia é má. Como se a sociedade fosse sempre culpada e o delinqüente, inocente. Defendem os serviços públicos, mas jamais usam o transporte coletivo. Amam tanto a escola pública, mas seus filhos estudam em colégios privados. Dizem adorar a periferia e jamais vivem nela.
Assinam petições quando se expulsa um invasor de moradia, mas não aceitam que o mesmo se instale em sua casa. Essa esquerda que desde maio de 1968 renunciou o mérito e o esforço, que atiça o ódio contra a família, contra a sociedade e contra a República.
O   que as mulheres querem? O mesmo que os homens: um amor, um trabalho digno, uma família e respeito.
 

Em 30 anos, dobrou o número de mulheres que assumiram a chefia de suas famílias. Eram 15% em 1980 e hoje somam 30%.  

Mais de 50% dessas mulheres chefes de família não têm marido ou companheiro, mas exercem a responsabilidade de manutenção e educação dos filhos com autoridade e disposição para o trabalho.

Mulher hoje em dia só fica casada quando vale a pena: em 72% dos divórcios a iniciativa de separação é dela.

O excepcional avanço da mulher deve-se a ela mesma - pois decorre do seu preparo profissional e sua escolarização: entre 7 e 14 anos, a maior fatia da população feminina, 97, 3%, estuda alguma coisa.

As mulheres, lastimavelmente, ainda ganham menos: o salário dos homens é, em média, de R$870,00 e as mulheres recebem R$617,00.  

As mulheres são a maioria do povo brasileiro: 55,2%. Somam 94 milhões.

As mulheres não precisam de favor ou generosidade. Não são minoria fragilizada ou seres dependentes.

Pelo rigor democrático, basta que lhes sejam reconhecidos os espaços econômico, político e social a que têm direito.

Como todos os preconceitos históricos – como o racismo - o machismo (a alegada superioridade do homem ou, o que é tão equivocado quanto, um tratamento condescendente à mulher, como se fosse um favor) resiste como um bolsão renitente de ignorância e injustiça.

Alegar a cumplicidade amorosa, os papéis nas relações sexuais, as peculiaridades de beleza, delicadeza e graça da mulher como argumentos para dominação e poder é um resquício insuportável de ignorância e atraso. A mulher, tal como o homem, tem o seu papel natural próprio, biológico e social, são diferentes mas nenhum é, em nada, superior ao outro.

O problema político está justamente em traduzir esse conceito sobre a condição feminina e expressá-lo em leis, serviços públicos – especialmente de saúde e segurança, proteção social e reservas de espaço (por exemplo, na representação parlamentar e conselhos estatais) até que tudo isso aconteça normalmente.

Nunca se deve esquecer que se desenvolve através de milênios essa escalada de reconhecimento social da mulher. O voto, por exemplo, foi uma conquista do século XX mesmo em sociedades evoluídas com a França e Inglaterra.

O Brasil jamais será uma sociedade moderna e plenamente desenvolvida enquanto homens e mulheres não viverem a prática absoluta da definição democrática de são iguais perante a lei, mesmo sendo harmoniosamente diferentes.

Você sabia que...

Não, elas não dirigem pior do que os homens. As estatísticas comprovam. De acordo com um estudo da Indiana Seguros, feito com 10 000 homens e o mesmo número de mulheres, elas se envolvem menos que eles em acidentes de trânsito.

As jovens são mais prudentes ao volante que o sexo oposto na mesma faixa etária. Por exemplo: aos 24 anos, elas batem o automóvel 21% menos, com danos 14% menores. Aos 33 anos, 5% menos e com prejuízos menores em 15% em relação aos provocados pela ala masculina.

Mulheres só são superadas pelos homens ao passar dos 40 anos, quando o índice de barbeiragem é maior em 9%. Ainda assim, a perda não é total: quarentonas causam 22% menos avarias comparadas a eles. À medida que elas envelhecem, o nível de imprudência fica em pé de igualdade. Aí é só chamar um táxi.

Do ponto de vista dos eleitores, a situação é diferente. Estudos realizados em vários países mostram que o eleitorado acredita que políticas são mais éticas do que políticos. Mas isso em tese – sem que se pergunte se Margareth Thatcher é mais ética do que Tony Blair ou Marta Suplicy do que José Serra.

A cientista política Celi Regina Jardim Pinto, diretora do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, acha essa percepção dos eleitores ingênua, ainda que útil às mulheres. "É muito cômodo para as mulheres dizer que têm valores morais mais nobres", afirma. "Mas, na verdade, a ocasião faz o ladrão, independentemente do sexo, e não há prova nenhuma de que exista uma cultura feminina de respeito à ética." Até o momento, o que se percebeu foi uma diversidade tão grande de comportamentos que simplesmente não se pode atribuir à mulher uma conduta homogênea determinada pela inexistência do cromossomo Y.

Importante, nessa discussão, é o fato de que, assim como não representam vantagem nenhuma no mundo político, as mulheres não significam, também, nenhuma desvantagem – como em outros séculos houve quem defendesse.

"Para se eleger é preciso querer muito, começar cedo, pedir favores aos amigos, levantar muito dinheiro por meio de pedidos pessoais e fazer muito inimigos", ela diz. "Não vejo nenhuma delas fazendo isso."

A ciência também tem pouco a acrescentar à discussão sobre como cada gênero age uma vez no poder. Sabe-se que o cérebro, os genes e os hormônios de homens e mulheres têm diferenças marcantes, e isso tem papel importante na vida de cada um.

Com o auxílio de aparelhos de ressonância magnética, por exemplo, pesquisadores viram – literalmente – que as mulheres digerem informações diferentemente dos homens.

Eles tendem a usar mais o lado esquerdo do cérebro, o que lhes dá uma visão linear, lógica do que aprendem. Elas fazem quatro vezes mais conexões entre os dois lados do cérebro e assim acrescentam emoção, imaginação e suas experiências às análises que fazem das informações recebidas.

Os cientistas constataram também que as mulheres têm as duas regiões do cérebro cruciais à linguagem mais desenvolvidas do que os homens. Mais uma vez, porém, essas variações explicam muito pouco sobre o comportamento de ambos no poder.

"Discordo da idéia de que homens e mulheres sejam na essência diferentes. Não são. Mas as condições culturais para cada um foram. O estilo pode ser diferente porque a vida de um e a de outro foram diferentes", diz a cientista política Lúcia Avelar, diretora do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília.

Por mais durona, carreirista ou workaholic que uma mulher possa ser, ela provavelmente tem ou teve ao longo da vida uma preocupação com a casa, a educação, a saúde e o bem-estar dos filhos ou dos familiares.

Essa dedicação à família pode ser um dos diferenciais femininos que os especialistas no assunto procuram identificar. "Quando uma mulher chega ao poder, a agenda política pode ser mais associada a temas como os cuidados sociais", acredita a cientista política Clara Araújo, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. "Mas, ao sair dessa esfera e passar para questões mais gerais, dificilmente se consegue identificar alguma diferença", diz.

A fileira feminina dos estudantes brasileiros tem um currículo admirável. Apesar de terem partido para a conquista de um diploma com um século de desvantagem em relação aos homens, hoje as mulheres possuem, em média, mais anos de escolaridade do que eles (6,7 anos contra 6,4). Segundo dados de 2004, de cada 100 alunos matriculados em universidades brasileiras, 56 eram mulheres. Nos campi universitários, há cerca de meio milhão a mais de moças do que de rapazes – 63% dos diplomas concedidos em 2004 foram para mãos femininas. Elas ocupam o maior número de carteiras não apenas nos cursos de graduação como também nos de mestrado e doutorado. À medida que amadurecerem no mercado de trabalho, as mulheres vão simplesmente pulverizar a tão comentada diferença salarial em relação a homens que ocupam postos com as mesmas responsabilidades. Por mera dedução matemática, pode-se concluir que, mais preparadas, elas estão cada vez mais aptas a ter carreiras de prestígio, ser financeiramente independentes e eventualmente ocupar altos cargos e receber bons salários. Se isso ajuda profissionalmente – triste ironia –, pode também atrapalhar sentimentalmente. Afinal, com quem uma mulher mais culta, mais bem informada, vai se casar? "É muito difícil admirar uma pessoa que seja menos capaz do que eu, tanto financeira quanto profissional ou culturalmente", diz a consultora de marketing Maria Lúcia Barros, de 29 anos, duas pós-graduações.

O problema – e quem diria que isso poderia ser chamado de problema? – repercute igualmente na outra ponta dos relacionamentos. Na opinião do economista Claudio de Moura Castro, também os homens não estão preparados para lidar com mulheres mais bem-sucedidas do que eles. "Essa realidade pode ser altamente nociva para a estabilidade matrimonial", afirma o especialista em educação. A relação entre escolaridade e solteirismo ainda precisa ser mais bem perscrutada, mas alguns números já atestam que existe uma ligação.

Um estudo da Fundação Getulio Vargas revela que, entre 1970 e 2000, o número de solteiras de 25 a 29 anos aumentou mais de 20%. "As solitárias tendem a apresentar um nível de escolaridade maior e ter melhores salários em relação à média brasileira", informa Marcelo Neri, chefe do centro de políticas sociais da FGV. Até o início da década de 90, os homens tinham salário médio até 50% maior que o das mulheres. Hoje, essa diferença está perto de 30%. "Estudos mundiais mostram que, quanto maior a renda masculina, mais eles se casam, enquanto com as mulheres acontece o contrário", afirma Neri. A possibilidade de uma mulher com mais de doze anos de estudo não se casar é 70% maior quando comparada à daquela que não tem instrução nenhuma. Em compensação, as que moram sozinhas ganham em média 62% mais do que as que dividem a casa com um companheiro.

 

Anderson Schneider

 

A consultora Maria Lúcia Barros: "É difícil admirar um homem que seja menos do que a gente". O Brasil jamais teve uma política educacional que buscasse o equilíbrio entre homens e mulheres na divisão dos bancos escolares. A explicação mais provável para o fenômeno da hipertrofia na formação feminina é econômica e cultural. "A sociedade considera que a tarefa de auxiliar no sustento da família cabe mais aos meninos do que às meninas", lembra Dilvo Ristoff, diretor de estatísticas e avaliação da educação superior do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep). Segundo especialistas, é provável que essa necessidade social esteja associada à evasão escolar precoce e à repetência, que é maior entre os rapazes. Os dados gerais sobre escolaridade feminina e masculina mudaram nos últimos tempos, dando vantagem numérica às moças, mas a repartição dos gêneros por cursos pouco se alterou. A maioria dos diplomas da área de humanas continua indo parar nas mãos das mulheres e os da área de exatas, nas dos homens. Segundo o Inep, os cursos predominantemente femininos são nutrição, fonoaudiologia, pedagogia, psicologia e enfermagem. Os mais masculinos, engenharia e computação. "As mulheres preferem não disputar em carreiras ditas masculinas, pois muitas acreditam que teriam de ser muito melhores que eles para conseguir destaque", conclui Cristina Bruschini, coordenadora da equipe dos estudos de gênero da Fundação Carlos Chagas, em São Paulo. Mas, aos poucos, porém, o cenário muda. O número de mulheres nas faculdades de engenharia e de medicina aumentou cerca de 30% entre 1990 e 2002. Aguardemos as estatísticas dos próximos anos para saber se essas engenheiras e médicas terão com quem comemorar suas conquistas ou se terão de brindar sozinhas

Mesmo a mais emancipada, independente e bem resolvida das mulheres ainda se vê mergulhada na burocracia cotidiana do lar. É a velha história: depois de um dia inteiro de trabalho, é preciso lidar com uma rotina muito parecida com a das donas-de-casa do passado: dar orientações sobre refeições, lembrar que é preciso trocar a lâmpada da geladeira, marcar o médico das crianças ou dar aumento à empregada. Mesmo que se tenha um marido do tipo participante e engajado, a dupla jornada ainda é uma realidade para a maioria das mulheres. Quatro décadas depois de o movimento feminista ter fincado raízes irreversíveis no que diz respeito à evolução da condição feminina, as mulheres enfrentam situações paradoxais. Indaga Eni Samara, feminista, diretora do Museu do Ipiranga e professora do curso de pós-graduação de história na Universidade de São Paulo: "Eu ganho dinheiro, sou bem resolvida, me considero feminista. O que explica que eu queira fazer a lista do supermercado?"

A partir dessas situações elementares, pode-se concluir que o feminismo – tal como foi desenhado pelas militantes do movimento na década de 60 – ou está enterrado ou se perdeu no caminho. Mas a questão não é tão simples. Apesar de ter sido um dos mais importantes movimentos sociais do século XX, o feminismo possui semelhanças com qualquer outra revolução que tenha partido de ações radicais – sem se dar conta da complexidade das relações humanas envolvidas no processo. Isso significa que, na teoria, pregar a igualdade entre os sexos pode ser algo absolutamente viável. Na prática, descobriu-se que nem sempre o que a mulher deseja mesmo é ser igual. Tanto é que mesmo as principais representantes da causa acabaram por revelar, em algum momento, uma faceta, digamos, inesperada, independentemente das propostas que defendem. Só para ter uma pequena amostra do que houve nos últimos anos, a histórica feminista e petista Marilena Chaui lançou um livro de receitas em companhia da mãe. A atriz Jane Fonda, engajadíssima nos anos 70, revelou recentemente que era subjugada pelo marido, que a obrigava a participar de orgias contra sua vontade. O mesmo ocorreu com a escritora americana Betty Friedan, cujo livro A Mística Feminina, de 1963, demonstrou que o trabalho doméstico não traz realização para a mulher. Ela morreu em fevereiro passado. Poucos anos antes, revelou que apanhava do marido.

"Nenhuma mulher consegue um orgasmo ao encerar o chão da cozinha."

Betty Friedan

ESCRITORA AMERICANA

É certo que o feminismo trouxe mudanças irreversíveis para o mercado de trabalho, o comportamento sexual e, obviamente, as relações pessoais. Não se tem notícia de uma revolução de costumes tão poderosa e efetiva na história ocidental. Pelo menos nos países desenvolvidos, as conquistas femininas foram reconhecidas tanto na esfera privada quanto na pública. Do direito ao voto à legitimação do divórcio, da entrada maciça nas universidades ao reconhecimento da competência no trabalho, os progressos são inegáveis. Isso parece banal hoje, mas tais idéias eram absolutamente revolucionárias num passado não muito distante. Se muitas mulheres do século XXI ditam as regras no escritório e fazem sexo sem culpa com quem bem entendem, elas têm o que agradecer às feministas barulhentas dos anos 60. O problema é que as idéias revolucionárias parecem ter se enroscado na busca de soluções para questões que, em um primeiro momento, aparentemente dependiam apenas das atitudes individuais. Na prática, ninguém impede uma mulher de mergulhar completamente na carreira ou a obriga a ser responsável pela administração da casa. No entanto, é nesse âmbito de decisão, o que parece mais simples, que as coisas se complicam. Não há nada mais previsível do que o comportamento das multidões; e nada mais inesperado do que as reações do indivíduo. "O feminismo trouxe algumas idéias erradas, como o desejo de reproduzir o modelo masculino, como se todas estivessem dispostas a isso", diz Silvia Pimentel, do Comitê pela Eliminação da Discriminação contra a Mulher (Cedaw) das Nações Unidas e professora de direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Hoje se sabe que era bobagem as mulheres quererem se tornar homens e se coloca um novo dilema: como vão continuar sendo mulheres e combinando todas as conquistas do passado recente com os impulsos da maternidade, por exemplo?

As reflexões contemporâneas sobre a condição da mulher na sociedade – pelo menos nos países democráticos e nos que superaram índices mínimos de miséria – giram em torno da convivência doméstica, a trinca carreira-maternidade-matrimônio, e do fenômeno moderno da harmonização entre a vaidade e a competência profissional. A grande massa feminina parece estar muito mais interessada em lutar contra a balança e as rugas do que contra desigualdades ainda presentes e alardeadas desde a época das feministas históricas. Apesar de as mulheres ainda terem de se submeter ao aborto ilegal, a ganhar menos do que os homens, à injusta divisão das tarefas domésticas e à terrível violência no lar, resquícios de uma mentalidade ultrapassada, essas bandeiras não parecem fazer parte da agenda feminina atual. O que deu errado? Por que o feminismo ou outro movimento ainda não conseguiu tocar nesses pontos da vida da mulher?

"Nós não podemos acabar com as desigualdades entre homens e mulheres sem antes acabar com o casamento."

Robin Morgan

FEMINISTA AMERICANA

No centro das questões que afligem o movimento pós-feminista do século XXI, nada surge tão forte quanto o velho tema do casamento. Ele ainda é, ao que tudo indica, o grande nó da questão. "As mulheres devem reconhecer que a família é em 2005 o que o ambiente de trabalho era em 1964 e o voto, em 1920", escreveu a advogada Linda Hirshman, 62 anos, uma professora aposentada que está no centro de um acirrado debate sobre a condição feminina nos Estados Unidos. Segundo ela, de todos os erros cometidos pelo feminismo, o mais grave foi a incapacidade de mudar a instituição que estaria no centro de toda a tragédia feminina. Da forma como está posto, de acordo com a especialista, o casamento é um empecilho para que as mulheres atinjam a igualdade total de salários, as mesmas oportunidades de ascensão profissional e a divisão com os homens da carga de trabalho e das responsabilidades na administração da casa e na educação dos filhos. De acordo com sua teoria, a infelicidade das mulheres reside na obrigação de cuidar da casa e dos filhos e dividir a vida familiar com o trabalho. Para a escritora, esse peso não é compartilhado com os homens, que continuam a desfrutar a condição vantajosa de apenas ir de casa para o escritório e vice-versa, sem se sentir obrigados a esquentar o jantar ou pôr a mesa. Quando o fazem, aliás, não são tratados como se cumprissem uma obrigação, apenas. Parecem fazer um favor.

Ao que tudo indica, a solução para esse tipo de problema estava entre as quatro paredes do lar. Mas há quem discorde. A socióloga Rosiska Darcy de Oliveira, fundadora do Centro de Liderança da Mulher (Celim), tem uma tese segundo a qual esse dilema não é solucionável no âmbito das relações entre homens e mulheres. A saída, ela diz, seria as empresas reduzirem a jornada de ambos, homens e mulheres, para que juntos, então, eles tivessem tempo de cuidar dos afazeres domésticos. Segundo Rosiska, a vida privada continuou estruturada, em termos de emprego de tempo e responsabilidades, como se as mulheres ainda vivessem como suas avós, ou seja, sem trabalhar. Autora do ensaio Marianismo: a Outra Face do Machismo na América Latina, a socióloga americana Evelyn Stevens foi além. Há três décadas ela escreveu que, na verdade, as mulheres, sobretudo na América Latina, têm muita dificuldade em abrir mão do controle da casa. No Brasil, onde ter uma empregada doméstica não é um luxo como na Europa ou nos Estados Unidos, as tarefas do lar se tornam um pouco menos pesadas, mas isso não significa que elas estejam dispostas a virar executivas workaholics.

"Casamento é o destino tradicionalmente oferecido às mulheres pela sociedade. Também é verdade que a maioria delas é casada, ou já foi, ou planeja ser, ou sofre por não ser."

Simone de Beauvoir

ESCRITORA FRANCESA

Seja qual for a razão pessoal pela qual as mulheres continuam a se desdobrar em casa, o que os analistas do assunto afirmam é que é preciso romper socialmente essa dependência. Sem mexer no papel tradicional que a mulher exerce no casamento, pregam esses estudiosos, elas tendem a continuar em desvantagem eterna em relação aos homens, sobretudo no campo profissional. É verdade que, nos últimos anos, a diferença salarial diminuiu, assim como se abriram muitos cargos de chefia para as mulheres. Matematicamente, porém, a distância ainda é bem sólida. Nos Estados Unidos, elas ganham 25% a menos do que os homens na mesma atividade profissional. No Brasil, 30%.

Por mais contraditório que possa parecer, a conquista do mercado de trabalho e a abertura de carreiras possíveis para as mulheres podem ter despertado um lado obscuro da personalidade delas. O clamor da multidão também afetou aqui o lado individual de cada um. É a análise da escritora inglesa Alison Wolf, que, em um artigo publicado recentemente na revista inglesa Prospect, alertou para conseqüências perversas do feminismo. Segundo ela, a idéia incessantemente martelada de que filhos atrapalham a carreira e as finanças da família está contribuindo para o surgimento de uma geração obcecada por sucesso e dinheiro. O resultado é um certo individualismo exacerbado, em que o que interessa sou eu, aqui e agora. Nesse sentido, de acordo com a teoria de Alison, algumas das chamadas mulheres bem-sucedidas estão perdendo seu espírito altruísta. "Elas preferem ganhar dinheiro a fazer trabalhos voluntários ou a se dedicar à família", escreveu. "Também não se sentem responsáveis por cuidar dos mais velhos e dos doentes, acreditando que esse trabalho deve ser feito por instituições." Pode parecer uma posição extremamente machista, mas o que Alison Wolf quer dizer é mais profundo. Ela teme a derrocada do que chama de sisterhood, o sentimento fraternal que unia, por afinidade ideológica, mulheres do mundo inteiro. Na opinião da escritora, a cumplicidade feminina desapareceu porque mulheres de diferentes classes sociais não têm mais as mesmas experiências de vida. As ricas trabalham fora, deixam os filhos com a babá, fazem academia, colocam silicone nos seios e tocam a vida. Às pobres fica o desafio de lidar com uma penca de filhos e o marido muitas vezes violento e alcoólatra.

Coordenadora-geral do Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos, a pesquisadora carioca Maria Luiza Heilborn acha que os ideais feministas se restringiram a debates pertinentes aos menos abastados, principalmente em países como o Brasil. "Questões como violência doméstica e aborto afetam sobretudo essa camada. Não adianta querer que a patricinha da universidade se engaje nesse assunto", diz.

"Uma mulher liberada é aquela que tem sexo antes do casamento e um trabalho depois."

Gloria Steinem

FEMINISTA AMERICANA

Outro efeito colateral do feminismo dos anos 60 foi uma certa perda de identidade das mulheres. À medida que buscavam espaço igual ao dos homens, elas começaram a reproduzir posturas tipicamente masculinas. Isso mudou. Se antes a idéia era abafar a sexualidade, o que se vê hoje é a reação contrária: uma superexposição da sexualidade, uma ânsia de ser jovem, bonita e desejável. Surgiu recentemente até um termo para definir mulheres que se comportam sexualmente como homens: "predadoras". Assim são chamadas as que agem como machistas de antigamente, contabilizando como feitos dignos de menção pública suas aventuras amorosas.

Em blogs na internet, a nova geração do feminismo escreve avidamente sobre sexo, moda e beleza. Elas fazem parte do que alguns chamam de Terceira Onda do Feminismo, têm entre 15 e 40 anos e acreditam que ser feminista é sentir prazer no sexo sem compromisso com meninos e meninas e comprar sapatos modernos. "Infelizmente, a batalha pelo direito ao aborto é a única bandeira do feminismo que permanece viva fora do Oriente Médio. O movimento, principalmente nos Estados Unidos, acabou reduzido à luta da mulher para não ter de ser mãe", lamenta a escritora Phyllis Chesler, autora do best-seller Letters to a Young Feminist (Cartas a uma Jovem Feminista). No Brasil não é diferente. Os ícones da cultura pop que falam às mulheres sobrevivem à superfície: as donas-de-casa descompensadas da série Desperate Housewives ou mesmo peças de teatro que satirizam as solteiras, como o besteirol Os Homens São de Marte... E É para Lá que Eu Vou, sucesso de público em todo o Brasil.

Um dos maiores desafios do pós-feminismo é encontrar meios de enfrentar o padrão estético imposto pela sociedade. Essa pressão gera uma tremenda crise de identidade. Segundo uma pesquisa realizada no início do ano pelo site inglês tescodiets.com, de cada vinte mulheres entrevistadas, dezenove disseram que preferem ser magras a inteligentes. Conforme o estudo, uma em cada três mulheres pesquisadas admite gastar mais tempo pensando no peso corporal do que no trabalho, nas finanças ou na família. Há quem chame isso de terrorismo estético. É o desejo de manter uma aparência sedutora que explica por que as clínicas de cirurgia plástica vivem lotadas. Eis, portanto, um novo e tremendo desafio para o pós-feminismo: conquistar o direito de envelhecer com tranqüilidade, tendo uma relação menos neurótica com o amadurecimento do corpo e descobrindo maneiras melhores de lidar com a vida sexual após os 60 anos. Para atingir esses objetivos, será necessária uma outra grande revolução de comportamento, quase do porte do que foi o feminismo para uma geração engajada e politizada de quarenta anos atrás.