quinta-feira, 30 de abril de 2009

POESIAS DE MANUEL BANDEIRA


Poema do beco

Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do horizonte?

— O que eu vejo é o beco.


Pneumotórax

Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos.

A vida inteira que podia ter sido e que não foi.

Tosse, tosse, tosse.

Mandou chamar o médico:

— Diga trinta e três.

— Trinta e três . . . trinta e três . . . trinta e três . . .

— Respire.

— O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.

— Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?

— Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.


Belo Belo I

...Não quero o êxtase nem os tormentos.

Não quero o que a terra só dá com trabalho.

As dádivas dos anjos são inaproveitáveis:

os anjos não compreendem os homens.

Não quero amar

Não quero ser amado.

Não quero combater.

Não quero ser soldado.

— Quero a delícia de poder sentir as coisas mais simples.


Belo Belo II

...Não quero óculos nem tosse.

Nem obrigação de voto

Quero a solidão dos píncaros

A água da fonte escondida

A rosa que floresceu

Sobre a escarpa inacessível

A luz da primeira estrela

Piscando no lusco-fusco...

Quero dar a volta ao mundo

Só num navio de vela

Quero rever Pernambuco

...Quero o moreno de Estela

Quero a brancura de Elisa...

Quero as sardas de Adalgiza....

Quero tanta coisa!

Mas basta de lero-lero

vida noves fora zero.

quarta-feira, 29 de abril de 2009

DOIS POEMAS DE LEDO IVO


A Passagem

Que me deixem passar - eis o que peço diante da porta ou diante do caminho.

E que ninguém me siga na passagem.

Não tenho companheiros de viagem nem quero que ninguém fique ao meu lado.

Para passar, exijo estar sozinho, somente de mim mesmo acompanhado.

Mas caso me proíbam de passar por seu eu diferente ou indesejado

mesmo assim eu passarei.

Inventarei a porta e o caminho e passarei sozinho.


A Queimada

Queime tudo o que puder : as cartas de amor as contas telefônicas

o rol de roupas sujas, as escrituras e certidões,

as inconfidências dos confrades ressentidos, a confissão interrompida,

o poema erótico que ratifica a impotência e anuncia a arteriosclerose,
os recortes antigos e as fotografias amareladas.

Não deixe aos herdeiros esfaimados nenhuma herança de papel.
Seja como os lobos : more num covil

e só mostre à canalha das ruas os seus dentes afiados.

Viva e morra fechado como um caracol.

Diga sempre não à escória eletrônica.
Destrua os poemas inacabados, os rascunhos, as variantes

e os fragmentos que provocam o orgasmo tardio dos filólogos e escoliastas.

Não deixe aos catadores do lixo literário nenhuma migalha.

Não confie a ninguém o seu segredo.

A verdade não pode ser dita.

terça-feira, 28 de abril de 2009

DE TUDO FICA UM POUCO...



Carlos Drummond de Andrade

"Fica um pouco de teu queixo no queixo de tua filha.
De teu áspero silêncio um pouco ficou, um pouco
nos muros zangados, nas folhas, mudas, que sobem.
Ficou um pouco de tudo no pires de porcelana,
dragão partido, flor branca,
ficou um pouco de ruga na vossa testa, retrato.
(...) E de tudo fica um pouco.
Oh abre os vidros de loção e abafa
o insuportável mau cheiro da memória".
No meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra.Nunca me esquecerei
desse acontecimento na vida
de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra.
Tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.

Poema de sete faces
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra disse:
Vai, Carlos! ser gauche na vida.
As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.
O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas, pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus,
pergunta meu coração.
Porém meus olhos não perguntam nada.
O homem atrás do bigode é sério, simples e forte.
Quase não conversa. Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.
Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.
Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo,
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
Eu não devia te dizer mas essa lua,
mas esse conhaque botam a gente
comovido como o diabo.
Quadrilha
João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria
que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém.
João foi para o Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história."

segunda-feira, 27 de abril de 2009

MÁXIMAS DO BARÃO DE ITARARÉ

1) Um bom jornalista é um sujeito que esvazia totalmente a cabeça para o dono do jornal encher nababescamente a barriga.
2) O voto deve ser rigorosamente secreto. Só assim, afinal, o eleitor não terá vergonha de votar no seu candidato.
3) O Estado Novo é o estado a que chegamos.
4) De onde menos se espera, daí é que não sai nada.
5) Mais vale um galo no terreiro do que dois na testa.
6) Quem empresta, adeus…
7) Dizes-me com quem andas e eu te direi se vou contigo.
8) Pobre, quando mete a mão no bolso, só tira os cinco dedos.
9) Quando pobre come frango, um dos dois está doente.
10) Os juros são o perfume do capital.
11) Orçamento é uma conta que se faz para a gente saber como devemos aplicar o dinheiro que já gastamos.
12) Banco só empresta dinheiro a você se você provar que não precisa de dinheiro.
13) Tudo seria fácil, não fossem as dificuldades.
14) Sábio é o homem que chega a ter consciência da sua ignorância.
15) Há seguramente um prazer em ser louco que só os loucos conhecem.
16) Adolescência é a idade em que o garoto se recusa a acreditar que ficará chato como o pai.
17) Senso de humor é o sentimento que faz você rir daquilo que o deixaria louco de raiva se acontecesse com você.
18) Este mundo é redondo, mas está ficando muito chato.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

PASSADO E PASSIVO


Conta o jornalista português João Gonçalves que durante um célebre debate entre dois candidatos presidenciais franceses quando um disse "o senhor é um homem do passado" o outro respondeu "e o senhor é um homem do passivo." Na avaliação dele, um dos problemas da política nos dias de hoje é que muitos líderes conseguem ser tudo ao mesmo tempo: do passado e do passivo.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

POR QUE PARAMOS DE LER LIVROS NO BRASIL?


Olhai os livros por um instante!... Olhai os livros que dizem tanto e que guardam segredos que nos tornariam mais humanos.
Olhai os livros nos sebos, contai os livros nos dedos, amai os livros inteiros, amontoai os livros no quarto, na sala, no vosso banheiro!
Olhai os livros e vede: não falam nem ouvem, e no entanto fazem o leitor mais eloqüente e mais atento ao mundo que o cerca. (E ao mundo que abriga em seu peito.)
Olhai os livros e vede: não cantam, não voam, e no entanto fazem o leitor espantar os males, sobrevoar terras e mares.
Olhai os livros e escolhei os que intensificam a vossa personalidade.
Olhai os livros e comprai os que podem trazer poesia para a prosa do vosso dia-a-dia.
Olhai os livros num canto, à espera de serem "ligados" pela nossa inteligência e imaginação.
Olhai os livros enquanto há tempo, pois chegará um tempo em que poderão se esgotar.
Olhai os livros mal traduzidos, mal revisados, mal distribuídos, mal prefaciados.
Olhai os livros abandonados e esquecidos, os livros menosprezados, empilhados no escuro, por cupins corroídos.
Olhai os livros em paz, mesmo que estejamos em guerra.
Olhai os livros apocalípticos, os poéticos, os livros que nos alegram ou deprimem, os livros que nos livram de todo mal.
Olhai os livros na estante, esse artigo de primeiríssima necessidade!


Trechos de artigo de Gabriel Perissé, mestre em Literatura Brasileira pela USP.


quarta-feira, 22 de abril de 2009

NASCE UMA ESTRELA


Acesse http://www.youtube.com/watch?v=j15caPf1FRk e conheça Susan Boyle, a estrela do momento. Nascida em Blackburn, na Escócia, Susan tem 47 anos. No último dia 11 de abril ela surpreendeu os jurados do programa 'Britain's Got Talent' ao cantar I Dreamed a Dream, do musical Les Misèrables. Dias depois, sua apresentação foi parar na internet e, segundo o jornal The Sun, o vídeo já foi visto mais de 100 milhões de vezes.

terça-feira, 21 de abril de 2009

OS RISCOS DA CRISE


Por Cavaco Silva


«Não se trata de governar para os números, nem para as estatísticas. Estão em causa problemas concretos de natureza social, que geram situações de desespero e afectam com especial gravidade os mais desprotegidos. Problemas cuja resolução é uma responsabilidade política e, mais do que isso, uma condição necessária para a estabilidade da nossa democracia. A par do agravamento do desemprego e do endividamento excessivo, aumentam as situações de carência alimentar, de famílias que não conseguem suportar os encargos de educação dos filhos, de instituições de solidariedade às quais escasseiam os recursos para responder aos novos casos de emergência social que lhes batem à porta.


Só quem não conhece o que se passa no terreno, quem não contacta com as consequências da crise, não se apercebe do alastramento dos novos riscos de pobreza e não compreende a dimensão do custo social para o País das políticas que favorecem o enfraquecimento dos laços familiares. Este é um período em que se pede ao Estado um maior activismo. No entanto, esta não é altura para intervencionismos populistas ou voluntarismos sem sentido. Os recursos do País são escassos e é muito o que há ainda por fazer.


É preciso garantir o máximo de transparência na utilização dos dinheiros públicos. Desde logo, por uma questão de respeito para com os contribuintes (...) Seria também inaceitável que as respostas à crise levassem ao agravamento dos problemas estruturais que Portugal enfrenta: excessivo endividamento externo, finanças públicas deficitárias, baixa produtividade, debilidade face à concorrência externa e divergência persistente face à média europeia (...) O pior que nos poderia acontecer era a crise acentuar a tendência, bem nociva para o País, de algumas empresas procurarem a protecção ou o favor do Estado para a realização dos seus negócios.


Empresários e gestores submissos em relação ao poder político não são, geralmente, empresários e gestores com fibra competitiva e com espírito inovador. Preferem acantonar-se em áreas de negócio protegidas da concorrência, com resultado garantido. É crucial que os empresários e gestores percebam que a sua autonomia em relação ao poder político é, a médio prazo, decisiva para o seu sucesso e garantam que as suas empresas sejam inovadoras à escala global e não apenas aproveitadoras das oportunidades existentes no mercado português.»

segunda-feira, 20 de abril de 2009

A FORÇA DOS SÍMBOLOS


Quem escreve melhor? Quem escreve por símbolos. Prova disso é o sucesso eterno e monumental de Antígona, de Sófocles, provavelmente a mais bela tragédia já escrita sobre o amor, a lealdade, a dignidade e, sobretudo, sobre a não-comunicação da espécie humana. Construída cuidadosamente sobre símbolos, Antígona é preciosa por expor a dificuldade que temos de ouvir o outro e de entender argumentos contrários aos nossos. As coisas parecem ainda ainda mais complicadas quando avaliamos o maniqueísmo avassalador do nosso tempo, onde as opiniões e os valores de todos nós são divididos entre certo/errado, positivo/negativo, ético e antiético. Classificações simplistas assim formam parte da linguagem dos símbolos e são usadas desde sempre pelos meios de informação. Não expressam, contudo, a realidade. Muito menos favorecem o entendimento, mas exercer a democracia é obrigatório, ninguém nunca disse que era fácil.

domingo, 19 de abril de 2009

TUDO TEM PREÇO...


No mundo do jornalismo, é preciso lidar com o poder o tempo todo e uma das regras deste jogo é: quem bate também apanha. Se você presta assessoria de imprensa tem de aprender a conviver com críticas. E tem de pôr em prática esta regra indispensável da democracia. Mesmo que você tenha a melhor opinião do mundo sobre o líder político que lhe contratou você não pode achar que as opiniões contrárias a ele são criminalizáveis. Também não pode deixar que ele pense que são criminalizáveis. Ainda que o teor das críticas possa ser visto por você, e por ele, como injusto ou de má fé. Grandes líderes não usam o poder de que dispõem contra seus críticos porque sabem que todo poder tem seu preço.

sábado, 18 de abril de 2009

SER ASSESSOR DE IMPRENSA É...


Ser assessor de imprensa de líderes políticos implica conhecimentos de psicologia comportamental, além de intimidade com o mundo da mídia. Uma regra básica que deve ser observada é esta: nenhum líder político gosta de dar ordens, mas todos só dão valor aos auxiliares que descobrem e cumprem tudo o que eles gostariam de ordenar. De algum modo, o assessor precisa "perceber" o que o líder quer por meio dos seus silêncios, do seu jeito de olhar, do movimento das suas mãos e da entonação da sua voz. Sem essa "leitura" dos sinais, o assessor de imprensa vagará cego e sem luz pelo mundo da política.

Se eu morresse amanhã...


Foi enterrada ontem a jornalista e assessora de imprensa Vanda Célia de Oliveira. Natural de Governador Valadares(Minas), formada em jornalismo pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), veio para Brasília no início da década de 80 e aqui trabalhou nas sucursais do Jornal do Brasil, Jornal da Tarde, O Estado de S.Paulo, Relatório Reservado, Revista Época e Correio Braziliense.

Em assessoria de imprensa atuou no Centro Cultural Banco do Brasil, CCBB, Empresa de Correios de Telégrafos, ECT, Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, CNA, Ministério da Agricultura, Associação Comercial do Estado de São Paulo, Secretaria da Micro e Pequena Empresa.  Na área política prestou serviços a líderes do PFL, PSDB, PT, PMDB, DEM e PSD. 

Se dizia com sorte por ter trabalhado com Ricardo Noblat, Eliane Cantânhede, José Casado, Miriam Leitão, Dora Kramer, João Domingos, Dad Squarisi, Luiz Alberto Bittencourt e Ismar Cardona, entre muitos outros que amou e admirou. "Minha geração aprendeu com Cláudio Abramo que jornalismo é o exercício diário do caráter", dizia. 

Esteve no batente ao longo de 45 anos, sem interrupções. Leitora compulsiva — Orgulho e Preconceito, Guerra e Paz, Antígona  e Cem anos de Solidão — eram alguns dos seus livros favoritos. Sem contar Machado e Carlos Drummond, seus escritores nacionais.

Aprendeu na vida de repórter a desconfiar de quem se leva muito a sério e de quem não tem dúvidas. Achava que não devíamos confiar em quem não gosta da política, tampouco em quem põe a política à frente de tudo. Também não gostava de direitistas sem sentido de humor e de esquerdistas que alegam superioridade moral esquecendo que para Marx a moral é relativa, uma vez que os fins justificam os meios.  
Seu maior credo? A democracia. "Sou conservadora em política e radical no resto", afirmava, desejando que todos os indivíduos tivessem direito a vidas felizes pela sua própria conta e risco. Ser conservador não significa ser reacionário, sectário e muito menos truculento ou violento, repetia.  

Ser conservador na política é lutar para limitar o poder, para impedir que alguém se julgue capaz de passar por cima do direito das pessoas e das instituições, argumentava. Estava finalizando o livro "Desilusão Coletiva",  reunindo as opiniões e impressões que gostava de publicar no Twitter e no blog O Sujeito da Esquina. 

Deixa o marido Alberto Coura, também jornalista, a filha Júlia, o genro Darlan e os netos Giovana, Victor e Arthur, além de irmãos, tios e duas dezenas de sobrinhos. Sempre soube que sua família penava com sua dedicação excessiva ao trabalho, mas achava que escolher, apostar, correr riscos e administrar realidades duras era um bom jeito de viver.
(Última atualização 31/10/2017)