quarta-feira, 7 de setembro de 2016

VAMOS FALAR DE MISOGINIA?


Dilma caiu agarrada a todo tipo de argumento, incluindo o fato de ser mulher. Fiquei pensando na insensibilidade dela com o legado que recebeu das mulheres. Ninguém encontra o mundo pronto, todos sabem disso, mesmo ingratos e mal agradecidos. Antes de Dilma, o Brasil teve, no topo do Poder, a Princesa Isabel. Sempre achei estranho e incompreensível o fato de Dilma não fazer referência a este fato histórico.

Em 1889, uma das razões para a deposição do impoluto D. Pedro II consistiu na falsa questão sucessória porque as oligarquias não toleravam ter como Chefe de Estado uma mulher, mesmo sendo ela A Redentora. Aquilo era misoginia, perseguição e ruptura violenta. Dilma fica com dois motoristas, um staff à disposição e verba para seu sustento? Dilma não foi exilada? Seus direitos políticos estão preservados? Isabel teve de fugir no meio da madrugada. A família inteira embarcada às escondidas para que o povo não visse e não se revoltasse. Os bens da família imperial foram apropriados pelo "novo regime", os palácios do Estado vandalizados e despejados do conteúdo histórico.

Até os móveis foram dispersos, os quadros e bibelots divididos ou roubados, enfim, o que sobrou foi a leilão, ou hasta pública. Hoje, felizmente, o mundo é outro. A misoginia resiste, mas Dilma não caiu por ser mulher. Ao contrário. Ela chegou lá, entre outras razões, por ser mulher. A sociedade  não questionou sequer sua inexperiência porque havia um ambiente, no Brasil e no mundo, de extrema confiança no trabalho das mulheres. Ambiente criado por milhares de mulheres que cumpriram jornada excepcional na linha do tempo, abrindo espaço para postos de comando aqui e em todos os países do mundo.

As mulheres prepararam terreno para um futuro que inevitavelmente chegaria. E ele chegou. Dilma participou e beneficiou-se desta luta, mas nunca referiu-se às mulheres que a antecederam, principalmente Isabel. Ela se dizia a primeira mulher a assumir o poder, mas a verdade é outra. Isabel foi a primeira e era tão legítima quanto Dilma, Elizabeth da Inglaterra, ou qualquer outro chefe de Estado. Isabel constitui referência história essencial, uma vez que assinou uma das leis mais importantes que temos, a da Abolição da escravatura. Na  soma das interinidades, ela ficou mais tempo no poder que Collor/Janio e Itamar.

Historiadores internacionais consideram sua presença na história do Brasil um marco de modernidade, uma vez que apenas nove países, até o século passado, tiveram mulheres no comando. E seu legado honra o Brasil e a todos nós, brasileiros e brasileiras.  Uma preocupação final a propósito: só vamos  melhorar a qualidade da nossa democracia por meio  de uma maior participação de todos os cidadãos nas decisões políticas, e de uma abertura dos círculos do poder a novos públicos e a novos problemas.

Essa transformação não se dará com o mero aumento do número de mulheres na política. Ela exige reflexão sobre conteúdos do trabalho político. E exige, igualmente, conhecimento da história do país, dos personagens e das causas que devemos abraçar. Um país não é só a terra com qual a gente nasce e vive. Um país é isso mais a irradiação secular das pessoas que nele viveram e que podem nos inspirar.



































domingo, 4 de setembro de 2016

Se eu tivesse dito sim, em vez de não...

"Se, em certa altura, tivesse voltado para a esquerda em vez de para a direita. Se, em certo momento, tivesse dito sim em vez de não, ou não em vez de sim. Se, em certa conversa, tivesse tido as frases que só agora, no meio-sono, elaboro — se tudo isso tivesse sido assim seria outro hoje e, talvez, o universo inteiro seria, insensivelmente levado a ser, outro também."

Álvaro de Campos