sábado, 27 de dezembro de 2014

Educação em desuso

 
 
Fui educada em cânones seguramente em desuso. Aprendi, por exemplo, que ninguém tem o direito de dar zero a ninguém por duas razões: 1) não é correto e 2) não é uma atitude verdadeira.

Ninguém é apenas zero. Todo o mundo tem seu valor. Todo o mundo é referência para alguém: seus amigos, a família, os vizinhos. Todos tem qualidades e sentimentos. 

Estou falando a propósito da revista Veja ter divulgado ranking de políticos com os senadores Cristovam Buarque e Aécio Neves no final da lista. Discordo. Eles são quadros políticos acima da média. Não sou eu que estou dizendo: quem diz isso é a História. 

Em certa ocasião, assim que saí do jornalismo e passei a fazer assessoria de imprensa, pensei em fazer um ranking de avaliação dos políticos para o mercado, mas não conseguir avançar. O negócio de dar nota aos outros é difícil até para professores. 

Sob nenhum critério eu diria que alguém é zero. Uma avaliação específica não traduz a complexidade do trabalho feito por ninguém. Volto aqui à história da educação. Aprendi que respeito é a base da convivência. Hoje em dia, porém, sei que isso está fora da moda. Tanto que às vezes sinto-me como se fosse uma pessoa do passado mais remoto.

Quase ninguém segue ou parece conhecer as regras que me foram ensinadas desde criança como não fazer aos outros o que não desejo que me façam. Ou, que ninguém é zero. Pois é, posso estar inadequada, mas não consigo, e nem quero, abdicar das coisas que aprendi. 

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Poema de Natal

Natal
Menino, peço-te a graça
de não fazer mais poema
de Natal.
Uns dois ou três, inda passa...
Industrializar o tema, eis o mal.

Carlos Drummond de Andrade

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Obama e a história






"Tudo o que você faz neste mundo ecoa pela eternidade", diz o protagonista do filme "Gladiador" logo no início da trama. Lembrei disso hoje ao ler que os Estados Unidos da América e Cuba estão prestes a reatar o diálogo e retomar relações diplomáticas. Segundo o jornal "The New York Times", cogita-se reabrir, pela primeira vez em mais de meio século, uma embaixada americana em Havana. A representação diplomática de Washington na ilha de Fidel Castro foi encerrada em 1961, ano em que os EUA iniciaram o embargo. Agora, Obama faz o gesto histórico que seguramente ecoará pela eternidade. Ainda é cedo para saber todos os impactos, mas acredito que a vida dos cubanos da ilha, as maiores vítimas das restrições sociais, políticas, econômicas e humanas do embargo, vai melhorar. Para o regime anacrônico de Cuba é que não vejo horizonte: o fim do embargo pode ser sua cerimônia de adeus. 

sábado, 6 de dezembro de 2014

Saúde Drica Moraes!




Soube que Drica Moraes afastou-se da novela “Império” por questões de saúde. Vou rezar e pedir a meus santos de devoção sua rápida recuperação. Conheci Drica Moraes em 2002, quando fazia assessoria de imprensa para espetáculos do CCBB em Brasília. Ela veio apresentar-se na cidade e coube-me a prazerosa tarefa de acompanhá-la nas entrevistas aos veículos de informação para atrair o público da cidade. 
 
Na véspera da estreia, quando voltávamos para o CCBB, depois de uma entrevista ao vivo no DF TV, 1ª edição, ela perguntou se eu não gostaria de morar em uma cidade que tivesse praia "por ser mais divertido". Respondi que quando chegasse a aposentadoria, eu iria morar em Vila Velha, no Espírito Santo. Ela perguntou se era legal, eu disse que não sabia. "Só sei que tem praia". Ela riu e ficou calada até o fim do trajeto. 
 
Na noite seguinte, o teatro lotou. Drica brilhou no palco, fazendo coisas do arco da velha. Lembro uma cena fantástica: ela simulando o desespero de uma patricinha para falar no celular mesmo com sinal ruim. Drica andava pelo palco inteiro agachando-se de um jeito sensacional, como se estivesse desesperada para buscar o sinal no espaço. 
 
O público caiu na risada. Ela lutava pelo sinal do celular e, ao mesmo tempo, mostrava o ridículo de fazer aquilo, de agir daquela maneira. Quase todo o mundo ali já tinha se abaixado daquela maneira, procurando uma posição melhor para manter a linha e seguir falando. A Drica repetindo alô, alô, com o corpo dobrado, quase caindo à beira do palco, era o retrato de todos nós. Diante de tamanho ridículo, só nos restava uma vingança: o riso frouxo e livre. 
 
Rimos muito naquela noite, e nas noites seguintes. Drica foi aplaudida inúmeras vezes em cena aberta. A casa  lotou durante toda a temporada, mesmo com dezenas de cadeiras extras. Sucesso. Numa das noites, ela incluiu um texto na cena do celular que era dirigido exclusivamente a mim. E só nós duas sabíamos disso. 
 
Ela disse mais ou menos o seguinte: “quando chegar a aposentadoria vou para Vila Velha no Espírito Santo. Se a linha do telefone lá é melhor? Deve ser igual, mas lá tem praia. Praia!!! Alô, Alô, Alô, vou ver a linha do horizonte na praia...Linha? Ca..iu, ca ca caiu! Por um momento, em meio a centenas de pessoas, me senti única. Foi como se ela estivesse falando comigo apenas, uma sensação boa e inesquecível.  Quando terminou o espetáculo, fui agradecer, mas ela fez de conta que não era nada. 
 
Voltamos a conversar no dia seguinte, véspera de sua partida. Ela havia terminado de fazer Bossa Nova, filme de Bruno Barreto. Drica perguntou se eu havia visto filme. Sim, eu disse. Ela ficou me olhando, sem dizer nada, mas seu rosto dizia tudo: esperava que eu falasse mais alguma coisa para conferir se eu havia visto o filme de verdade. Falei de Nadine, sua personagem, uma fanática por computadores. Seu rosto suavizou em sinal de aprovação e assentimento. Comentamos também sobre a brilhante trilha sonora do filme.
 
Não voltei a vê-la ao vivo, só no cinema e na televisão. No filme Bruna Surfistinha, ela fez uma cafetina inesquecível. Como a inesquecível Cora de Império, a inesquecível Nadine de Bossa Nova mas, sobretudo, como a inesquecível patricinha do celular que tive a alegria de ver no CCBB de Brasília há mais de uma década. E que jamais vai sair da minha memória. Saúde Drica Moraes! 

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Você conhece "o demônio de Evágrius"?





No livro "Origens Sagradas das Coisas Profundas”, Charles Panati conta que o teólogo e monge grego Evágrius Pôntico (346 d.C. a 440 d.C) identificou, depois de estudos no Egito, os oito males do corpo humano que deram origem aos sete pecados capitais. Gula, avareza, luxúria, ira, melancolia, acédia, vaidade e orgulho constam da lista original. Mais tarde, a Igreja usou a lista de de Evágrius. mas substituiu melancolia por preguiça e excluiu a acédia — ou acídia. 

Na história da filosofia, a definição de acédia é "estado de torpor, de ausência de atenção e de cuidado exterior, de alheamento em relação à pessoa em si mesma e em relação ao mundo que a rodeia". Na Idade Média, dizia-se que a acédia, também conhecida como o "demônio de Evagrius" — em razão do nome do teólogo que a definiu — adormecia os monges. Entorpecidos, eles conviviam, sem reagir ou protestar, com os atos mais cruéis e desumanos.  

Quando vejo algumas pessoas dizendo, em relação à corrupção e a degradação política, que “não há nada a fazer, pois todos são desonestos”, penso no demônio do Evágrius. Se parcela significativa da população achar que devemos dar de ombro e mudar de assunto vai aumentar a indiferença e vai crescer o alheamento, mas não é este o melhor caminho. Adormecer não funcionou para aliviar os crimes da Igreja no passado e não vai garantir a inocência dos corruptos hoje. 

A Justiça não socorre aqueles que dormem. Na verdade, só ganha a guerra contra a desonestidade e a corrução quem persiste, quem faz leis duras, quem pune corruptos com a cadeia. Sem fraquejar, sem ceder às tentações, sem adormecer um só dia, uma só noite.  Não existe "povo corrupto" em países que estão mergulhados na crise moral e povo honesto e imaculado em sociedades onde o flagelo da roubalheira está sob controle. 

O combate à corrupção deu certo onde as instituições funcionam, onde existe liberdade de imprensa e as leis valem para todos. Não é função do Estado a reforma dos costumes e valores. Isso é tarefa para os pais, os educadores, os pregadores. E eles fazem bem o seu trabalho. Ensinam valores, agem de forma correta. Sem perder a esperança. Estão certos. Os horizontes da honestidade são amplos. Não falo por ser otimista, mas por ser realista. 

Os corruptos perderam a guerra no lado do mundo onde se vive melhor. Estão perdendo aqui também. Corruptos identificados pela Justiça não podem andar nas ruas, ir a restaurantes ou embarcar em aviões. A corrupção não favorece os negócios. Encarece o preço dos bens e serviços. Desorganiza e inflaciona a economia. Prejudica a produtividade. Causa depressão, tensão e insatisfação. País corrupto perde oportunidades e investimentos.   

O povo não é trouxa. Tanto que ninguém acredita na balela de que podemos fazer as coisas de modo corrupto e criminoso porque outros agem de modo corrupto e criminoso. Não estamos numa competição para saber quem é pior. Alegar que está tudo bem porque temos companhia no banco dos réus é fazer discurso infantil e desqualificado, além de desrespeitoso com a inteligência e os valores dos outros. Sem contar que não inocenta ninguém. No máximo, mostra que o banco dos réus está lotado, tão cheio que tem gente saindo pelo ladrão.