quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

As crises são sempre políticas


Comportamentos gananciosos e socialmente irresponsáveis existirão sempre, qualquer que seja o sistema socioeconómico. O problema, portanto, não é apenas esse, mas o da ausência de um rigoroso regime de regras (e instituições sólidas) que inibam tais comportamentos. A corrupção avança quando líderes políticos falham na elaboração de leis rigorosas e adequadas ao controle dos recursos públicos. No Brasil, infelizmente, sempre foram incentivados os comportamentos mais nocivos e condenáveis na  gestão do dinheiro que pertence a todos nós, contribuintes. 

O resultado está à vista de todos: a impunidade corre solta hoje, como correu ontem e, se tudo seguir do mesmo jeito, continuará correndo no futuro mesmo com todos nós sabemos que esse regime de regras é, no essencial, o resultado de decisões políticas. Se a moral fosse suficiente para garantir a civilidade dos comportamentos humanos, a política e o direito seriam socialmente desnecessários. Precisamos olhar as coisas de forma adulta, reconhecendo vantagens no lado do mundo onde as pessoas vivem melhor. Ali, Estados e iniciativa privada buscam conviver de forma civilizada.   

Quando se vê bondade no Estado e maldade no mercado, ou vice-versa, abre-se caminho à concentração progressiva do poder num único campo, com o consequente risco de totalitarismo que sempre emergiu quando apenas um dos dois caminhos foi percorrido até ao fim. Regulação política dos mercados não é o mesmo que controle estatal da economia, e só é possível introduzir justiça na economia quando essa confusão é evitada. Até hoje ninguém conseguiu revogar a lei da gravidade e as leis do mercado.

Uma das (muitas) vantagens da invenção do mercado foi a diferenciação entre poder político e poder econômico e, consequentemente, uma menor concentração de todos os poderes numa única instituição. Foi esta diferenciação que abriu a possibilidade de constituir tanto a esfera política como a esfera econômica em campos de luta institucionalizados com pesos e contra-pesos específicos. No primeiro caso, através da invenção da democracia liberal; no segundo com a criação de um regime pluralista de relações industriais que incluiu todos os parceiros sociais.
 
Desde que me conheço por gente escuto desculpas esfarrapadas para adiar a solução dos nossos problemas políticos. Uma das mais irritantes é que o  Brasil país está sempre endividado. Dívidas não são problemas. Não há crescimento sem endividamento. Qualquer empresário, pequeno, médio ou grande, sabe disso. Agitar o fantasma do endividamento é o mesmo que recusar a utilidade econômica do sistema financeiro, em geral, e dos bancos, em particular. O endividamento é virtuoso quando seu objetivo é o investimento.

Vejo com apreensão a descrença atual. A verdade é que podemos solucionar nossos problemas com decisões políticas sérias e responsáveis. Podemos reformar e melhorar nosso Estado usando bons exemplos de países que avançaram, que controlaram a corrupção. O Brasil pode deixar de ser um Estado que privilégios de algumas minorias para transformar-se em máquina de bons serviços para a maioria.  Eu acredito.   

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Preferências

 
Considero a liberdade absolutamente inalienável e o respeito pelas diferenças uma das principais bases da convivência. Tenho responsabilidade e, antes de proceder a juízos de valor sobre atos dos outros, preocupo-me mais com meus próprios atos. Em resumo: aproveito as oportunidades que surgem no meu caminho e acredito mais no Hobbes, que no Rosseau. E  prefiro Toqueville ao Montesquieu.

sábado, 21 de fevereiro de 2015

Brasília: memória vida

 A cidade é uma ilha em que a atividade industrial não existe, mas criou-se uma vida artificial ao redor do Poder para manter  a população no meio do cerrado. Programas culturais são raros, mas, em compensação vive-se em um ponto nevrálgico do Brasil, onde tudo é muito claro. E caro. Em outros lugares as tensões e conflitos podem ser dissimulados, mas na capital do país são visíveis e estão concretizados nas linhas do arquiteto. Aqui, não é possível fechar os olhos. Brasília é memória viva.

Diário de Kafka

23 de Setembro
 
"Esta história O Processo, escrevi-a eu de um jato durante a noite de 22 para 23, das dez da noite às seis da manhã. Quase não conseguia tirar as pernas de debaixo da secretária, tão rígidas elas estavam de estar tanto tempo sentado. A terrível tensão e alegria, a maneira como a história se desenvolveu perante mim, como se eu estivesse a andar sobre as águas. Várias vezes durante a noite senti o peso às costas. Como tudo pode dito, como há para tudo, para as mais estranhas fantasias, um grande fogo à espera em que elas perecem e renascem outra vez. Como ficou azul do lado de fora da janela. Rolou por ali uma carruagem. Dois homens atravessaram a ponte. Às duas horas olhei para o relógio pela última vez. Quando a criada atravessou a antecâmara pela primeira vez eu escrevi a última frase. Fechar a luz e a luz do dia. As dores leves em redor do coração. O cansaço que desapareceu a meio da noite. A trémula entrada no quarto das minhas irmãs. Leitura em voz alta. Antes disso, espreguiçar em frente da criada e dizer: “Estive a escrever até agora”. O aspecto da cama intacta, como se tivesse acabado de ser posta ali. A convicção confirmada de que com o escrever este romance me encontro nas planuras vergonhosas da escrita. Só desta maneira é que se pode escrever, só com uma coerência destas, com esta abertura total do corpo e da alma."
 
Trecho do Diário de Kafka


 

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Quadro de aviso

 
A todos que frequentam esta página: sou forçada a advertir que os defeitos passíveis de se encontrar neste blog são, certamente, maiores que as aparentes virtudes.

A juventude é um retrato na parede

 

 
Esta foto foi tirada há muitos anos. Eu estava me achando bonita com os cabelos presos no coque e sem os óculos a encobrir o rosto. Revendo o retrato hoje, pude confirmar, mais uma vez, o tanto que sou parecida com a minha mãe. Além do sorriso meio sem graça, da tendência a ganhar peso, da cor esverdeada dos olhos e do formato do rosto, também herdei dela a pele de boa qualidade que tenho. Hoje, gastei bem umas duas horas do meu dia olhando fotos antigas. Minhas e dos meus amigos. Dou conta dos anos a passar não só em mim, mas nos outros que também são o meu espelho. Envelheço. Envelhecemos...  

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Petrobras

 
 
 
Por dever de ofício, força de hábito e um prazer intransferível, leio os principais jornais do país todos os dias. Com muito gosto. Sei que sou bem informada, mas acho dificílimo dizer qual a pior notícia sobre a Petrobras nos últimos seis meses. Quando penso que nada pode ser mais grave do que a notícia que li no dia anterior, vaza mais um depoimento de uma nova delação premiada. A sucessão de malfeitorias parece não ter fim.  Cresci aprendendo que a Petrobras era um orgulho nacional, uma companhia tecnicamente superior, forte, estratégica e lucrativa. Agora, no entanto, a nódoa da corrupção parece tão impregnada na empresa que, como dizia Eça de Queiróz, "nem com benzina se limpa". Aqui no meu canto, fico torcendo para que a indústria já tenha desenvolvido produtos mais eficientes que a benzina do tempo de Eça. 
 

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Meus óculos, minha vida!



Dr. Leonardo, o oftalmologista que está me atendendo há um ano, disse que pretende submeter-me a uma cirurgia para que eu possa dispensar os óculos. Falou com a boca toda, alegre, como se estivesse me fazendo um favor. Como assim? Fiquei calada, mas perdi completamente a graça. É que discordo completamente dele. Não passa pela minha cabeça a ideia de deixar meus óculos. Nem de brincadeira. Óculos me escondem e protegem, ou criam a ilusão de que me escondem e me protegem. Por detrás dos óculos, o mundo sempre vai me parecer mais seguro. Mesmo quando sei que não está. 

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Salve a Mocidade!

 
Ainda menina, quando saí de Governador Valadares e fui morar em Juiz de Fora, passei a sonhar com a vida no Rio. Como seria andar pela praia e como seriam os desfiles das escolas de samba do primeiro grupo? Ao longo de dez anos ininterruptos, na década de 80, passei minhas férias em praias do Rio. E sei que não há litoral mais bonito, nem povo mais cheio de charme e alegria. Os desfiles das escolas de samba, ao vivo, só vi pela primeira vez muitos anos depois, em 2010, justamente quando Paulo Barros ganhou o primeiro título de campeão na Unidos da Tijuca com o enredo "É Segredo". É inegável que o Carnaval brasileiro inovou com Paulo Barros, depois de anos repetindo os mesmos feitiços.

Agora em 2015, no desfile da Mocidade, Paulo Barros voltou a mostrar a força de sua magia com o enredo "O que você faria se só lhe restasse um dia? Além da ótima abordagem sobre vida/morte, pegou muito bem a divertida provocação em cima da fragilidade humana. Muito bom, principalmente os dois carros sobre sexo: um com homens e mulheres pelados e molhados pela chuva e o outro com casais simulando cenas de motel. Na verdade, mais um belíssimo momento, entre  tantos que felizmente temos, da cultura popular brasileira na avenida. 

Só hoje, quando li nos sites de notícia a grande quantidade de comentários negativos sobre os dois carros, é que me dei conta do atraso e da danação de uma parcela da população. Será que não passou da hora de tanta hipocrisia e tanto moralismo? Vergonhoso é ver, em pleno século XXI, gente sendo decapitada em nome de uma religião, uma crença, ou sei lá o quê. Sexo faz parte da vida, aliás, é a melhor parte da vida, e o desfile da Mocidade foi lindo e criativo. Paulo Barros merece nota dez. Com louvor!

 

A verdade como metal

O filósofo e pensador Nietzsche - em um texto de 1873, que recebeu o título "Sobre a Verdade e a Mentira em Sentido Extra-Moral", -  afirma que a verdade está tão gasta que é como se fosse uma moeda que perdeu a efígie e já não vale como moeda, mas apenas como metal. Como vil metal.

domingo, 15 de fevereiro de 2015

Solidão geográfica


Acordo cedo e percorro rapidamente a minha quadra olhando o bico circular do tênis, mas prestando atenção ao meu redor.  Não encontro nada mais do que o silêncio e uma calmaria resoluta, como se  todos os moradores tivessem decidido sair  da cidade neste fim-de-semana prolongado.

Passo pela comercial, olho a padaria, a barbearia e a farmácia: tudo deserto. Nenhuma alma viva vem na minha direção. Nem passa ninguém por mim. Será que partiram de verdade ou estão brincando de pique-esconde para acentuar minha solidão geográfica? 

Não posso deixar de comparar, e de perceber, o estranho contraste entre os dias comuns e o dia de hoje, mas, aos poucos, com a chegada do sol da manhã, revejo outros solitários que, como eu, passam discretos sem se anunciar. 

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Lágrimas na chuva...


Gosto de escrever neste blog. Acredito que a internet concedeu a todos nós, acima de tudo, um espaço de liberdade onde podemos divulgar uma espécie de diário inconsequente sobre os mais diversos temas: política, amor, literatura, futebol, cinema, amizade, arte, cultura, culinária, vaidade (muita vaidade!), discordâncias, desacertos, conflitos e até ódios.
 
Trata-se de uma forma de comunicação efêmera, uma vez que não é palpável como o são as folhas de um livro, jornal ou revista. Na internet nenhum recorte se guarda. Na verdade, como diz uma das frases mais brilhantes do filme Blade Runner: "Um dia,  só nos restarão lágrimas na chuva".   
 
Na internet vai tudo ficando para trás, por entre links e links de arquivos, que nunca mais se lerão. É o passado ficando no passado. E viva o presente e  o seu melhor que é a liberdade de expressão e de opinião que temos na internet. Acho que é mais fácil a gente se queixar da falta de responsabilidade dos que escrevem na internet do que da falta de liberdade. Melhor assim.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

O que a sociedade nos reserva?


 
«A palavra senior vem do latim senex, que quer dizer idoso, velho, que passou de moda. O que nos acontece, atrizes dos 60, 70 e 80 anos, é que passámos de moda, causamos enfado. O tempo destrói tudo e também a beleza, a sagacidade, a agilidade e, como em todas as outras mulheres, a pele fica sem viço, a cintura aumenta, os lábios murcham. Mesmo que permaneçamos atentas, argutas, capazes, somos rejeitadas e as oportunidades são menores porque, obviamente, os contratadores não nos consideram lucrativas e, como é sabido, o valor maior do sistema vigente é o do negócio. O que nos acontece não difere em nada do que sucede aos outros cidadãos, homens e mulheres, com mais alguma idade: nada se lhes reserva, não somos respeitados e a vida é, por vezes, indigna. Nas peças de teatro, nos trabalhos televisivos, no cinema, as intervenções que nos são atribuídas servem de um modo geral para compor ou enquadrar enredos que sempre pertencem aos jovens, cada vez mais jovens, cada vez mais belos, cada vez mais concorrenciais e comerciais. Não penso que haja propriamente discriminação em relação ao gênero. O que sei é que nós, mulheres em especial, não fomos informadas de que para ser artista também era preciso saber gerir a vida e que isso era o mais difícil, porque era um território de sobrevivência atribulada. E assim ficamos vulneráveis e inseguras porque o nosso trabalho é, no fundo, considerado irrelevante e sem préstimo para esta sociedade».
 
O testemunho, que considero notável e verdadeiro, foi escrito pela atriz portuguesa Maria Emília Correia (que aparece na foto) para um jornal de Portugal. Acredito que está aí a principal explicação para a busca insana que muitas mulheres fazem pela juventude, mesmo ao custo de dietas doentias e de processos cirúrgicos de altíssimo risco e efeito duvidoso. Sinto na própria pele que a rejeição social a tudo que é velho tem sido inevitável, injusta e incompreensível.