segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Prezados Prefeitos!


Prezados prefeitos eleitos,

Prezadas prefeitas eleitas,

Não se esqueçam que o Brasil tem carência de engenheiros, cientistas e pesquisadores. Não gera tecnologia própria em quase nenhum setor. Na verdade, o trabalhador brasileiro tem a escolaridade média dos países mais pobres do planeta. Parcela significativa de adolescentes brasileiros de 15 anos não consegue escrever um bilhete nem fazer um cálculo que não seja adição. 

Melhoramos em muitos aspectos sim, mas há muito a fazer. Metade dos domicílios está sem acesso a esgoto. E a violência cresceu demais nos últimos anos. No período de 2011 a 2015,  278.839 brasileiros foram vítimas da violência, número superior aos 256.124 mortos no conflito da Síria. Em cinco anos, nosso País teve mais assassinatos que a Síria. 

A insegurança impede a cidadania. Prefeitos devem participar sim, por meio da organização e do treinamento de guardas municipais, da luta contra o aumento da criminalidade e no combate às drogas ilícitas. Ninguém está dispensado de participar da guerra contra a violência. 

A vida das pessoas não está nada fácil. O trânsito anda infernal e a espera exaspera.

O melhor caminho é investir em Educação e fazer reformas para combater o desperdício e a corrupção. As máquinas públicas podem e devem prestar bons serviços de Saúde e Educação, além de investir em programas que gerem emprego e renda. Um bom ambiente nas cidades vai melhorar, com certeza, o futuro de todos. 

A desigualdade é o mal a enfrentar. Em todos os momentos e em todas as áreas. Cidade nenhuma será boa para os visitantes se não for boa para seus moradores. Os melhores prefeitos são próximos, vão à feira, ao posto de saúde e visitam as escolas e as obras de saneamento. Ser prefeito é ser uma espécie de irmão mais velho do cidadão. 

Muitas coisas estão sendo feitas na área social, conforme atestam os resultados do IBGE, mas há muito trabalho a fazer. Coisa boa de comemorar, por exemplo, é a queda da desigualdade. O índice de Gini vem continuamente caindo no Brasil, mas o ritmo é muito lento. Prefeitos e prefeitas podem acelerar esta queda com coragem, força e perseverança. 

Uma pessoa pode mover para melhor o mundo de outras pessoas, se souber mover direito. A prefeitura é a instância de poder mais próxima das pessoas. Essa proximidade faz do prefeito o vizinho que pode acudir na hora do aperto e ajudar os que dependem do poder público para garantir a sobrevivência. Espero que cuidem dos aflitos, os que mais precisam de cuidados. 

Como minha formação é na área da imprensa, não posso encerrar sem uma palavra a respeito: informem as pessoas. O exercício da vida pública exige transparência e implica tolerância com a liberdade de opinião dos outros, uma das condições da vida democrática. Ouçam as críticas com interesse e paciência. Em algumas vezes, quem critica pode ajudar até mais do que o pessoal que só bajula.


É isso, muita obrigada pela atenção,

Vanda Célia, cidadã brasileira

sábado, 22 de outubro de 2016

Aos filhos, por Jorge Sena

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso.
É possível, porque tudo é possível, que ele seja
aquele que eu desejo para vós. Um simples mundo,
onde tudo tenha apenas a dificuldade que advém
de nada haver que não seja simples e natural.
Um mundo em que tudo seja permitido,
conforme o vosso gosto, o vosso anseio, o vosso prazer,
o vosso respeito pelos outros, o respeito dos outros por vós.
E é possível que não seja isto, nem seja sequer isto
o que vos interesse para viver. Tudo é possível,
ainda quando lutemos, como devemos lutar,
por quanto nos pareça a liberdade e a justiça,
ou mais que qualquer delas uma fiel
dedicação à honra de estar vivo.
Um dia sabereis que mais que a humanidade
não tem conta o número dos que pensaram assim,
amaram o seu semelhante no que ele tinha de único,
de insólito, de livre, de diferente,
e foram sacrificados, torturados, espancados,
e entregues hipocritamente â secular justiça,
para que os liquidasse «com suma piedade e sem efusão de sangue.»
Por serem fiéis a um deus, a um pensamento,
a uma pátria, uma esperança, ou muito apenas
à fome irrespondível que lhes roía as entranhas,
foram estripados, esfolados, queimados, gaseados,
e os seus corpos amontoados tão anonimamente quanto haviam vivido,
ou suas cinzas dispersas para que delas não restasse memória.
Às vezes, por serem de uma raça, outras
por serem de urna classe, expiaram todos
os erros que não tinham cometido ou não tinham consciência
de haver cometido. Mas também aconteceu
e acontece que não foram mortos.
Houve sempre infinitas maneiras de prevalecer,
aniquilando mansamente, delicadamente,
por ínvios caminhos quais se diz que são ínvios os de Deus.
Estes fuzilamentos, este heroísmo, este horror,
foi uma coisa, entre mil, acontecida em Espanha
há mais de um século e que por violenta e injusta
ofendeu o coração de um pintor chamado Goya,
que tinha um coração muito grande, cheio de fúria
e de amor. Mas isto nada é, meus filhos.
Apenas um episódio, um episódio breve,
nesta cadela de que sois um elo (ou não sereis)
de ferro e de suor e sangue e algum sémen
a caminho do mundo que vos sonho.
Acreditai que nenhum mundo, que nada nem ninguém
vale mais que uma vida ou a alegria de té-1a.
É isto o que mais importa - essa alegria.
Acreditai que a dignidade em que hão-de falar-vos tanto
não é senão essa alegria que vem
de estar-se vivo e sabendo que nenhuma vez alguém
está menos vivo ou sofre ou morre
para que um só de vós resista um pouco mais
à morte que é de todos e virá.
Que tudo isto sabereis serenamente,
sem culpas a ninguém, sem terror, sem ambição,
e sobretudo sem desapego ou indiferença,
ardentemente espero. Tanto sangue,
tanta dor, tanta angústia, um dia
- mesmo que o tédio de um mundo feliz vos persiga -
não hão-de ser em vão. Confesso que
muitas vezes, pensando no horror de tantos séculos
de opressão e crueldade, hesito por momentos
e uma amargura me submerge inconsolável.
Serão ou não em vão? Mas, mesmo que o não sejam,
quem ressuscita esses milhões, quem restitui
não só a vida, mas tudo o que lhes foi tirado?
Nenhum Juízo Final, meus filhos, pode dar-lhes
aquele instante que não viveram, aquele objecto
que não fruíram, aquele gesto
de amor, que fariam “amanhã”.
E por isso, o mesmo mundo que criemos
nos cumpre tê-lo com cuidado, como coisa
que não é nossa, que nos é cedida
para a guardarmos respeitosamente
em memória do sangue que nos corre nas veias,
da nossa carne que foi outra, do amor que
outros não amaram porque lho roubaram.

Jorge de Sena
Carta a meus filhos
Sobre os fuzilamentos de Goya

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Tolerância

A democracia é para todos e a culpa é dos gregos, não há o que fazer a respeito. Por essa razão tenho certa birra daqueles que proclamam a democracia como se fossem donos dela, mas na hora do voto na urna preferiam que só eles (e os que pensam como eles) pudessem votar. Tem gente assim em todas as correntes de opinião. Para identifica-los basta prestar atenção naqueles que vivem criticando as opções de voto dos outros quando a democracia indica um caminho contrário ao que desejavam. A boa notícia é que existe cura para este mal: tolerância. Sim, tolerância. A democracia é para todos. É chato, mas é assim que é. E assim deve ser.

terça-feira, 4 de outubro de 2016

Nevoeiro, Fernando Pessoa

NEVOEIRO

Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
define com perfil e ser
este fulgor baço da terra
que é Portugal a entristecer –
brilho sem luz e sem arder,
como o que o fogo-fátuo encerra.

Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ância distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...
É a Hora!
Fernando Pessoa

domingo, 2 de outubro de 2016

Declaração de voto


Meu candidato à Presidência da República em 2018 deve ousar contrariar o centrismo dominante, o direitismo reacionário e o esquerdismo ultrapassado. E que Deus me livre e guarde de quem busca a política para renegar a política. Nossos erros já duram demais. Fora da política não há solução política.
Gostaria de ler programa conjugando valores conservadores (trabalho & propriedade) e liberais (menos impostos, menos poder sindical) com forte inclusão social. Gostaria também de ouvir um candidato dizendo «os nossos amigos norte-americanos» com altivez, sem ironias e provocações inócuas, mas, sobretudo, sem ser servil e obediente. 

A política externa deveria ser prudente e corajosa, incluindo temas da imigração e da segurança. E todo o seu sentido deve ser no combate à desigualdade. A desigualdade é um tema que não deve ser monopólio dos setores radicais, nem reclama respostas radicais, mas exige saídas responsáveis e imediatas, de curto e médio prazo.

Defenderei um candidato com a retórica da grandeza(compatível com a nossa geografia) que tenha coragem para respirar autoridade, sem abraçar o atraso, o autoritarismo e a  truculência. Que abrace ideias novas ou esquecidas, mas que renegue e abomine a violência, a criminalização dos pobres e dos que precisam do Estado.

Lamentavelmente, setores de centro, incluindo o centro-esquerda, e quase todos os campos à direita, adotam a onda da não-política. Levam em conta que a população, nessa altura, só quer as delícias da televisão e do consumismo. E acham que podem levar vantagem porque a maioria dá sinais que abandonou os discursos ideológicos baseados em análises datadas.

Á esquerda, prevalece a derrocada dos líderes, quase todos suspeitos de corrupção, enriquecimento ilícito e desvios de verbas públicas. Sobre este momento dos setores de esquerda cumpre dizer, honestamente, o seguinte: se renovar, abandonando seu principal e único líder, Lula, acaba. Se não se renovar, acabará do mesmo modo.

Finalmente gostaria de dizer que não estou aqui pregando o fim de nenhum partido, nem pretendo a renovação dos conservadores. Já disse e repito: escrevo aqui apenas o que penso, defendendo as minhas ideias, e não tenho qualquer outra ambição que não essa.

Leonard Cohen

Invísivel esta noite
Sou invisível esta noite
só algumas mulheres tímidas me vêem
em todos os meus odiosos dias de visibilidade
ansiei pelo sorriso delas
agora elas debruçam-se dos seus tristes
planos-para-logo-à-noite
para que nos saudemos uns aos outros.
Irmãs
irmãs do meu povo destroçado
que seguem amantes de terceira escolha
elas sorriem para mim dizendo
que nunca nos encontraremos
enquanto permitirmos que
continue este estado de coisas
em que somos nós os miseráveis

Leonard Cohen