quarta-feira, 29 de abril de 2009

DOIS POEMAS DE LEDO IVO


A Passagem

Que me deixem passar - eis o que peço diante da porta ou diante do caminho.

E que ninguém me siga na passagem.

Não tenho companheiros de viagem nem quero que ninguém fique ao meu lado.

Para passar, exijo estar sozinho, somente de mim mesmo acompanhado.

Mas caso me proíbam de passar por seu eu diferente ou indesejado

mesmo assim eu passarei.

Inventarei a porta e o caminho e passarei sozinho.


A Queimada

Queime tudo o que puder : as cartas de amor as contas telefônicas

o rol de roupas sujas, as escrituras e certidões,

as inconfidências dos confrades ressentidos, a confissão interrompida,

o poema erótico que ratifica a impotência e anuncia a arteriosclerose,
os recortes antigos e as fotografias amareladas.

Não deixe aos herdeiros esfaimados nenhuma herança de papel.
Seja como os lobos : more num covil

e só mostre à canalha das ruas os seus dentes afiados.

Viva e morra fechado como um caracol.

Diga sempre não à escória eletrônica.
Destrua os poemas inacabados, os rascunhos, as variantes

e os fragmentos que provocam o orgasmo tardio dos filólogos e escoliastas.

Não deixe aos catadores do lixo literário nenhuma migalha.

Não confie a ninguém o seu segredo.

A verdade não pode ser dita.

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