terça-feira, 28 de abril de 2009

DE TUDO FICA UM POUCO...



Carlos Drummond de Andrade

"Fica um pouco de teu queixo no queixo de tua filha.
De teu áspero silêncio um pouco ficou, um pouco
nos muros zangados, nas folhas, mudas, que sobem.
Ficou um pouco de tudo no pires de porcelana,
dragão partido, flor branca,
ficou um pouco de ruga na vossa testa, retrato.
(...) E de tudo fica um pouco.
Oh abre os vidros de loção e abafa
o insuportável mau cheiro da memória".
No meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra.Nunca me esquecerei
desse acontecimento na vida
de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra.
Tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.

Poema de sete faces
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra disse:
Vai, Carlos! ser gauche na vida.
As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.
O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas, pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus,
pergunta meu coração.
Porém meus olhos não perguntam nada.
O homem atrás do bigode é sério, simples e forte.
Quase não conversa. Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.
Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.
Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo,
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
Eu não devia te dizer mas essa lua,
mas esse conhaque botam a gente
comovido como o diabo.
Quadrilha
João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria
que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém.
João foi para o Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história."

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