domingo, 3 de agosto de 2014

Obama: política e religão

 
 
Depois de séculos de desavenças na política entre laicos, por vezes ateus e os religiosos, penso que alguma coisa acabará mudando nesse tipo de debate em razão do comportamento inovador de Obama nas duas corridas vitoriosas que empreendeu nos Estados Unidos. Obama falou sobre religião no calor da primeira disputa e ao final da segunda. Manifestou-se como crente em Deus, mas disse não ser partidário ou representante de nenhuma igreja.

Sem usar politicamente a relação de proximidade com a fé, deixou claro que não era ateu, mas manteve o distanciamento pessoal, ou seja, não virou personagem da religião. Afinal, assinalou, era candidato a presidente dos EUA e não a pastor de almas. Obama, como é hábito nas campanhas eleitorais nos EUA, se declarou cristão, mas protegeu a sua fé de uma dimensão pública. E inovou ao invocar, em pé de igualdade, a mensagem de amor de todas as religiões do mundo. Com isso, recuperou, de alguma maneira, a retórica quase universalista dos filhos de Abraão.

Ele converteu-se já adulto, não pela catequese ou por revelação, mas pelo contato com as obras sociais das Igrejas de Chicago. Esta maneira de chegar à fé facilitou sua teologia política. O seu pós-secularismo ecumênico permite-lhe falar de um Deus de todas as pessoas e não necessariamente naquele em que o cidadão Barack Obama acredita. E isso parece ter sido satisfatório para a maioria dos eleitores norte-americanos, incluindo os que não acreditam em Deus nenhum.

Sem defender a ideia dos laicos e ateus, que almejam separar a religião do Estado, e ao contrário dos religiosos, que buscam fazer uso maniqueísta de Deus, Obama adotou a seguinte linha: o Estado deve assimilar todas as Igrejas. A teologia política de Obama, porque é disso que se trata, busca fazer da religião um instrumento de política do Estado. Não é a fá particular do cidadão Obama que está em jogo.

Claro que ao falar para o Deus de todas as pessoas, Obama busca extrair dividendos eleitorais, mas não custa reconhecer que essa posição é um avanço em relação ao que estamos acostumados a ver por aí com candidatos sendo fotografados rezando, em procissões ou até recebendo o sacramento da comunhão. Obama, pelo menos, não tentou tirar proveito de algo íntimo e pessoal como sua fé religiosa.

Obama não quer invocar nenhuma Igreja que se julgue detentora da verdade sobre Ele, mas aliar-se a todas as Igrejas. Esta política joga muito bem com a estratégia de renascimento religioso ensaiada por grandes Igrejas nos anos 70, quando transferiram o primeiro passo da sua evangelização da catequese para a educação e as obras sociais. A aliança entre esta estratégia de evangelização e a política pós-secular é duradoura e tem sido profícua.

O Estado encontrou parceiros e intermediários fortes. A Igreja encontrou um modo de convivência com a política sem discussão sobre Deus e o Estado. O Estado não pede aos prestadores de serviços sociais que não doutrinem. As Igrejas co-financiam o Estado e chegam aos locais onde ele não consegue ou não tenta chegar. Obama repete assim uma aposta que dá certo na Inglaterra e na grande maioria dos países europeus.

Antes de Obama, apenas o inglês Tony Blair havia encarnado posição semelhante ao deixar claro que era cristão, era crente em Deus, mas não devotava adesão a nenhuma igreja. 

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