quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Oscar Niemeyer e a grandeza das cortinas de concreto






Conheci Oscar Niemeyer em Juiz de Fora, no último ano da faculdade de Jornalismo. Ele aceitou convite dos alunos de Engenharia da UFJF para ser paraninfo, mas a reitoria exigiu que apresentasse um currículo. Claro que a exigência absurda virou um escândalo, que Niemeyer foi paraninfo do mesmo jeito e que a cidade inteira considerou a turma da reitoria equivocada e mesquinha, para dizer o mínimo.  

Oscar Niemeyer era solar e inspirado. “Não é o ângulo reto que me atrai, nem a linha reta, dura, inflexível, criada pelo homem. O que me atrai é a curva livre e sensual, a curva que encontro nas montanhas do meu país, no curso sinuoso dos seus rios, nas ondas do mar, no corpo da mulher preferida. De curvas é feito todo o universo, o universo curvo de Einstein”. Com este belíssimo texto, ele abriu o discurso de uma hora que fez os alunos.

Eu era estagiária do jornal Diário Mercantil, o mais lido da cidade. Por sorte fui escalada para a cobertura do evento e fiquei na fila do gargarejo. Niemeyer falava e, ao mesmo tempo, desenhava. Ao final de cada desenho, deixava o papel escorregar para a platéia. As pessoas passaram a disputar com avidez e interesse os desenhos oferecidos de forma tão gentil e inesperada.

De todos os presentes naquele auditório devo ter sido a primeira a vir morar em Brasília. E a maioria que vem para Brasília parece ter, além de um mesmo destino, uma mesma atitude com a cidade: passa a amar a arte de Niemeyer sobre todas as coisas, mas fica procurando defeitos em tudo. Impliquei com o prédio do Congresso que me parecia (e parece até hoje) um navio encalhado com duas velas brancas implorando ajuda ao céu indiferente do cerrado. Navio encalhado, pensava toda a vez que descia a Esplanada.     

Morador de Brasília implica mesmo. E diz que tudo na cidade é muito bonito por fora, mas que a gente só sabe como é de verdade quando mora dentro, essas coisas. Pois é, ouvi muitas vezes esta frase e devo até tê-la repetido. Ledo engano, claro. Brasília é única e nada supera sua vasta linha de horizonte. Nada, igualmente, supera o traço do seu arquiteto.      

Proust escreveu que era preciso guardar um pouco de céu azul na nossa vida e sempre penso que até parece que ele conhecia Brasília. Já as linhas da arquitetura deixam qualquer um  maravilhado. Sem dúvida, trata-se da beleza construída mais moderna, ousada e despojada que foi feita no mundo. Então, chega o dia em que todos entendem: Niemeyer é um gênio.   

Eu já achava isso quando o vi pela segunda vez. Ele veio a Brasília orientar a reforma da catedral. Fui escalada para acompanhá-lo, como repórter do Correio Braziliense. Perguntei se ele estava pintando a Catedral de branco por religiosidade. Ele disse que religiosidade sempre esteve presente na vida dele e que seu avô jamais deixou de ir à missa aos domingos, apesar de ser ateu convicto.

Ele foi a pé da Catedral até o Congresso e o segui no meio da comitiva de políticos e jornalistas que se formou em torno dele. Em poucas ocasiões na vida me senti tão privilegiada. Aliás, sou realmente apaixonada por suas obras. Algumas têm detalhes impressionantes como as "persianas" verticais  de concreto aparente do Palácio da Justiça. Sim, cortinas de cimento tão leves que se movem com o vento, como se pudessem voar.

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