segunda-feira, 24 de outubro de 2022

OS ADULTOS SÃO CAPITALISTAS

 



(David Brooks - O Estado de S. Paulo, 08) Na faculdade eu me considerava um socialista. A melhor versão do socialismo foi definida por Michael Walter: “O que afeta a todos tem de ser resolvido por todos”. Por que temos de conviver com pobreza e desigualdade? Por que as pessoas não estão acima dos lucros?

 

O socialismo é a mais persuasiva religião secular de todos os tempos, lhe dá um ideal igualitário pelo qual você se sacrifica e dedica sua vida.

 

Contudo, minhas simpatias socialistas não sobreviveram muito tempo depois que me tornei jornalista. Rapidamente notei que as autoridades de governo que eu estava cobrindo não eram capazes de planejar a sociedade que pretendiam criar. Não porque eram ruins ou estúpidas. O mundo é simplesmente muito complicado.

 

E então compreendi que o capitalismo é realmente bom na obtenção de algo que o socialismo é realmente ruim: criar um processo de aprendizado que auxilia as pessoas a encontrarem a resposta para alguma coisa.

 

Se você quer montar uma empresa de aluguel de carros, o capitalismo tem um conjunto de sinalizações de preço e mercado e uma capacidade de resposta que vai lhe dizer que tipo de carros as pessoas querem alugar, onde colocar sua empresa, quantos veículos deve encomendar. E tem um processo competitivo impulsionado pelo lucro para incentivá-lo a aprender e inovar.


As economias socialistas planificadas – que é a propriedade comum dos meios de produção – interferem nos preços e outros instrumentos de sinalização do mercado. E suprimem ou eliminam o lucro que é o que estimula as pessoas a desejarem aprender e melhorar.

 

O padrão de vida das pessoas sempre foi achatado em toda a história até chegar o capitalismo. Desde então o número de bens e serviços disponíveis para a média das pessoas aumentou 10.000%.

 

Se você tem alguma vivência, já observou que o capitalismo produziu a maior redução da pobreza na história humana. Em 1981, 42% do mundo vivia na pobreza extrema. Hoje a porcentagem está em torno de 10%.

 

E viu que nações que instituíram reformas de mercado, como Coreia do Sul e a China de Deng Xiaoping, ficaram mais ricas e orgulhosas. Aquelas que se voltaram para o socialismo, como a Grã-Bretanha na década de 1970 e a Venezuela mais recentemente, tendem a ter mais pobres e miseráveis.

 

E se deu conta de que o meio ambiente é muito melhor em países capitalistas do que nas economias planificadas.


O Produto Interno Bruto (PIB) americano mais do que dobrou desde 1970 e o consumo de energia aumentou. As emissões de carbono per capita dos EUA registraram sua maior queda em 67 anos, em 2017.



As maiores degradações ambientais se verificam nos sistemas planificados, como a antiga União Soviética e a China comunista.

 




O Fraser Institute, um grupo de estudos direcionado para o livre mercado, realiza um ranking de países segundo dados como menos regulamentação, livre comércio, garantia de direitos de propriedade.

 

As economias mais livres do mundo são de países como Hong Kong, EUA, Canadá, Irlanda, Letônia, Dinamarca. Ilhas Mauricio, Malta e Finlândia. Nações que estão nos quatro primeiros lugares em termos de liberdade econômica têm em média um PIB per capital de US$ 36.770. No caso dos que ocupam os quatro últimos lugares o PIB per capita é de US$ 6.140. As pessoas nas economias livres têm expectativa de vida de 79,4 anos. Nas economias planificadas, de 65,2 anos.


Durante o século passado, as economias estatizadas produziram muita pobreza e escassez. E é ainda pior quando as elites políticas sabem o que você pode fazer com essa escassez. Elas a transformam em corrupção. Quando as coisas são escassas você precisa subornar agentes do governo para consegui-las. Em breve todos estão subornando. Os cidadãos percebem que o sistema inteiro é uma fraude. Um sistema que começa com um grande idealismo acaba em corrupção, desonestidade, opressão e desconfiança.



Compreendi os males do socialismo rapidamente e lentamente me tornei republicano. Meu primeiro herói econômico foi Alexander Hamilton. Ele veio para os EUA com praticamente nada e encontrou uma economia dominada por oligarcas donos de terras como Thomas Jefferson. E entendeu que a solução era tornar todos capitalistas. Criou mercados de crédito de modo que o capital fluísse e mais pessoas tivessem acesso a investimentos.


Meu outro herói é Abraham Lincoln. Proferiu mais discursos sobre bancos e projetos de infraestrutura do que sobre escravidão porque desejava propagar o capital e azeitar as rodas do comércio para que rapazes e moças como ele pudessem ascender na vida.

 

Outra grande figura americana é Theodore Roosevelt. Ele amava o dinamismo que o capitalismo desperta e sabia que às vezes é preciso limitar as corporações gigantes de modo que capitalistas menos estabelecidos consigam competir.

 

Todos esses líderes compreenderam que a resposta para os problemas do capitalismo é um capitalismo mais amplo e mais equitativo.

 

Mas o capitalismo, como todos os sistemas, sempre fica desequilibrado. Na última geração, ele produziu a maior redução da desigualdade de renda global na história. O inconveniente é que trabalhadores sem especialização nos EUA hoje competem com aqueles no Vietnã, na Índia e na Malásia. A redução da desigualdade entre as nações levou ao aumento da desigualdade nas nações ricas.

 

Além disto, os níveis educacionais não acompanharam a tecnologia. Esses problemas não são indicativos de que o capitalismo faliu. São sinais de que precisamos de um capitalismo melhor.


Necessitamos de uma injeção maciça de dinheiro e reformas nos nossos sistemas de ensino. Precisamos de programas sociais que não só subsidiem o consumo das pessoas pobres, mas sua capacidade de produzir.


Precisamos de cooperativas de trabalhadores que criem capacidades e representem o trabalhador na mesa de negociação.


Precisamos de subsídios salariais e subsídios para a mobilidade para que as pessoas possam transitar para onde houver oportunidades.


Precisamos subsidiar os impostos para a saúde de modo a tornar mais fácil para um empregado mudar de emprego. E precisamos estabelecer créditos fiscais mais altos sobre a renda auferida para dar ao trabalhador pobre a segurança financeira.

Um grande erro dos conservadores foi achar que tudo o que torna o governo mais intervencionista também torna os mercados menos dinâmicos. Não conseguimos distinguir entre o Estado que oferece suporte e o Estado regulador.


Não sei se o modelo escandinavo funcionaria em países grandes e diversificados. Mas seu sucesso aponta para algumas verdades: o Estado cria prosperidade quando seus cidadãos se tornam capitalistas e gera níveis incríveis de miséria quando interfere demais.

 

Hoje o debate real não é entre capitalismo e socialismo. Durante cem anos fizemos esses experimentos sociais e o capitalismo venceu. A discussão é entre uma versão de capitalismo democrático, como em EUA, Canadá e Dinamarca, e formas de capitalismo autoritário, como na China e na Rússia. Nossa tarefa é lograr a versão mais ampla e justa de capitalismo.


A discussão é entre uma versão de capitalismo democrático e formas de capitalismo autoritário.

 



 

segunda-feira, 6 de abril de 2020

O Mito da Caverna




O Mito da Caverna, também conhecido como Alegoria da Caverna, foi escrito por Platão na obra A República. Composta por dez livros, a República é uma obra complexa. Nela, o filósofo associa o conhecimento ao poder político. Segundo o filósofo, o modelo de política e Estado ideal é aquele em que o conhecimento da verdade profunda é propiciado apenas pelo raciocínio, o que garante ao governante uma gestão de qualidade. Ou seja, ele despreza crenças e preconceitos.

Na parte do conhecimento humano, dissertado no livro VII, é onde se encontra o Mito da Caverna. De acordo com o Mito da Caverna, ou Alegoria da Caverna, descrito por Platão, havia algumas pessoas aprisionadas em uma caverna desde a infância. Esses viviam com os braços, pernas e pescoços acorrentados, visualizando apenas as suas sombras, projetadas na parede ao fundo da caverna.

Atrás deles havia uma fogueira, na qual homens passavam perto transportando objetos e fazendo gestos. Esses refletiam em sombras (distorcidas) para os que estavam ali dentro e era o conhecimento que tinham. Logo, um dos prisioneiros conseguiu ser liberto e saiu para o mundo exterior, sendo surpreendido com a nova realidade.

Contudo, a luz solar ofuscou a visão do ex-prisioneiro, fazendo-o querer retornar a caverna. Entretanto, ele se acostumou com as novidades e a infinidade fora do mundo em que habitava. Foi quando ele percebeu que as sombras que via era apenas uma cópia imperfeita da realidade na qual acreditava.

Desse modo, 1) ele poderia voltar para caverna e libertar os demais colegas prisioneiros ou 2) permanecer vivendo a sua liberdade. A consequência da primeira opção é que poderiam chamá-lo de louco e o atacarem, mas esta é a atitude necessária, por ser a mais justa. Logo, é o que ele faz porque é o que lhe resta fazer. 

Interpretações do mito da caverna

Existem muitas interpretações que podem ser retiradas da metáfora. Algumas perspectivas, inclusive, foram inspiração para a construção de obras de artes, livros e filmes como Matrix, por exemplo. Para Platão, a caverna representa o mundo em que todos os seres humanos vivem.

E, no caso, as correntes seriam as crenças, culturas e informações obtidas no percurso da vida, fortalecedoras da ignorância que aprisiona as pessoas. Presos aos pré-conceitos e sem querer ir ao encontro de um sentido racional, se poupando de pensar e refletir, as mulheres e os homens comuns permanecem como prisioneiros.


Assim sendo, as sombras na parede e os ecos na caverna, são as ideias preestabelecidas, as opiniões erradas e o julgamento do outro que o individuo julga ser verdadeiro. Quando o ser consegue se libertar das correntes e viver o mundo exterior, aquele que vai além do juízo de valor, conquistando o conhecimento verdadeiro, ele sai da caverna. Portanto, é quando enxerga a luz solar. Essa luz seria o conhecimento verdadeiro, a razão e a filosofia.



quinta-feira, 2 de abril de 2020

A vida e o Direito: breve manual de instruções


A vida e o Direito: breve manual de instruções 
Autor: Luís Roberto Barroso 
I. Introdução


Eu poderia gastar um longo tempo descrevendo todos os sentimentos bons que vieram ao meu espírito ao ser escolhido patrono de uma turma extraordinária como a de vocês. Mas nós somos – vocês e eu – militantes da revolução da brevidade. Acreditamos na utopia de que em algum lugar do futuro juristas falarão menos, escreverão menos e não serão tão apaixonados pela própria voz.
Por isso, em lugar de muitas palavras, basta que vejam o brilho dos meus olhos e sintam a emoção genuína da minha voz. E ninguém terá dúvida da felicidade imensa que me proporcionaram. Celebramos esta noite, nessa despedida provisória, o pacto que unirá nossas vidas para sempre, selado pelos valores que compartilhamos.
É lugar comum dizer-se que a vida vem sem manual de instruções. Porém, não resisti à tentação – mais que isso, à ilimitada pretensão – de sanar essa omissão. Relevem a insensatez. Ela é fruto do meu afeto. Por certo, ninguém vive a vida dos outros. Cada um descobre, ao longo do caminho, as suas próprias verdades. Vai aqui, ainda assim, no curto espaço de tempo que me impus, um guia breve com ideias essenciais ligadas à vida e ao Direito.

II. A regra nº 1
No nosso primeiro dia de aula eu lhes narrei o multicitado "caso do arremesso de anão". Como se lembrarão, em uma localidade próxima a Paris, uma casa noturna realizava um evento, um torneio no qual os participantes procuravam atirar um anão, um deficiente físico de baixa altura, à maior distância possível. O vencedor levava o grande prêmio da noite. Compreensivelmente horrorizado com a prática, o Prefeito Municipal interditou a atividade.
Após recursos, idas e vindas, o Conselho de Estado francês confirmou a proibição. Na ocasião, dizia-lhes eu, o Conselho afirmou que se aquele pobre homem abria mão de sua dignidade humana, deixando-se arremessar como se fora um objeto e não um sujeito de direitos, cabia ao Estado intervir para restabelecer a sua dignidade perdida. Em meio ao assentimento geral, eu observava que a história não havia terminado ainda.
E em seguida, contava que o anão recorrera em todas as instâncias possíveis, chegando até mesmo à Comissão de Direitos Humanos da ONU, procurando reverter a proibição. Sustentava ele que não se sentia – o trocadilho é inevitável – diminuído com aquela prática. Pelo contrário.
Pela primeira vez em toda a sua vida ele se sentia realizado. Tinha um emprego, amigos, ganhava salário e gorjetas, e nunca fora tão feliz. A decisão do Conselho o obrigava a voltar para o mundo onde vivia esquecido e invisível.
Após eu narrar a segunda parte da história, todos nos sentíamos divididos em relação a qual seria a solução correta. E ali, naquele primeiro encontro, nós estabelecemos que para quem escolhia viver no mundo do Direito esta era a regra nº 1: nunca forme uma opinião sem antes ouvir os dois lados.
III. A regra nº 2
Nós vivemos em um mundo complexo e plural. Como bem ilustra o nosso exemplo anterior, cada um é feliz à sua maneira. A vida pode ser vista de múltiplos pontos de observação. Narro-lhes uma história que li recentemente e que considero uma boa alegoria. Dois amigos estão sentados em um bar no Alaska, tomando uma cerveja. Começam, como previsível, conversando sobre mulheres. Depois falam de esportes diversos. E na medida em que a cerveja acumulava, passam a falar sobre religião. Um deles é ateu. O outro é um homem religioso. Passam a discutir sobre a existência de Deus. O ateu fala: "Não é que eu nunca tenha tentado acreditar, não. Eu tentei. Ainda recentemente. Eu havia me perdido em uma tempestade de neve em um lugar ermo, comecei a congelar, percebi que ia morrer ali. Aí, me ajoelhei no chão e disse, bem alto: Deus, se você existe, me tire dessa situação, salve a minha vida". Diante de tal depoimento, o religioso disse: “Bom, mas você foi salvo, você está aqui, deveria ter passado a acreditar". E o ateu responde: "Nada disso! Deus não deu nem sinal. A sorte que eu tive é que vinha passando um casal de esquimós. Eles me resgataram, me aqueceram e me mostraram o caminho de volta. É a eles que eu devo a minha vida". Note-se que não há aqui qualquer dúvida quanto aos fatos, apenas sobre como interpretá-los. Quem está certo? Onde está a verdade? Na frase feliz da escritora Anais Nin, “nós não vemos as coisas como elas são, nós as vemos como nós somos”. Para viver uma vida boa, uma vida completa, cada um deve procurar o bem, o correto e o justo. Mas sem presunção ou arrogância. Sem desconsiderar o outro. Aqui a nossa regra nº 2: a verdade não tem dono.

IV. A regra nº 3
Uma vez, um sultão poderoso sonhou que havia perdido todos os dentes. Intrigado, mandou chamar um sábio que o ajudasse a interpretar o sonho. O sábio fez um ar sombrio e exclamou: "Uma desgraça, Majestade. Os dentes perdidos significam que Vossa Alteza irá assistir a morte de todos os seus parentes". Extremamente contrariado, o Sultão mandou aplicar cem chibatadas no sábio agourento. Em seguida, mandou chamar outro sábio. Este, ao ouvir o sonho, falou com voz excitada: "Vejo uma grande felicidade, Majestade. Vossa Alteza irá viver mais do que todos os seus parentes". Exultante com a revelação, o Sultão mandou pagar ao sábio cem moedas de ouro. Um cortesão que assistira a ambas as cenas vira-se para o segundo sábio e lhe diz: "Não consigo entender. Sua resposta foi exatamente igual à do primeiro sábio. O outro foi castigado e você foi premiado". Ao que o segundo sábio respondeu: "a diferença não está no que eu falei, mas em como falei". Pois assim é. Na vida, não basta ter razão: é preciso saber levar. É possível embrulhar os nossos pontos de vista em papel áspero e com espinhos, revelando indiferença aos sentimentos alheios. Mas, sem qualquer sacrifício do seu conteúdo, é possível, também, embalá-los em papel suave, que revele consideração pelo outro. Esta a nossa regra nº 3: o modo como se fala faz toda a diferença.
V. A regra nº 4
Nós vivemos tempos difíceis. É impossível esconder a sensação de que há espaços na vida brasileira em que o mal venceu. Domínios em que não parecem fazer sentido noções como patriotismo, idealismo ou respeito ao próximo. Mas a história da humanidade demonstra o contrário. O processo civilizatório segue o seu curso como um rio subterrâneo, impulsionado pela energia positiva que vem desde o início dos tempos. Uma história que nos trouxe de um mundo primitivo de aspereza e brutalidade à era dos direitos humanos. É o bem que vence no final. Se não acabou bem, é porque não chegou ao fim. O fato de acontecerem tantas coisas tristes e erradas não nos dispensa de procurarmos agir com integridade e correção. Estes não são valores instrumentais, mas fins em si mesmos. São requisitos para uma vida boa. Portanto, independentemente do que estiver acontecendo à sua volta, faça o melhor papel que puder. A virtude não precisa de plateia, de aplauso ou de reconhecimento. A virtude é a sua própria recompensa. Eis a nossa regra nº 4: seja bom e correto mesmo quando ninguém estiver olhando.
VI. A regra nº 5
Em uma de suas fábulas, Esopo conta a história de um galo que após intensa disputa derrotou o oponente, tornando-se o rei do galinheiro. O galo vencido, dignamente, preparou-se para deixar o terreiro. O vencedor, vaidoso, subiu ao ponto mais alto do telhado e pôs-se a cantar aos ventos a sua vitória. Chamou a atenção de uma águia, que arrebatou-o em vôo rasante, pondo fim ao seu triunfo e à sua vida. E, assim, o galo aparentemente vencido reinou discretamente, por muito tempo. A moral dessa história, como próprio das fábulas, é bem simples: devemos ser altivos na derrota e humildes na vitória. Humildade não significa pedir licença para viver a própria vida, mas tão-somente abster-se de se exibir e de ostentar. Ao lado da humildade, há outra virtude que eleva o espírito e traz felicidade: é a gratidão. Mas atenção, a gratidão é presa fácil do tempo: tem memória curta (Benjamin Constant) e envelhece depressa (Aristóteles). Portanto, nessa matéria, sejam rápidos no gatilho. Agradecer, de coração, enriquece quem oferece e quem recebe.
Em quase todos os meus discursos de formatura, desde que a vida começou a me oferecer este presente, eu incluo a passagem que se segue, e que é pertinente aqui. "As coisas não caem do céu. É preciso ir buscá-las. Correr atrás, mergulhar fundo, voar alto. Muitas vezes, será necessário voltar ao ponto de partida e começar tudo de novo. As coisas, eu repito, não caem do céu. Mas quando, após haverem empenhado cérebro, nervos e coração, chegarem à vitória final, saboreiem o sucesso gota a gota. Sem medo, sem culpa e em paz. É uma delícia. Sem esquecer, no entanto, que ninguém é bom demais. Que ninguém é bom sozinho. E que, no fundo no fundo, por paradoxal que pareça, as coisas caem mesmo é do céu, e é preciso agradecer". Esta a nossa regra nº 5: ninguém é bom demais, ninguém é bom sozinho e é preciso agradecer.
VII. Conclusão
Eis então as cláusulas do nosso pacto, nosso pequeno manual de instruções:
1. Nunca forme uma opinião sem ouvir os dois lados;
2. A verdade não tem dono;
3. O modo como se fala faz toda a diferença;
4. Seja bom e correto mesmo quando ninguém estiver olhando;
5. Ninguém é bom demais, ninguém é bom sozinho e é preciso agradecer.
Aqui nos despedimos. Quando meu filho caçula tinha 15 anos e foi passar um semestre em um colégio interno fora, como parte do seu aprendizado de vida, eu dei a ele alguns conselhos. Pai gosta de dar conselho. E como vocês são meus filhos espirituais, peço licença aos pais de vocês para repassá-los textualmente, a cada um, com toda a energia positiva do meu afeto:
(i) Fique vivo;
(ii) Fique inteiro;
(iii) Seja bom-caráter;
(iv) Seja educado; e
(v) Aproveite a vida, com alegria e leveza.
Vão em paz. Sejam abençoados. Façam o mundo melhor. E lembrem-se da advertência inspirada de Disraeli: "A vida é muito curta para ser pequena".


segunda-feira, 30 de março de 2020

Poesia eterna

Camões

Sete anos de pastor Jacob servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
Mas não servia ao pai, servia a ela,
E a ela só por prémio pretendia.

Os dias, na esperança de um só dia,
Passava, contentando-se com vê-la;
Porém o pai, usando de cautela,
Em lugar de Raquel lhe dava Lia.

Vendo o triste pastor que com enganos
Lhe fora assim negada a sua pastora,
Como se a não tivera merecida;

Começa de servir outros sete anos,
Dizendo: - Mais servira, se não fora
Para tão longo amor tão curta a vida.

sábado, 29 de fevereiro de 2020

Eu e os outros

Eu sempre acredito que o outro é um ser humano livre. Isso parece-me o essencial, o resto é mais ou menos acessório. Mesmo que o resto passe por um mundo de diferenças ideológicas e culturais. E reconheço nas opiniões alheias as marcas dessa liberdade.
 

Evidentemente todos somos utilizadores de máscaras, mas acho quase impossível escrever sem mostrar do que somos feito por dentro. Por dentro, as minhas urgências são, para o bem e para o mal, as minhas.
 
É isso: o que escrevo são ideias, desabafos, convicções, raivas e lamentos pessoais que quero partilhar neste pequeno espaço de poder. Discuto opiniões e atitudes, não pessoas.

 

quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

Envelhecer, como a idade pesa!

 
Assisto, mudo, enquanto eles se divertem. Talvez mais do que aquilo que dizem, é o que insinuam que magoa, e o paternalismo ácido com que dão a entender. Algumas vezes percebe-se que falam disto entre eles quando não estou, que se divertem à minha custa, que usam histórias pessoais, episódios privados, informações confidenciais se ainda houvesse confidências. Falam disto como se eu tivesse prestado provas públicas e chumbado gaguejando, como se isto tivesse acontecido para seu (deles) divertimento e proveito. Atiçam, atacam, adjectivam.
 
A ideia é sempre uma variante sobre a minha ingenuidade, jogada contra o cinismo normal de quem saia de casa em dois mil e oito. Discutem cochichando as «vantagens comparativas», há quem ria e quem suspire e pegam no meu nome como se fosse um trapo pela lama. Dizem que só eu é que não vejo a graça que isto tem, porque sou «doutro tempo» e quis avançar sem ter pé por um rio agreste, armado de «ideias» que são ideias imbecis, gastas, desconformes ao mundo. Explicam que o meu «atomismo» chega a ser de gargalhada numa sociedade que funciona em grupos, «there is a such a thing as a society», e eu com umas metáforas pífias no meio da multidão.
 
Riem, e depois riem para dentro, e o álcool sai pelas narinas, criam diminutivos, alcunhas, designações chocarreiras. Elogiam-me, como se dá um passo atrás na dança, para depois virarem o elogio contra mim, virtudes inúteis e grotescas quando ninguém precisa delas, ninguém precisa a tal ponto que deixam de ser virtudes, são sinais de nascença, que para nada servem e talvez se arranquem, nem dói muito. Utilizam os verbos no pretérito, fazem perguntas retóricas, dizem «fazias cá alguma falta» porque lhes sirvo de momo, as coisas em que esta pessoa acredita, nadar em oceanos sem sequer saber nadar em riachos, confiado na compaixão e outras estupidezes, não te vás embora que queremos rir mais um bocadinho...
 
Umas vezes usam frases cunhadas em conversas anteriores, em que eu não estava, de que eu não soube, mas em que fui dado como exemplo, dissecado nas patetices que fiz e faço e apontado como caso de loucos, «eu não estou doudo», como é que esta pessoa imaginou que alguma vez, este idiota, e serenamente acrescentam que a legalidade está reposta, que agora as coisas são como deviam, afastado o erro estatístico que fui, o motivo de gozo, o caso nunca visto.


Que eu tenha coragem de sair de casa, isso os espanta, quando estive lá tão bem durante tanto tempo, metido entre fofos lençóis, «o menino dorme, tudo o mais acabou», para quê de cara lavada sair à rua quando ainda não houve anedota melhor e as pessoas se lembram da penúltima, tudo o que vales reduzido a um facto que te reduz, a tua insignificância, a tua mania das grandezas quando és nulidade, e um tão britânico súbdito, tão atento ao ridículo, sem se aperceber do ridículo em que caía, de que não há vida privada mas vida de botequim, em que todos os teus «triunfos e encantos» são desfeitos em nada por uma frase, por um gracejo, pela simples realidade soberana dos que riem e dos que choram, a imensa alegria dos primeiros com a imensa, oh que palavra, desgraça dos segundos...
 
Há quem morra de pé e há quem morra de rastos e há quem nunca morra, pelo menos aqui, havemos de morrer mas vêm outros, que tomam os nossos lugares, de ti fazemos memória se o teu nome ainda durar, improvável isso, tudo o que construíres de dia será desfeito de noite, tens direito também a uma penélope, mas ver sem tocar, ver sem tocar, quando não houver quem dance ainda há a dança e o nosso riso e escárnio porque tu quiseste entrar onde não pertences, e o teu fracasso é de entre todos os folguedos o que mais diverte.
 
Vai embora, com teus aforismos e ameaças, boa noite querido príncipe que assim te julgas ainda, sangue azul no teu sangue escarlate, enobrecido talvez pela queda do cavalo, boa noite, boa noite doce príncipe, sem tu perderes como saberíamos nós que somos os vitoriosos?

sábado, 18 de janeiro de 2020

Feminismo

Feminismo: um nome ainda novo

1- Os primeiros passos do feminismo foram dados no sentido de se reivindicar a igualdade formal entre homens e mulheres. Caminho aparentemente óbvio, sobretudo na época em que nasceu (o período da Revolução Francesa e das suas proclamações igualitárias), mas que a breve trecho se veio a revelar particularmente sinuoso. Três exemplos demonstram como este foi, historicamente, um percurso minado.
 
Olympe de Gouges é o primeiro caso. Glosando a Carta dos Direitos do Homem e do Cidadão, Olympe escreve, em 1791, uma Carta dos Direitos da Mulher e da Cidadã, na qual defende a igualdade entre homens e mulheres no domínio público e privado. A ousadia da francesa foi severamente punida: a 3 de Novembro de 1793, Olympe de Gouge é guilhotinada. A República proclamava a universalidade dos direitos mas não podia tolerar que as mulheres deles usufruíssem.
 
Durante o século XIX, a revolução industrial, com o consequente abandono dos campos e o crescimento do proletariado, empurrou as mulheres para o mercado de trabalho. É no contexto das duras condições de trabalho existentes nesta altura que vamos encontrar o segundo exemplo. A 8 de Março de 1857, as operárias têxteis de uma fábrica de Nova Iorque entram em greve, exigindo a redução do horário de 16 para 10 horas. Recebiam, pelo mesmo trabalho, um terço do ordenado dos homens. Fecham-se na fábrica, onde entretanto é declarado um incêndio. Cento e vinte e nove tecelãs morrem queimadas. A carga dramática do acontecimento fez com que, alguns anos depois, a data fosse escolhida para comemorar o Dia Internacional da Mulher.
 
Nos primeiros anos, a comemoração serviu, essencialmente, para se reclamar o direito de voto e de participação das mulheres nas instâncias públicas. Esta atitude política, que ficou na história com o nome de «sufragismo», foi dando lentamente os seus frutos. Muito lentamente, por vezes. Se em alguns países as mulheres acedem com razoável rapidez ao voto – Nova Zelândia (1893), Austrália (1901), Finlândia (1906), Noruega (1913), Dinamarca e Islândia (1915), Rússia e Holanda (1917) – noutros lugares a caminhada foi mais longa. Em Itália e França o voto feminino chega em 1945 e na Suíça em 1971.
 
Em vários países, como Portugal, o sufragismo também fez o seu caminho. Chega-se assim ao terceiro exemplo, o exemplo caseiro de como o trajeto da paridade não foi (não é) fácil nem consentido. Em 1911, Carolina Beatriz Ângelo, escudando-se numa leitura alternativa da Constituição, que permitia o voto aos «cidadãos portugueses com mais de 21 anos, que soubessem ler e escrever e fossem chefes de família», invoca a sua condição de «chefe de família» e obriga os tribunais a deixarem-na votar.
 
A médica votou mas o gesto acabou por não se multiplicar. Em 1918, ainda durante a I República, a Constituição é alterada de modo a que apenas fossem eleitores os «cidadãos do sexo masculino». Apesar das sucessivas aberturas que a lei foi proporcionando, só na sequência da nova conjuntura proveniente do 25 de Abril de 1974, homens e mulheres adquiriram iguais direitos políticos.
 
2. Após a segunda guerra mundial, o feminismo ressurgiu com vigor redobrado, sob a influência de obras como O segundo sexo (1949) da francesa Simone de Beauvoir e A mística feminina (1963) da americana Betty Friedan. Nesta segunda vaga do feminismo, consolidada no contexto das fortes mutações políticas e culturais que atravessam os anos sessenta e setenta, já não se tratava de conquistar direitos civis para as mulheres, mas antes de descrever a sua condição de oprimidas pela cultura masculina, de revelar os mecanismos psicossociais dessa marginalização e de projectar estratégias capazes de proporcionar às mulheres uma libertação integral, que incluísse também o corpo e os desejos. A interrupção voluntária da gravidez, a radical igualdade nos salários e o acesso a postos de responsabilidade são outras das reivindicações do novo movimento feminista.
 
Muitos dirão que estas batalhas, com quase meio século, estão hoje ultrapassadas. Talvez não seja bem assim. As múltiplas questões ligadas aos direitos sexuais e reprodutivos, que afetam predominantemente as mulheres, continuam a encontrar resistências a vários níveis.
 
No plano laboral, o género feminino continua a ser descriminado: o Lobby Europeu das Mulheres alertava, em 2001, para o facto de, na União Europeia, elas ganharem em média 76% do salário pago aos homens pelo mesmo trabalho. Ao nível dos processos de decisão, subsiste uma série de «telhados de vidro» que impede o acesso feminino aos lugares de maior poder. No domínio da conciliação entre vida profissional e vida familiar, a mentalidade dominante ainda estipula que sejam elas a assumir o grosso das tarefas domésticas, situação confirmada num estudo recente, coordenado por Lígia Amâncio, que concluiu que as mulheres trabalham em casa, por semana, mais 19 horas do que os homens. Daí resulta uma maior dificuldade em dispor de tempo para dedicar ao trabalho, à formação, ao estudo ou ao lazer.
 
Este olhar impressivo mostra como, apesar dos constantes anátemas, o ideário feminista permanece atual. Com outros conteúdos, sem dúvida, mas com a mesma motivação: a tal que era proclamada pelos assassinos de Olympe de Gouges.
 
Texto do blog Passado/Presente - a construção da memória contemporânea 
 

quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

A elegância é eterna, por João Pereira Coutinho

Fazer dieta é uma declaração de guerra à nossa humanidade imperfeita e mortal    
 
Estou em dieta há dois meses. A minha vida já não faz sentido. No início, tomado por um heroísmo absurdo, fiz um corte abrupto em certos venenos corporais. Passou uma semana. Passaram duas.
Na terceira, como acontece a certos mutilados de guerra, comecei a sentir as minhas dores fantasmagóricas nas pupilas gustativas. O vinho. 
O chocolate. Os doces. Sonhava com eles, acordava sem eles.
É este o principal problema da dieta: podemos nos afastar das tentações, mas as tentações, em representação mental, maquinal, infernal, nunca se afastam de nós.
Ilustração de quatro pessoas nuas com sobrepeso em vermelho e preto. A primeira é uma pessoa de perfil. A segunda está de frente, com o rosto virado para o lado e uma mão no ombro. A terceira está deitada se servindo com um cacho de uvas. A quarta é uma pessoa sentada com a cabeça apoiada em uma das mãos
Angelo Abu/Folhapress
Caminhando por uma rua de Lisboa, passei por uma pastelaria. Parei dois segundos, só para respirar aquele ar —uma mistura de ovos, açúcar, frutas secas. Continuei a minha caminhada, chorando como um órfão de Dickens. Fazer dieta em certos países, como na Inglaterra, pode ser uma bênção. Em Portugal, ou no Brasil, é uma mortificação pessoal.
E para que tanto esforço? Por que motivo desprezamos tão intensamente a figura simpática do bom velho gordo?
A história é antiga, explica Christopher E. Forth em obra que me acompanha durante o exílio. Intitula-se “Fat: A Cultural History of the Stuff of Life” e serve para acabar com a ilusão de que gordura é formosura. Ou, pelo menos, foi um dia.
Nunca foi. Os gordos têm vários séculos de cultura a conspirar contra eles. Para os gregos, que legaram ao mundo as formas corporais perfeitas que ainda hoje são padrão de beleza, o problema da gordura não era apenas estético; era intelectual. Quem se deixa dominar pelos apetites abandona a luz cristalina da razão.
A ligação primordial estava feita entre possuir um corpo generoso e ser comandado por uma cabeça bestial, no sentido animalesco da palavra.
Com o cristianismo, pouco mudou. Como adorar a Deus e, ao mesmo tempo, adorar os prazeres materiais que existem cá em baixo?
São incontáveis os pais da Igreja para quem um corpo rotundo asfixiava literalmente a alma, impedindo o crente de se elevar até aos céus. Jesus, que se saiba, era magro. As representações que nos chegaram do filho de Deus denunciam uma elegância que, antes de ser física, é sobretudo metafísica.
Poderia pensar-se que, depois da Idade Média, a guerra ao corpo abrandaria. E que a modernidade, com o aburguesamento correspondente, revalorizasse as formas circulares.
O problema é que o Renascimento é assim chamado por procurar reviver os valores clássicos. Na estatuária, na pintura, na filosofia. E na desconfiança espartana perante os gordos. Na sua “A Cidade do Sol”, Tommaso Campanella propunha a eliminação da espécie, seguindo as práticas viris e militares da antiga Esparta.
Mas foi nos séculos 18 e 19 que a hostilidade ao gordo se cristalizou. Sobretudo por contraposição aos ideais de beleza de povos não ocidentais (e não brancos) que passaram a ocupar a atenção, e a inquietação, do homem ocidental.
Na África ou na Ásia, os corpos generosos eram a prova evidente de que o gosto não era uniforme. Mas os ocidentais, sem surpresas, não aplaudiram esse pluralismo estético.
Com a soberba própria dos elegantes, trataram de ver naquelas proporções um sinal de barbarismo e, palavra terrível, uma ameaça de degeneração para a raça branca. O resto da história é tragicamente conhecido.
Hoje, a guerra à gordura pode ser justificada com critérios mais científicos. A saúde, sim, sempre a saúde, essa deusa pagã perante a qual todos nos curvamos.
Mas o livro notável de Christopher E. Forth serve para vermos como a lipofobia (o medo da gordura) participa de uma raiz comum: uma vontade utópica de transcender a matéria e alcançar uma espécie de perfeição etérea, acima das contingências. Sempre assim foi.
A dieta, nesse sentido, não é uma declaração de guerra à gordura. É uma declaração de guerra à nossa humanidade imperfeita e mortal. 
Valerá a pena?
No livro, Forth revisita as hilariantes discussões dos doutores da Igreja sobre o estado do corpo no momento da ressurreição. Quando isso acontecer, teremos a mesma fisionomia que tivemos em vida?
Ou haverá, digamos, uma lipoaspiração celestial para que possamos enfrentar a eternidade mais leves e sorridentes?
Santo Agostinho tranquilizou os crentes: quando entrarmos no paraíso, teremos o corpo que sempre desejamos ter.
Obrigado, meu sábio de Hipona. Era só o que eu precisava escutar para entrar na pastelaria.
João Pereira Coutinho
Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

Viva a Liberdade e a Irreverência!


Globo de Ouro: Ricky Gervais mostra ao mundo o que significa liberdade e irreverência  

Desde que John Lennon,há 50 anos,mandou a família real balançar as joias nunca tanta gente endinheirada e privilegiada foi obrigada,em solenidade pública,a sorrir c/tanto constrangimento como aconteceu no Globo de Ouro/2020. O discurso do apresentador Ricky Gervais foi demolidor. Desde que John Lennon,há 50 anos,mandou a família real balançar as joias nunca tanta gente endinheirada e privilegiada foi obrigada,em solenidade pública,a sorrir c/tanto constrangimento como aconteceu no Globo de Ouro/2020. O discurso do apresentador Ricky Gervais foi demolidor. Desde que John Lennon,há 50 anos,mandou a família real balançar as joias nunca tanta gente endinheirada e privilegiada foi obrigada,em solenidade pública,a sorrir c/tanto constrangimento como aconteceu no Globo de Ouro/2020. O discurso do apresentador Ricky Gervais foi demolidor.
Há muitos e muitos anos anos não se via nada igual. Desde que John Lennon, há 50 anos, mandou a família real balançar as joias - em lugar de bater palmas - nunca tanta gente endinheirada e privilegiada foi obrigada, em solenidade pública, a sorrir amarelo com tamanho constrangimento como aconteceu na edição do Globo de Ouro na madrugada deste dia 6 de janeiro de 2020.

O discurso do apresentador Ricky Gervais foi demolidor. Valeu demais ver alguém com coragem e talento, na maior rede de televisão do planeta, mostrar ao mundo o que significa de fato uma mente livre e irreverente. Achei sensacional. Veja no link: Ricky Gervais kicks off The #GoldenGlobes. pic.twitter.com/ZSdqiWMudx

As celebridades mais poderosas do planeta, que nas noites de gala fazem discursos políticos foram obrigadas a engolir o “cala-boca” de Ricky Gervais. Ele foi duro: vocês não sabem de nada, não conhecem a vida real, não estudaram e não têm nada a dizer ao povo. “Doem dinheiro para a Austrália, embebedem-se e… desapareçam!” ele arrematou, ao fim da cerimônia.

Antes, no monólogo inicial de oito minutos, o apresentador não deixou ninguém esquecer os crimes de pedofilia da Igreja Católica. “Foi um grande ano para filmes sobre pedófilos: ‘Surviving  Kelly’, o ‘Leaving Neverland’ e o ‘Two Popes’, afirmou. Houve farpas à longa duração do filme “Irishman”, comparações entre o ator Joe Pesci e o Baby Yoda, provocações à Netflix, e tiradas contra o politicamente correro.

“A Hollywood Foreign Press é muito racista. Íamos fazer um in memoriam, mas depois vi a lista dos que morreram, não era diversificada o suficiente, basicamente era tudo branco, então disse-lhes que não deviam fazer”, ironizou.

Ao lembrar o suposto suicídio de Jeffrey Epstein, o multimilionário norte-americano, envolvido numa rede de pedofilia, o apresentador olhou a plateia e provocou: “Eu sei que é vosso amigo, mas eu não quero saber”. A resposta foi um “oooh” constrangido e desconforto geral, mas não houve resposta por uma razão que me parece clara: tudo que Ricky Gervais disse é verdade. 

terça-feira, 31 de dezembro de 2019

Feliz Ano Novo!

 
Mais igualdade. 
Mais respeito pelo colega do lado, mas também pela pessoa que não conhecemos e que está do outro lado.
Mais empatia (muito mais empatia).
Mais generosidade.
Menos preconceito (muito menos preconceito)
Mais tolerância (muito mais tolerância).
Menos agressividade.
Mais mulheres e maior pluralidade de nacionalidades, contextos culturais, opiniões e religiões em todos os lugares do planeta.
Mais tempo longe do celular, por favor!      
Desejo ainda que o mundo seja melhor, mas que nós o sejamos também: melhores pessoas, melhores amigos, melhores profissionais, melhores familiares. Melhores gestores da nossa vida, das nossas emoções, do nosso conhecimento e das nossas competências.
Feliz Ano Novo!
Ilustração e inspiração em texto do jornal O Observador