Daniel Piza não era meu amigo. Pelo menos não o era no sentido convencional em que costumamos usar a palavra amizade. Tínhamos crenças diferentes, idades diferentes, amigos diferentes, hábitos e experiências profissionais diferentes. Trocávamos e-mails em algumas ocasiões, mas não chegamos a nos ver sequer uma vez nesta vida. Não me atrevo a invocar nenhum tipo de intimidade que, na verdade, nunca tivemos. No entanto…
No entanto poucas pessoas mexeram tanto com as minhas emoções no decorrer destes últimos anos. Poucas souberam comover-me mais. À distância, mas com presença diária em minha vida desde 2006, quando passou a assinar um blog no Estadão. No começo, era correspondente na Copa do Mundo e escrevia textos deliciosos de seis, no máximo, oito linhas.
Uma vez, falou sobre um garoto francês que não se importava com o time de Zidane, mas chorava nos treinos da nossa seleção. Coisas do jogo bonito do Brasil, pontuou Daniel, o patriota. Igual aos outros na paixão pela camisa, ele era diferente no conteúdo sofisticado dos textos diários.
Manjava de bola e manjava de arte. Li, encantada, as observações telegráficas que fez sobre aquela disputa e consegui entrar de fato, pela primeira vez, em um pedaço do universo deslumbrante das jogadas ensaiadas, dos dribles inventados e gols inesperados. Cheguei a simpatizar com o prazer explosivo de gritar em público — de forma consentida.
Não conheci textos melhores sobre a maior paixão do povo brasileiro. No imaginário, “estive” muitas vezes na Alemanha naquela Copa graças ao trabalho do correspondente e, mesmo sendo avessa aos jogos, como a maioria das mulheres, passei a enxergar os motivos que levaram o esporte a tornar-se a paixão alucinante que conhecemos. Até aprendi a gostar do jogo. Devo-lhe esse amor pelo futebol e não sei se existe forma de agradecer uma dádiva dessas.
Perdemos aquela Copa e todos atacaram os jogadores. Menos o equilibrado Daniel, que apontou defeitos, mas não esqueceu os méritos. Conheci ali sua capacidade de criticar sem jamais agredir ou ofender. Ao final, citou Nelson Rodrigues: “O brasileiro é o impotente da admiração. Não sabemos admirar, não gostamos de admirar...Ai de nós, ai de nós! Somos o povo que berra o insulto e sussurra o elogio.”
Creio não ser exagero dizer que devo mais a Daniel Piza do que seria possível exprimir por palavras. Há algum tempo voltei a Machado de Assis e foi ele quem me levou pelo braço. Só havia lido o escritor no colégio. Machado é quase tudo que temos de melhor do mundo. Foi também por sugestão do blog dele que conheci o escritor John Banville, autor do magnífico romance “O mar”.
Gabriel Garcia Marques diz que somos de um lugar se nesse espaço temos um morto que habita nosso coração e enche nossa memória de lembranças. Depois da morte de Daniel Piza, creio que tenho razões para dizer que “sou” da internet e do mundo dos blogs. Aliás, não deixei de abrir o blog dele um só dia e desejo que o jornal, se a família dele permitir, evidentemente, deixe os arquivos à disposição do público, em razão da excelência dos registros.
De minha parte, sigo chocada com essa morte inesperada e prematura e rezo para que sua família tenha forças para suportar o sofrimento. A vida ensina que nem sempre há palavras para serem ditas, principalmente se nos foi imposta a perda repentina de um jovem de 41 anos. Nesse caso, aliás, estou certa que as palavras quase não servem para coisa alguma, mas antes de fechar a cortina, gostaria de dizer que Daniel Piza foi o maior amigo que eu não cheguei a ter. Valeu, garoto!
Vanda Célia é jornalista.
No entanto poucas pessoas mexeram tanto com as minhas emoções no decorrer destes últimos anos. Poucas souberam comover-me mais. À distância, mas com presença diária em minha vida desde 2006, quando passou a assinar um blog no Estadão. No começo, era correspondente na Copa do Mundo e escrevia textos deliciosos de seis, no máximo, oito linhas.
Uma vez, falou sobre um garoto francês que não se importava com o time de Zidane, mas chorava nos treinos da nossa seleção. Coisas do jogo bonito do Brasil, pontuou Daniel, o patriota. Igual aos outros na paixão pela camisa, ele era diferente no conteúdo sofisticado dos textos diários.
Manjava de bola e manjava de arte. Li, encantada, as observações telegráficas que fez sobre aquela disputa e consegui entrar de fato, pela primeira vez, em um pedaço do universo deslumbrante das jogadas ensaiadas, dos dribles inventados e gols inesperados. Cheguei a simpatizar com o prazer explosivo de gritar em público — de forma consentida.
Não conheci textos melhores sobre a maior paixão do povo brasileiro. No imaginário, “estive” muitas vezes na Alemanha naquela Copa graças ao trabalho do correspondente e, mesmo sendo avessa aos jogos, como a maioria das mulheres, passei a enxergar os motivos que levaram o esporte a tornar-se a paixão alucinante que conhecemos. Até aprendi a gostar do jogo. Devo-lhe esse amor pelo futebol e não sei se existe forma de agradecer uma dádiva dessas.
Perdemos aquela Copa e todos atacaram os jogadores. Menos o equilibrado Daniel, que apontou defeitos, mas não esqueceu os méritos. Conheci ali sua capacidade de criticar sem jamais agredir ou ofender. Ao final, citou Nelson Rodrigues: “O brasileiro é o impotente da admiração. Não sabemos admirar, não gostamos de admirar...Ai de nós, ai de nós! Somos o povo que berra o insulto e sussurra o elogio.”
Creio não ser exagero dizer que devo mais a Daniel Piza do que seria possível exprimir por palavras. Há algum tempo voltei a Machado de Assis e foi ele quem me levou pelo braço. Só havia lido o escritor no colégio. Machado é quase tudo que temos de melhor do mundo. Foi também por sugestão do blog dele que conheci o escritor John Banville, autor do magnífico romance “O mar”.
Gabriel Garcia Marques diz que somos de um lugar se nesse espaço temos um morto que habita nosso coração e enche nossa memória de lembranças. Depois da morte de Daniel Piza, creio que tenho razões para dizer que “sou” da internet e do mundo dos blogs. Aliás, não deixei de abrir o blog dele um só dia e desejo que o jornal, se a família dele permitir, evidentemente, deixe os arquivos à disposição do público, em razão da excelência dos registros.
De minha parte, sigo chocada com essa morte inesperada e prematura e rezo para que sua família tenha forças para suportar o sofrimento. A vida ensina que nem sempre há palavras para serem ditas, principalmente se nos foi imposta a perda repentina de um jovem de 41 anos. Nesse caso, aliás, estou certa que as palavras quase não servem para coisa alguma, mas antes de fechar a cortina, gostaria de dizer que Daniel Piza foi o maior amigo que eu não cheguei a ter. Valeu, garoto!
Vanda Célia é jornalista.
Nenhum comentário:
Postar um comentário