terça-feira, 31 de janeiro de 2012

A propósito de Fidel Castro...



Vi Fidel Castro uma vez na vida. Foi no dia da posse de Fernando Collor. Eu era repórter do Jornal do Brasil e, depois do juramento à Constituição na Câmara, decidi atravessar a pé a curta distância que separa o Congresso das 24 colunas que sustentam o Palácio do Planalto. Muitos convidados seguiam a trilha, tanto que formou-se ali um cortejo bonito e agradável que se movia ao som do tafetá das saias de festa. Lembro que aquela manhã estava excepcionalmente clara.

De repente, veio na minha direção um leviatã de fotógrafos. Sempre soube o que fazer nesses momentos: sair da frente. Se perder a imagem, o fotógrafo não conseguirá recuperá-la. Só quando se abriu a clareira no leviatã, vi o motivo do tumulto: Fidel Castro estava bem do meu lado, a menos de dois metros de distância. Deus, como ele é alto, pensei, antes de apertar bem os olhos, como fazem os míopes, para ver Fidel de perto.

Confesso que a única coisa que me ocorreu foi a certeza que seu porte físico era compatível com sua estatura histórica. Sim, mesmo que a gente não concorde com suas idéias, não se pode negar que ele incluiu seu país minúsculo na história política das nações do nosso tempo, e que tem uma história de luta e de coragem. Digo isso sem problemas porque talvez eu tenha sido uma das pouquissímas jovens da minha geração da universidade que não era fanática por Fidel. E, no entanto...

No entanto, sempre consegui entender as razões que levavam jovens do mundo inteiro a admirar o líder marxista de Cuba. Fidel Castro simbolizou para gerações o "David" que enfrentou e venceu "Golias". Não há metáfora mais forte que essa no contexto de países pobres, submetidos a uma vida política fodida, e quase sem líderes para admirar e respeitar.

Fidel nasceu na maior e mais bela ilha do Caribe. Ninguém fica indiferente à beleza natural de Cuba. A linha de horizonte em Havana é tão ampla, que não consigo compreender porque ele abriu mão do ideal da liberdade. Também não sei com exatidão quando a história de Cuba desandou e todo o mundo lá passou a viver em condições difíceis de suportar. Sei que o embargo jogou Cuba no abismo econômico, mas sei também que o maior problema do país é político.

A verdade é que Fidel (que na foto acima aparece bebendo coca-cola) ficou tempo demais no poder, sem aceitar a rotatividade, e sem permitir contestação. Hoje, Cuba não passa de uma ditadura cruel e anacrônica. Lamentavelmente, a desolação e a falta de perspectiva predominam entre os cubanos, o que mostra que ninguém consegue viver sem o sentido da utopia e da esperança.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Quem escreve melhor? Quem escreve por símbolos...

Quem escreve melhor? Escreve melhor quem escreve por símbolos. Sempre penso nisso quando releio “Antígona”, meu livro favorito, disponível no e-book no seguinte endereço: http://bit.ly/yPrTjO. Escrita por Sófocles, provavelmente no ano de 442 A.C, essa tragédia conta que Antígona, filha de Édipo, e irmã de Ismênia, tem dois outros irmãos: Polinices e Etéocles. Os dois morrem em combate. Polinices cai lutando para destuir Tebas, onde Creonte tinha se tornado rei e tirano. Etéocles morre defendendo Tebas.

A história começa quando Antígona diz a Ismênia que, por determinação de Creonte, Etéocles seria enterrado, mas Polinices teria de apodrecer para servir de comida às aves sem direito sequer a prantos. Revoltada, Antígona enterra o irmão Polinices, mesmo indo contra a lei de Creonte. Presa pelos soldados do rei, é levada a sua presença, que indaga: "Sabias que um édito proibia aquilo?" Antígona responde: "Sabia. Como ignoraria? Era notório."

O rei insiste: "Como ousastes desobedecer às leis?", ao que Antígona retruca: "Mas Zeus não foi o arauto delas para mim, nem essas leis são as ditadas entre os homens pela Justiça... e nem me pareceu que tuas determinações tivessem força para impor aos mortais até a obrigação de transgredir normas divinas, não escritas, inevitáveis; não é de hoje, não é de ontem, é desde os tempos mais remotos que elas vigem, sem que ninguém possa dizer quando surgiram..."

Creonte condena Antígona a ser enterrada numa gruta, onde não poderá mais ver o sol. Hémon, filho de Creonte e noivo de Antígona, tenta convencer o pai a soltar sua amada. Em vão. Tirésias, oráculo do reino, também aconselha o rei a libertar Antígona e enterrar Polinices, dizendo que pedaços do corpo dele estão espalhados por toda a cidade e a contaminam. Creonte segue irredutível. Tirésias, entãom, prevê mais sangue.

Temeroso, o tirano pede conselho ao coro de anciãos que lhe manda enterrar Polidices e soltar Antígona. A decisão vem tarde. Antígona optou pelo suicídio e se enforcou. Agarrado ao seu corpo, Hémon também se mata. Eurídice, mulher de Creonte e mãe de Hémon, também se mata e a tragédia acaba com o coro aconselhando os homens a seguir a sabedoria, pois só ela traz a felicidade.

Antigona simboliza a luta de uma pessoa contra o Estado. Esse símbolo é tão forte que o texto é a base fundamental da teoria dos direitos individuais. Ao responder a Creonte ela questiona, de forma veemente, a idéia de que é direito tudo aquilo que é imposto pelo poder constituído. Antígona sustenta que as pessoas têm direitos que lhe são inerentes pelo simples fato de serem humanas. Esse é o principio que fez surgir o horizonte ético dos Direitos Humanos no mundo contemporâneo. Horizonte que inspirou a maioria dos países.

A Constituição brasileira de 1988, por exemplo, foi generosa e criativa ao elaborar o marco de defesa dos direitos individuais. A verdade é que a humanidade criou um consenso quase que universal em torno dos direitos humanos. Ainda bem...Diferentemente das utopias e ideologias políticas, que costumam prever um fim fantástico para o homem desde que ele use quaisquer meios para atingir esse fim, os direitos humanos permitem a luta por uma sociedade melhor por intermédio do respeito ao direito dos outros, da tolerância e da convivência com a diferença. É isso, os direitos humanos são a régua ética do nosso tempo.

domingo, 29 de janeiro de 2012

Seríamos piores que somos sem os bons livros que lemos...




Na minha opinião, o texto que Mario Vargas Lhosa escreveu sobre o prazer e a importância da leitura deveria ser distribuído em todas as escolas do país. É sensacional:

"Seríamos piores do que somos sem os bons livros que lemos, mais conformistas, menos inquietos e insubmissos e o espírito crítico, motor do progresso, nem sequer existiria. Tal como escrever, ler equivale a protestar contra as insuficiências da vida. Quem procura na ficção aquilo que não possui, afirma, sem necessidade de o afirmar ou sequer de o saber, que a vida tal como é não chega para preencher a nossa sede de absoluto, fundamento da condição humana que deveria ser melhor do que aquilo que é. Inventamos as ficções para podermos viver de alguma forma as muitas vidas que gostaríamos de ter tido quando apenas dispomos de uma (...). A literatura cria uma fraternidade na diversidade humana e elimina as fronteiras que a ignorância, as ideologias, as religiões, os idiomas e a estupidez criam entre homens e mulheres (...). A literatura é uma representação falaciosa da vida que, todavia, nos ajuda a entendê-la melhor, a orientarmo-nos através do labirinto em que nascemos, percorremos e no qual morremos. Ela redime-nos dos reveses e das frustrações que nos inflige a verdadeira vida e, graças a ela, conseguimos decifrar, pelo menos parcialmente, o hieróglifo que costuma ser a existência para a maioria dos seres humanos, principalmente para aqueles de nós que alimentamos mais dúvidas do que certezas e que confessamos a nossa perplexidade perante temas como a transcendência, o destino individual e colectivo, a alma, o sentido ou o sem sentido da história, o que está aquém ou para além do conhecimento racional".

sábado, 28 de janeiro de 2012

Venenos de Deus, remédios do Diabo



"Não é o tabaco que a gente consome. A gente fuma é a tristeza".
Mia Couto, no livro Venenos de Deus.. Remédios do Diabo.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Sexualidade não se discute...


Gosto de pensar que um blog serve para falar sobre tudo, mas há temas que não pretendo discutir por considerar que não devem ser incluídos em discussões ou controvérsias. A sexualidade, por exemplo, acho que deve ser tratada com discrição e recato. E ponto.

"Não te metas na vida alheia se não quiseres lá ficar", é metáfora literária usada em Portugal que muito aprecio. Há muitas dificuldades para compreender o assunto.

Pasolini, por exemplo, dizia que havia apenas "uma" sexualidade cuja manifestação prática se podia traduzir em hetero, homo ou bissexualidade. E Gore Vidal explica que não existe propriamente heterossexualidade ou homossexualidade, mas antes atos hetero ou homossexuais, eventualmente, até, praticados pela mesma pessoa.

Bem, de todo modo, a preferência por mulheres, por homens ou por ambos resolve-se normalmente entre quatro paredes.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

De erros e acertos...



«A vida seria um erro sem o erro da poesia.»
Jorge de Sena

Parabéns São Paulo!

São Paulo é uma cidade de verdade. Disfarces ali são o que são porque as pessoas teimam em existir na forma natural e se tornam maiores que tudo na vida. O sol eventual não chega para aquecer a alma, mesmo quando a gente busca as ruas, os jardins, os centros comerciais e os restaurantes.

Durante seis meses de 2010, morei em São Paulo. Foram dias intensos e angustiantes. Tentava ler e escrever, mas quando estou longe de casa arrependimentos e perdas pesam na memória e me deixam paralisada.

Fugir à angústia em São Paulo só com uma "angústia maior do que a vida", como a que se encontra na sutileza e no desencanto das poesias de Drummond.

Mundo, mundo, vasto mundo, tu não serias mais vasto se eu fosse parte do pasto? Não, nada de brincadeiras macabras. Melhor ler o belíssimo texto do poeta brasileiro que tem, na minha opinião, alma de paulista:

Poema de Sete Faces
"Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus,
pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus,
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo".
Carlos Drummond de Andrade

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Gore Vidal para sempre


"Nunca tive uma opinião excessivamente elevada do mundo. O mundo não faz nada para mudar." A frase é de Gore Vidal, escritor que completou 80 anos e segue produzindo avaliações originais e precisas sobre ele mesmo, sobre as pessoas e o mundo em que vivemos.

"Sou tão insociável quanto é possível ser" diz, com o jeito irônico que faz rir até em momentos improváveis. Há algum tempo, Vidal ficou doente, depois de perder o companheiro com quem compartilhou a vida inteira. Vítima de anorexia, ficou mal durante um ano. Como saiu disso, perguntaram-lhe: "Comi qualquer coisa", respondeu.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

O fio inquebrável...



Li, há quase dez anos, uma entrevista do Umberto Eco sobre a necessidade de estimular os estudos e a busca do conhecimento entre os jovens. Guardei a bela mensagem que está transcrita abaixo:

"Temos muitas vezes que explicar aos jovens por que é que o estudo é útil. É inútil dizer-lhes que é pelo próprio conhecimento, se eles não se importam com o conhecimento. Também não serve de nada dizer às crianças que uma pessoa instruída tem mais possibilidades na vida do que um ignorante, porque eles podem sempre apontar algum gênio que, do ponto de vista deles, leva uma vida miserável. E assim a única resposta é que o exercício do conhecimento cria relações, continuidade e ligações emocionais. Ele apresenta-nos a pais para além dos biológicos. Permite-nos viver mais, porque não nos lembramos apenas da nossa própria vida mas também da de outros. Cria um fio inquebrável que vem desde a nossa adolescência (e às vezes da infância) até à atualidade. E tudo isto é muito belo".Umberto Eco

domingo, 22 de janeiro de 2012

Pesquisa Datafolha na linha do horizonte

Os índices da pesquisa Datafolha são formidáveis para a presidente da República e mostram que ela acumula capital político para confrontar interesses de parcela de sua base aliada de forma a cumprir seu programa de governo e levar adiante o projeto de erradicar a pobreza extrema e a miséria.

Além de feliz, o povo está cheio de esperança. A fatia de entrevistados que acredita que sua situação econômica vai melhorar subiu de 54% em junho passado para 60% neste mês. O otimismo sobre a economia do país foi de 42% para 46% no período. Pudera: os níveis de emprego nunca estiveram tão próximos do pleno emprego.

A imagem pessoal da presidente Dilma avançou. Para 80% dos brasileiros ela é “muito inteligente”, 72% a consideram decidida e 70% acham que ela pode ser definida como uma pessoa “sincera”. Ela conta hoje com 62% de aprovação no público feminino e 56% do masculino. As mulheres relutam para dar aprovação, mas depois que dizem sim são firmes e leais.

Austera no exercício do governo, a presidente fala pouco e demonstra dedicação e gosto pelo trabalho. Como reconheceu um crítico do governo, o resultado é que ela “conseguiu plasmar a imagem de que está ocupada, cuidando do Brasil e dos brasileiros". Com exceção de parcela pífia da população (uma fatia de 6% acha que o governo é lento e fraco) a maioria aplaude as decisões em curso.

Tudo indica que não há percepção do discurso da Oposição. Líderes do governo e até alguns historiadores começam a dizer que a Oposição terceirizou, ou seja, delegou para a imprensa seu trabalho de fiscalizar e criticar as ações do governo. Exagero? Um pouco, mas se isso de fato está acontecendo trata-se de um erro. A função da imprensa é garantir à população o relato verdadeiro dos fatos e todos os lados da hístória diária que vivemos.

Imprensa não é o espaço da política partidária. Para isso existem os partidos, onde as pessoas podem exercer a cidadania e seus direitos de militante. Bem, de todo modo é preciso dizer ainda que, se a Oposição continuar, ao longo de 2012, nesse caminho que está seguindo, ela vai chegar ao destino.

Anotações para um livro...



M de Medo
É normal ter medo. Às vezes é o medo que dá coragem.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Se você pretende saber quem eu sou...



Tenho vocação para ser feliz. A vida está aí para ser vivida, para fazer coisas e seguir sempre, sem culpa e arrependimento, sem abatimento e sem rendição. Entre um pecador por ação e outro por omissão, minha preferência é, em princípio, para o primeiro. Não gosto de omissões e de silêncios. Penso que servem para esconder mediocridades.

O mundo dos calados pode ser seguro para quem cala mas é movediço para quem aceita dizer o que pensa. Não gosto de quem sempre está fugindo de bolas divididas. Quem me conhece conhece-me porque sabe onde trabalho, onde moro e basta me perguntar, ou me deixar exposta a essa ou aquela situação, para ouvir minha opinião sobre o assunto.

Quem me conhece conhece-me por não ser pessimista e não cultivar amarguras. Não vale a pena complicar o que é simples. Por essa razão, sei que uma pessoa deve dar valor à família e aos amigos, os maiores tesouros que pode reunir nessa vida. Nas vidas passadas não acredito porque não contam para a aposentadoria.

No dia 28 de janeiro deste ano de 2012 vai fechar um ano da morte da minha mãe. Só depois do seu desaparecimento, tive certeza que ela era, e sempre será, a pessoa mais importante da minha vida. Por arrogância, achava que mais, ou tão importantes, eram as pessoas que eu havia incluído na minha vida. Hoje, sei que são importantes sim, mas devo à minha mãe toda a minha vida.

Minha mãe ficou doente por doze anos a fio, mas fugi esses anos todos da idéia de sua morte. Uma dor assim, se tivesse conseguido prevê-la, talvez saberia suportá-la, penso de vez em quando. Não sei ainda como escrever sobre isso. Só sei que muito da minha alegria morreu naquele dia e agora luto com a angústia e a depressão.

Quem me conhece conhece-me por ser um pouco sarcástica e mordaz, sempre disposta a pensar numa observação engraçada e irônica para encaixar nas conversas em grupo. Agora, estou mais séria e impaciente. Confesso que o mundo em que vivemos irrita-me de forma mais cortante. Enerva-me a cultura da incultura. Irritam-me as tevês sempre ligadas e os livros sempre fechados.

Aborrecem-me os noticiários que tratam a informação como entretenimento, sem avaliar a dimensão histórica da política, da economia, da cultura e da própria história. Contudo, quem me conhece conhece-me por não ser pessimista e não cultivar amarguras. Esqueço fácil toda e qualquer irritação e aborrecimento com as notícias e com a política porque no fundo, a não ser as pessoas, nada para mim tem muita importância.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Crise: o que fazer com os bancos?

Vi na madrugada o excelente filme de Charles Ferguson "Trabalho Interno", documentário impressionante sobre a crise econômica. Estou de "cara" com a irresponsabilidade e o descaso dos bancos e dos agentes do chamado mercado com a vida das pessoas.

O que esteve na origem da atual crise foi a expansão do crédito a partir do nada. Ou quase nada: uma base monetária e de capital cada vez menor. Agora, na minha modestíssima opinião, chegou a hora de pensar sobre o que fazer com os bancos.

Inicialmente, um dos aspectos que mais me surpreendeu na crise foi saber que os banqueiros, habitualmente tão arrogantes, estavam aos pés dos Estados. Na Europa, chegaram a dizer que imploravam por salvação, como se fossem crianças pequenas.

O contrato implícito nas nossas sociedades é que empresários e gestores têm uma remuneração mais elevada porque correm mais riscos. Se tudo anda bem, tudo bem. Se corre mal, segue-se a falência. O que os bancos demonstraram com a crise é que (ao contrário de todas as outras atividades) querem cumprir apenas a parte boa do contrato.

Até aqui, os Estados corresponderam às exigências dos bancos com enormes programas públicos e argumentos novos: 1) alguns bancos eram “demasiado grandes para falir” e 2) o dinheiro dos contribuintes presentes e futuros (através da dívida pública) servia para suportar os custos etc, etc, etc.

O fato é que nunca se assistiu nos últimos 70 anos a semelhante progresso da socialização da economia. Os bancos criaram a crise e, depois, para se salvarem, reduziram de forma astronômica a dimensão da economia de mercado. Por isso, não podem ser consideradas instituições que promovem a liberdade econômica.

Isto traz um problema evidente: se não estão dispostos a falir então é porque são já instituições públicas sem o nome e estão fora das regras dos mercados. O que implica outro problema (ou melhor, um dilema) político: ou é definitivamente assumido que estes bancos são públicos, acabando a comédia dos últimos anos, ou eles precisam passar por uma reforma de forma a poderem voltar a ser vistos como agentes privados.

Se não queremos transformar os bancos em apêndices do Estado, então não os podemos deixar seguir um modelo de negócio que não os responsabiliza, que cria instabilidade e, sobretudo, põe em perigo a vida das pessoas.

Nessas circunstâncias, a defesa de medidas que efetivamente protejam os clientes e a economia acaba sendo consensual. E o que mais se fala na Europa é que os bancos serão impedidos de se envolverem em programas de crescimento do crédito. Por razão óbvia: com autonomia, eles vão deixar a sociedade no seu todo falida. De novo.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

TV GLOBO NO PAREDÃO

Não tem meio-termo. Se a TV Globo teve o nome associado a cenas de um estupro - e foi obrigada a dar explicações no Jornal Nacional sobre abuso sexual na grade da programação -, alguma coisa deu muito errado e o custo de uma situação inusitada dessa será debitado na conta de sua imagem.

Levar ao ar cenas de um possível estupro é uma barbaridade tão inadmissível que acredito não existir punição prevista para uma coisa dessas em nenhuma lei do mundo. Legislador algum seria capaz de antever isso, principalmente em se tratando de um canal que explora concessão pública.

Por oportuno, vale lembrar que leis específicas das telecomunicações bloqueiam a transmissão de programas expondo pessoas a situações que, de alguma forma, redundem em constrangimento, ainda que seu objetivo seja jornalístico. Como foi então que chegamos a isso?

Se a Globo tem obrigações a cumprir e as cumpre, seus produtores sabem que não podem veicular nada que estiver em desacordo com as finalidades educativas e culturais da radiodifusão. E, até onde se sabe, normas éticas e padrão moral de conduta devem ser cumpridos por todos.

Bem, mas o que desejo dizer é que não importa se assistimos ou não o BBB, se gostamos ou não da Rede Globo, ou se consideramos que a vida real é mais suja e mais cruel que a programação da tela. O que interessa é que não toleramos estupros. Sejam dentro ou fora de programas de tevê, com as pessoas bêbadas ou em plena consciência dos seus atos. Estupro? Não!

Não existe tolerância com a linha do crime. E que a verdade seja dita: essa história está muito mal contada. Por uma razão elementar: não basta o comando do programa afirmar que o assunto está encerrado porque naquela noite tudo que aconteceu foi “consensual”. Então por que o rapaz foi eliminado? E por que as imagens da cena foram excluídas do site?

Outra dúvida: por que o diretor do BBB, conhecido pelo apelido de Boninho, chamou a moça no confessionário se ela já havia dito que não se lembrava de nada? Se a pessoa estava inconsciente, a história de “consensual” não cola. Quem está apagado não discorda e nem concorda com nada.

Como São Tomé, acredito no que vejo. Naquela madrugada, as cenas mostraram Monique Amim embriagada e inerte. O que parecia é que era incapaz de reagir aos movimentos de Daniel, o rapaz deitado ao seu lado. Aliás, o público denunciou, de pronto, o possível abuso sexual. Sim, foi o público que levou a Globo ao paredão ao exigir apuração do caso. A direção do programa tergiversou mas acabou indo às cordas.

Causa perplexidade o fato de uma emissora tão experiente e tão defensiva, até por não esquecer os inimigos que tem na praça, ter caído numa esparrela dessa. A Globo tem poder e glória. O entretenimento gratuito que oferece é importantíssimo, todo o mundo reconhece isso, mas nada lhe concede a prerrogativa de decidir, ao arrepio da moral, da ética e da legislação em vigor, o conteúdo e a forma do que é levado ao ar. Isso caracterizaria império do poder econômico e seria inadequado. Quem define as linhas são as leis e as normas livremente construídas e obedecidas pelo conjunto da sociedade brasileira.

Sim, mesmo defendendo com todas as forças a liberdade de expressão, condição da nossa vida democrática, defendo, igualmente, que as instituições nacionais devem fiscalizar e punir, sem exceção, todo e qualquer abuso cometido pelas emissoras de rádio e televisão. Conteúdos pornográficos em horários inadequados nas emissoras de sinal aberto, abuso sexual e exploração da dignidade humana são o que são: crimes.

domingo, 15 de janeiro de 2012

Não dá nem para dizer "pobre" França...


Nesta segunda-feira, a máquina do mundo vai reagir ao rebaixamento da França. Pensar nisso é estranho porque tudo na França é tão chique que nada ali pode ser associado a conceitos como apertar os cintos, ficar mais pobre e cortar supérfluos. Que me desculpem os senhores rudes e brutos que mandam no dinheiro, mas perfume, foie gras e champanhe jamais serão supérfluos em terras francesas.

Penso ser o caso de entoar La Marseillaise. Sim, não é fácil imaginar os franceses, que me parecem desagradavelmente convencidos de que são os únicos seres elegantes do mundo, pedindo ajuda ao mundo e reconhecendo que a pobreza chegou à sua porta. Afinal, a França acredita realmente ser, de fato, o que o resto do mundo conhece como Europa ou continente europeu.

Não estou chutando. É assim desde que Napoleão Bonaparte, há mais de 200 anos, decidiu conquistar a Europa para transformar o Império Francês no continente. Bem, todo o mundo sabe o que aconteceu quando ele passou por Moscou. Decididamente, fazer turismo na União Soviética faz mal a megalomaníacos, conforme comprovou Adolfo Hitler anos depois.

Mas voltemos a Napoleão. A Europa em peso se uniu e derrotou a França, mas os franceses não se deram por vencidos. Seguem cantando loas a Napoleão e achando que a França é, de fato, a Europa. Francês que se preze adota, inclusive, aquele "ar" de fidalgo arruinado, a quem a vida já correu melhor...

Dizem as más língas (principalmente em Portugal) que franceses fingem riqueza, prestigio e "finesse". Fingem, por exemplo, que nem perceberam que o francês foi desalojado de idioma de comunicação internacional. Verdades ou mentiras, o fato é que o rebaixamento causará incalculáveis prejuízos à auto-estima da França.

Pesquisas mostram que os franceses dizem que a França é a maior potência do mundo, quando respondem às pesquisas. Se chamados a corrigir o erro, passam a dizer que a França é a segunda maior potência do mundo. É isso: o mito da França rica e chique se perpetuou e a realidade terá de se impor de uma hora para outra. Vai doer. E muito...

É rindo que a gente castiga os outros...



Estou lendo a “A Nuvem”, biografia de Sebastião Nery. É rindo que Nery castiga a todos, a começar pelos políticos. Leia, abaixo, textos publicados por ele em livros anteriores:

OS DEZ MANDAMENTOS DO POLÍTICO MINEIRO:

01 — Mineiro só é solidário no câncer.

02 — O importante não é o fato, é a versão.

03 — Aos inimigos, quando estão no poder, não se pede nada. Nem demissão.

04 — Para os amigos tudo. Para os inimigos, a lei.

05 — Respeitar, sobretudo, o padre que consegue votos; o juiz, que proclama o eleito; e o soldado, que garante a posse.

06 — Nas horas difíceis, cabe ao líder comandar: "Preparemo-nos e vão".

07 — Voto comprado não é atraso, é progresso. Se o voto é comprado é porque tem valor.

08 — Em briga de político, geralmente perdem os dois.

09 — Mais vale quem o governo ajuda do que quem cedo madruga.

10 — É conversando que a gente se entende.

JOSÉ CAVALCANTI, FILÓSOFO DA PARAÍBA:

O homem de responsabilidade política não mente: inventa a verdade.

· Político é o indivíduo que pensa uma coisa, diz outra e faz o contrário.

· O político, quando se elege, assume dois compromissos: um com ele mesmo e outro com o povo. O primeiro ele cumpre.

· Dinheiro é como azeite: por onde passa, amolece.

· Político sem mandato é como chocalho sem badalo: balança mas não toca.

· O bem público não quer bem a ninguém, a não ser a si mesmo.

· João Agripino é como mandacaru: não dá sombra nem encosto.

· Político pobre é como mamoeiro: quando dá muito, dá duas safras.

· Se queres ser bem sucedido na política, cultiva essas duas grandes virtudes: a sinceridade e a sagacidade. Sinceridade é manter a palavra empenhada, custe o que custar. Sagacidade é nunca empenhar a palavra, custe o que custar.

· Oposição agora é como grama de jardim: tem direito de viver, mas sem direito de crescer. (Obs.: dito durante o regime militar de 1964).

· Oposição é como pedra de amolar: afia mas não corta.

· Governo técnico é como maestro: rege a orquestra de costas para o público.

DOMINGOS, FILÓSOFO DE JAGUAQUARA (BAHIA):

· Oposição e sapato branco só é bonito nos outros.

· Sabedoria, quando é demais, vira bicho e come o dono.

· Candidato é como puta: se não ficar na janela, marinheiro não vê.

AGRIPINO GRIECO, FILOSO DE PARAIBA DO SUL (RJ)

01 - Mineiro dá bom dia porque bom dia volta logo. É a terra onde olho vê, mão tira e pé corre. Por isso dá tanto banqueiro lá. O que é o batedor de carteira senão um banqueiro apressado?

02 - O primeiro artigo sobre o Gilberto Freire quem escreveu fui eu. Casa Grande e Senzala é um livro bem pensado e mal escrito. Pensado na casa-grande e escrito na senzala.

03 - Em Campinas, um professor me saudou dizendo: — Desta cidade saíram muitos homens de talento. Aparteei: — Saíram todos. Ficaram furiosos comigo.

04 - Em Campos, acabei minha conferência dizendo: — O rio Paraíba passa por aqui e fica tão envergonhado que se joga no mar. Também não gostaram.

06 - Em Feira de Santana, no hotel, uma velha professora estava em prantos porque seu marido, um português, fugiu levando tudo dela. Perguntei-lhe:— A senhora, tanto tempo professora, e não conhecia o português?

Histórias:

O major João José, da PM, era muito popular em Aracaju. Foi dar uma aula aos soldados: — Vocês sabem o nome desse aparelho? É búscola. Serve para dar a direção. No meu tempo não tinha nada disso não. Era norte pra frente e sul pra trás.

José Maria Alkimim encontra-se com dona Lia Salgado, famosa soprano mineira:

— Mas como a senhora está jovem, dona Lia.
— Qual o que, dr. Alkimim, já sou até avó.
— A senhora pode ser avó por merecimento. Jamais por antigüidade.

ULISSES GUIMARÃES, FILÓSOFO DA OPOSIÇÃO:(TRAÇANDO A ESTRATÉGIA DA ESCALADA DO MDB EM 1974, 76 E 78):

. No alto do morro estavam dois touros. O touro velho e o touro novo. Viram lá embaixo o pasto cheio de vacas. O touro novo ficou aflito:

— Vamos descer depressa e pegar umas dez.
O touro velho balançou a cabeça:
— Nada disso. Vamos descer devagar e pegar todas.
— Deus manda lutar, não manda vencer.

. 1974 não foi uma tempestade. Foi uma tromba d'água.

. O destino do MDB não é a oposição. O destino do MDB é o poder.

. O Brasil precisa é de um projeto político que comece por batizar a criança: se é uma democracia,então vamos ter uma democracia!

. Navegar é preciso. Viver não é preciso.



Textos extraídos dos livros Folclore Político nº. 1 e Folclore Político nº. 2 de autoria de Sebastião Nery

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Ricardo Amaral: um escritor de coragem



Terminei de ler o livro do Amaral. Mais que amigo querido, Ricardo Amaral é um dos grandes amores da minha vida. Escreve lindamente. Para definir seu texto só recorrendo a Drummond. Sim, ele escreve “como se palmilhasse vagamente uma estrada de Minas, pedregosa... sob aves pairando no céu de chumbo com formas pretas que se diluem na escuridão maior vinda dos montes do seu próprio ser desenganado”... Amaral nasceu para viver e contar.

O livro conta como a máquina do mundo se entreabriu pelos caminhos de Dilma Rousseff. O olhar investigativo e jornalístico de Ricardo Amaral percorre a história do país por meio das marcas deixadas por sua personagem. A foto de Dilma Rousseff na junta militar é a maior prova disso. A imagem oferece uma excelente metáfora de todas as ditaduras: a jovem de peito aberto enfrentando algozes que cobrem o rosto. Garimpada por Amaral, a foto é um achado jornalístico que, na minha opinião, merece, sem favor algum, um Esso de contribuição à imprensa.

A maior dádiva do livro, no entanto, é a reconstituição primorosa de vários momentos da vida de Dilma Rousseff feita por Amaral. Ele vai ao pormenor, como escritor caprichoso que é. Depois de “cair” em São Paulo no dia 16 de janeiro de 1970, ou seja, há exatos 42 anos, Amaral segue a trilha de Dilma pelo presídio Tiradentes até Porto Alegre, onde ela voltou à política partidária.

Dilma Rousseff sempre foi capaz de ouvir a própria voz, não aceita o fracasso, tampouco dá a vida por encerrada. Tanto que começou tudo de novo depois que saiu da prisão. Em um artigo na Folha, a senadora Marta Suplicy disse que ficou surpreendida com muitas das informações do livro. Não é para menos. Amaral mostra a personalidade complexa de uma mulher que foi Vanda, Estela e Luiza sem deixar de ser Dilma.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Você sabe o que é um tudólogo?




Na França, chamam-se “tudólogos” os “jornalistas e comunicadores”, que “falam de (quase) tudo dizendo o que quer que seja”, conforme registram os autores do livro "Les Éditocrates", de 2009.

O conceito de “tudólogo” refere ironicamente a um suposto conhecimento universal, o de emitir opiniões que ninguém está pedindo e dar respostas a perguntas que ninguém está fazendo. É, na verdade, a detenção do poder de editorializar a realidade, de incluí-la na agenda da mídia.

Os “tudólogos” do jornalismo brasileiro atuam na internet o tempo todo, de manhã à noite, da noite à manhã, de segunda a domingo. E nunca se calam. Quem fizer a aposta de atravessar uma semana inteira sem tropeçar em um deles saberá, pela amarga experiência do fracasso, que tal desafio é impossível de vencer.

Há quem diga que a praga do ruído dos "tudólogos" acaba por prejudicar a atenção por quem realmente pode acrescentar algo ao conhecimento e ao raciocínio das pessoas. Eles parecem entreter, mas afinal contribuem para um generalizado cansaço noticioso das pessoas, uma irritação latente para com a vida coletiva.

Diderot, no século XVIII, estabeleceu o “achismo” e a crítica como criação de espaços de liberdade. Disse que o aparecimento da crítica tinha tornado melhores os melhores, mais exigentes consigo. Alguns "tudólogos" de hoje em dia, porém, só produzem chateações com seu atrevimento e falta de conteúdo. Falam e escrevem sem fundamentação, só porque lhes facultaram o poleiro.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Eu e o jornalismo


Vivi 25 anos para essa profissão, o jornalismo. Ainda que, por razões obrigatórias e pessoais, eu tenha sido obrigada a dizer adeus a este trabalho que tanto amava, em muitos aspectos continuo presa ao passado. Sei que o jornalismo é menos importante do que a música, arquitetura, pintura e outras artes, mas fiz essa opção por ter poucas habilidades, e por julgar que, como jornalista. eu poderia servir às pessoas. Julgava que tentar lhes dar toda a informação possível era serviço relevante que poderia, inclusive, mudar suas atitudes e até suas vidas.

Eu desejava, de forma sincera e verdadeira, apoiar as pessoas no sentido de alguma mudança na direção de uma vida melhor e mais consciente. Ao longo dos anos que estive no jornalismo fiz meu trabalho com rigor, de forma exigente e sem concessões. Era minha obrigação. E meu maior orgulho foi ter mantido a fé adolescente na suposta capacidade de mover para melhor o mundo das pessoas. Essa fé não me deixou. Todos precisamos de paixão, compromisso e de algumas ilusões. No meu caso com o jornalismo admito que eram muitas ilusões.

Grande parte dos jornalistas, pelo menos nos primeiros anos de carreira, vive da paixão pelo que faz. Sei disso porque existe uma família nessa profissão e faço parte dela. Família no sentido que definiu Proust: magnífica, o sal da terra, mas, ao mesmo tempo, o grupo mais lamentável da nossa existência por nos manter sob tensão, e sob medo permanente de errar por vaidade e arrogância. Sou muita grata ao jornalismo pelos amigos que tenho. Amigos que me ensinaram tudo. A começar por uma lição essencial: a entrevista mais importante que um jornalista pode fazer é com ele mesmo.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Nervo auditivo...


Terapeuta - Você vai publicar, algum dia, o que acontece aqui?

Eu - Ainda não resolvi, estou imaginando se minha mãe aprovaria ...

Terapeuta - Você disse minha mãe para provocar...

Eu- Silêncio.

Terapeuta- Silêncio.

Eu- Minha amiga Júlia me contou a seguinte história: uma conhecida dela, bonita, magra e inteligente está saindo com um cara caladão, gordo, sedentário e antipático. Daí, foram perguntar a ela o que o sujeito tinha de especial. Ela respondeu: nervo auditivo.

Terapauta - ri e fica em silencio.

Eu- fico em silêncio, sem rir.

Terapeuta- Tem mais alguma história de amiga ou podemos trabalhar?

Eu- Não seja rude.

Terapeuta - Foi involuntário, desculpe.

Eu penso: desculpa é igual bunda, toda a vez que você dá, você se arrepende...

Terapeuta - Tudo bem?

Eu: tudo bem...

domingo, 8 de janeiro de 2012

Volto à terapia. É a tristeza que me leva pelo braço...



Eu não preciso ler os jornais para saber como vai a crise européia. Para isso, ouço o rádio do carro que tem as mesmas pautas, o mesmo texto, os mesmos donos e, obviamente, os mesmos jornalistas dos jornais impressos. São todos bons, não estou falando mal de ninguém, só estou constatando que são sempre os mesmos, logo fazem as mesmas previsões, as mesmíssimas profecias.

Profecia por profecia, prefiro aquela dos Maias que diz que o mundo vai acabar lá para o solstício de Inverno de 2012 quando todas as cidades do planeta serão destruídas. Desse jeito, pelos menos temos mais oferta de imaginação.

Enfim, com ou sem profecias, tenho de tocar a vida e enrolei até aqui porque tenho uma confissão grave: volto hoje ao psiquiatra. Fiz análise há mais de 10 anos porque precisava de ajuda para me controlar melhor. Foi positivo.

Agora, senti vontade de retomar a proximidade com um estranho que vai ouvir-me falar durante uns bons 30 minutos durante duas vezes na semana. Depois de me ouvir hoje, ele deverá concluir que estou com depressão profunda.

Não e não, vou dizer. Tenho vocação para se feliz, Ele vai preencher o diário terapêutico com as suas observações, certamente me considerando também um caso agudo de negação da realidade, negação dos meus problemas e negação das minhas doenças. A verdade, porém, ele vai demorar para descobrir, mas ela está na cara. Melhor dizendo: na cara, na cintura e na bunda. Me pesei de manhã e estou arruinada: um mês de controle do açúcar me levaram a emagrecer 200 gramas.

Nunca me senti tão gorda, tão obesa e tão fracassada na vida. Como se vê, no peso estão minhas neuroses. Ser gorda é horrível.A sensação de fracasso é muito ruim. E pior do que não perder peso, é ter perdido completamente a esperança em dietas, exercícios, simpatias e milagres. Nessas circunstâncias, volto à terapia. É a tristeza que me leva pelo braço.

sábado, 7 de janeiro de 2012

Mercado ou Crime Organizado?

A política precisa passar por um processo de renovação e atualização para se tornar instrumento mais lúcido, eficaz e respeitado de defesa do interesse comum. No Brasil e no resto do mundo.

No momento em que todas as relações de poder e de influência no planeta estão mudando, alterando posições que muitos acreditavam serem eternas, penso que algumas mudanças são inadiáveis.

O que passa pela minha idéia é que precisamos de instituições sólidas, e de muita força política, para enfrentar o poder sem freio dos mercados. Voltado ao lucro extorsivo, esse conglomerado de interesses está condenando os Estados a pagarem 600 vezes mais que os bancos pelos empréstimos.

Deficitários porque arcam com a responsabilidade de atender as necessidades de uma população cada vez mais exigente, e cada vez mais envelhecida, os Estados (uma ampla maioria) estão perdendo a guerra para os bancos e as corporações, como estamos vendo acontecer na Europa.

Com a derrocada do euro e os tombos sucessivos do dólar, faz sentido lembrar frase do ex-presidente norte-americano Franklin D. Roosevelt: «ser governado pelo dinheiro organizado é tão perigoso como sê-lo pelo crime organizado».

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Uma Constituição de 2012

A Hungria é distante e não sei quase nada do país. Estive uma vez em Budapeste, mas foi viagem-relâmpago, a trabalho. A cidade é bonita, mas passei correndo. Nem lembro de quase nada, mas fiz esse texto porque considerei relevante ler sobre a defesa veemente que a nova Constituição dos húngaros faz da família. Família é tudo, principalmente para os mais velhos e as crianças, os grupos humanos mais vulneráveis e mais carentes de cuidados, atenção e afeto.

A Hungria tem uma nova Constituição desde 1º de Janeiro de 2012. Por essa Carta, o país deixa de ser “República”, restaura o poder do nacionalismo e deixa poucas brechas para a Oposição ao regime de Viktor Orban, filiado ao partido de direita e nacionalista que conta com maioria de dois terços no Parlamento. Os húngaros fizeram uma Constituição diferente e atual, mas não deixam de invocar a identidade européia e a fé cristã. "Deus abençoe os húngaros”, diz a 1ª linha da Carta, expressão que pode ser aceita por protestantes, católicos, judeus e maçons.

A novíssima Constituição húngara defende a família com clareza. É bom ver isso em um texto contemporâneo por uma razão elementar: a questão da família não deve ser motivo de guerrinhas entre grupos ideológicas de direita ou de esquerda. Família é questão sociológica de sobrevivência. Além da família, os húngaros estabelecem uma série de princípios orientadores para a legislação ordinária em linguagem simples, que pode ser compreendida por todos, deixando de lado o estilo jurídico-administrativo habitual.

Permanece no texto a defesa da saúde e da educação gratuitas, além de uma definição resumida dos órgãos de soberania de uma democracia. Nesse sentido, o país estabelece cláusulas de reserva governamental para o Banco Central da Hungria. Isso quer dizer que o Governo da Hungria vai mandar no Banco Central em vez de deixar que o Banco Central obedeça às exigências de lucros dos mercados financeiros. Mais: para garantir que assim aconteça, os húngaros escreveram essa determinação na Constituição Federal.

A nova Constituição reduz a idade da aposentadoria dos magistrados de 70 para 62 anos. Com isso, dentro de um ano, cerca de 300 juízes terão de deixar o Judiciário. A pedido do Conselho da Europa, uma Comissão italiana analisou a Carta húngara. Reconheceu que trata-se de mais um passo na consolidação da democracia e do Estado de Direito no país. Embora tenha aplaudido a iniciativa de um país comunista aprovar um novo texto constitucional baseado na democracia e nos direitos fundamentais do cidadão, a Comissão considerou que a Hungria ainda tem muito que aprimorar a sua lei.

A Oposição afirma que o documento não garante, como deveria, a liberdade de expressão. Diz ainda que o regime anunciou que vai calar a última rádio independente, a Klubradio. O Conselho dos Media, que segundo a oposição funciona como comissão de censura, teria retirado a licença à Klubradio para entregá-la a uma sociedade desconhecida.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Daniel Piza: então adeus!


Daniel Piza não era meu amigo. Pelo menos não o era no sentido convencional em que costumamos usar a palavra amizade. Tínhamos crenças diferentes, idades diferentes, amigos diferentes, hábitos e experiências profissionais diferentes. Trocávamos e-mails em algumas ocasiões, mas não chegamos a nos ver sequer uma vez nesta vida. Não me atrevo a invocar nenhum tipo de intimidade que, na verdade, nunca tivemos. No entanto…

No entanto poucas pessoas mexeram tanto com as minhas emoções no decorrer destes últimos anos. Poucas souberam comover-me mais. À distância, mas com presença diária em minha vida desde 2006, quando passou a assinar um blog no Estadão. No começo, era correspondente na Copa do Mundo e escrevia textos deliciosos de seis, no máximo, oito linhas.

Uma vez, falou sobre um garoto francês que não se importava com o time de Zidane, mas chorava nos treinos da nossa seleção. Coisas do jogo bonito do Brasil, pontuou Daniel, o patriota. Igual aos outros na paixão pela camisa, ele era diferente no conteúdo sofisticado dos textos diários.

Manjava de bola e manjava de arte. Li, encantada, as observações telegráficas que fez sobre aquela disputa e consegui entrar de fato, pela primeira vez, em um pedaço do universo deslumbrante das jogadas ensaiadas, dos dribles inventados e gols inesperados. Cheguei a simpatizar com o prazer explosivo de gritar em público — de forma consentida.

Não conheci textos melhores sobre a maior paixão do povo brasileiro. No imaginário, “estive” muitas vezes na Alemanha naquela Copa graças ao trabalho do correspondente e, mesmo sendo avessa aos jogos, como a maioria das mulheres, passei a enxergar os motivos que levaram o esporte a tornar-se a paixão alucinante que conhecemos. Até aprendi a gostar do jogo. Devo-lhe esse amor pelo futebol e não sei se existe forma de agradecer uma dádiva dessas.

Perdemos aquela Copa e todos atacaram os jogadores. Menos o equilibrado Daniel, que apontou defeitos, mas não esqueceu os méritos. Conheci ali sua capacidade de criticar sem jamais agredir ou ofender. Ao final, citou Nelson Rodrigues: “O brasileiro é o impotente da admiração. Não sabemos admirar, não gostamos de admirar...Ai de nós, ai de nós! Somos o povo que berra o insulto e sussurra o elogio.”

Creio não ser exagero dizer que devo mais a Daniel Piza do que seria possível exprimir por palavras. Há algum tempo voltei a Machado de Assis e foi ele quem me levou pelo braço. Só havia lido o escritor no colégio. Machado é quase tudo que temos de melhor do mundo. Foi também por sugestão do blog dele que conheci o escritor John Banville, autor do magnífico romance “O mar”.

Gabriel Garcia Marques diz que somos de um lugar se nesse espaço temos um morto que habita nosso coração e enche nossa memória de lembranças. Depois da morte de Daniel Piza, creio que tenho razões para dizer que “sou” da internet e do mundo dos blogs. Aliás, não deixei de abrir o blog dele um só dia e desejo que o jornal, se a família dele permitir, evidentemente, deixe os arquivos à disposição do público, em razão da excelência dos registros.

De minha parte, sigo chocada com essa morte inesperada e prematura e rezo para que sua família tenha forças para suportar o sofrimento. A vida ensina que nem sempre há palavras para serem ditas, principalmente se nos foi imposta a perda repentina de um jovem de 41 anos. Nesse caso, aliás, estou certa que as palavras quase não servem para coisa alguma, mas antes de fechar a cortina, gostaria de dizer que Daniel Piza foi o maior amigo que eu não cheguei a ter. Valeu, garoto!

Vanda Célia é jornalista.