"Uma
mulher aborda-me na rua e pergunta-me se sou seu filho. Olho-a por uns segundos
e sigo em frente. Já de costas, ouço-a repetir a pergunta. Continuo. Perplexo.
Toda a cidade tem os seus loucos, os seus disturbados, os seus perdedores. Eu
não quero fantasiar: a loucura é caso clínico e não traz glória. Mas o
fracasso, amigos, o fracasso, a derrota humana têm um esplendor profundo e
imaterial que eu admiro. Admiro intensamente os que fracassam, os que perdem. O
fracasso é infinitamente preferível à vitória. Quem perde, ganha uma angústia
metafísica, uma compaixão existencial. Merece respeito. E merece ainda mais
respeito se perde de propósito, se é um perdedor nato e intencional. Os
vencedores aborrecem-me, escandalizam-me, oprimem-me. Não exalam uma única
vergonha, um único constrangimento, uma única incerteza. E são cinicamente
inverosímeis no seu brilho estudado e elefantino. Meias da cor dos sapatos,
sapatos da cor das calças, cuecas da cor da gravata. Uma voz segura, um perfil
de estátua. Os vencedores sabem o que dizer, o que fazer, o que esperar. E
permanecem sempre os mesmos, aconteça o que acontecer. Se tivesse coragem,
digo-vos que fracassaria com afinco todos os dias. É muito mais saudável perder
do que ganhar. Ganhar é um luxo, uma embriaguez fácil, uma descaracterização.
Fracassar não é nada disso. Fracassar é muito mais difícil, muito mais exigente
e muito mais conservador do que ganhar. É a única utopia conservadora em que eu
acredito: a utopia do fracasso. Tenho há muito tempo esta certeza e não me
peçam para explicar: o mundo será melhor no dia em que for universalmente feito
de fracassados".
"Fracassar é preciso", de Pedro Lomba
Título: Frase de Samuel Beckett
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