segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Por um governo de soberania

Ficou fácil jogar pedra em tudo que diz respeito aos últimos dez, doze anos. Os erros foram muitos e todos que estavam no comando merecem as condenações que recebem. Em política é assim mesmo, 8 ou 80.O clubismo impera no Brasil e em todos os lugares.

Muita desta raiva vem de uma certeza: hoje os cofres estão vazios, os melhores dias estão no passado e as perspectivas são sombrias.

É bem verdade que muitos que atiram pedras estão muito bem, uma vez que aproveitaram os anos de ouro para se incrustar em lugares de nomeação ou influência governamental por meio de partidos aliados ao ex-governo. E vão continuar lá jogando na política e aproveitando a engrenagem. O sistema é bom para as minorias corporativas. Só maiorias indefesas dão mais do que tiram.

O cenário agora é o seguinte: ou se é petista ou se é golpista. Como antes ou se era golpista, ou se era petista. Vale dizer: tudo segue igual, previsível e muito errado na política. Ontem, como hoje, não há respeito a quem não se alia a lado nenhum porque se recusa a escolher entre duas opções ruins. Entre a peste e a cólera, para dizer de forma clara. 

O lado que ganhou esquece que as pesquisas de opinião mostram com muita clareza que muita gente ultrapassou os argumentos mesquinhos da guerra PSDB/PMDB/PT e tem sim simpatia por alguns traços do projeto anterior. Gente que sabe muito bem que o governo anterior existiu por várias razões e uma delas é que o Brasil precisava de um assomo qualquer de dignidade nacional, precisava ter rotatividade democrática para ser respeitado pelo resto do mundo. 

Alguém aí tem dúvidas sobre a tendência de FHC por Lula em 2002? Ele queria ser patrono desta rotatividade perante o planeta. Enganam-se portanto,  se acham que estou falando de esquerdistas enrustidos. Estou falando de gente de centro, de centro-direita e até da esquerda. Estou falando de gente que tem plena consciência que o Brasil precisava sim romper o ciclo de uma elite política autoritária e escassamente democrática que se revezava no poder por meio de acordos e armações governamentais há tempo demais.

Estou falando de gente esclarecida que sabe muito bem que existe uma "maioria silenciosa" no Brasil que buscou a ruptura com o PT e perdeu. Sim, perdeu, mas continua apostando na construção de um governo de afirmação nacional, de independência, de soberania. Gente que sabe que não vamos conseguir isso com pseudo líderes extremistas (à direita ou à esquerda). Sabe, igualmente, que não se constrói um governo assim com líderes amestrados, patriotas de boca para fora e empáfia que aceitam tudo, assinam tudo e colaboram com tudo que nos empurram goela abaixo. 

Não é por acaso que o Brasil continua esperando um governo que combata a desigualdade, a impunidade, a criminalidade a submissão e a bovinidade. Sim, esperamos por um governo que tenha a coragem de não renegar nossas aspirações por dignidade nacional. Um governo que lute com valentia para buscar a honra perdida da Nação resgatada pelo povo. Que os anjos digam Amém.

domingo, 22 de janeiro de 2017

Qual a diferença entre um País e a bárbarie?


Mesmo que tenha dezenas de bibliotecas, universidades, orquestras, inúmeros escritores e poetas, um País indiferente ao sofrimento das pessoas não é uma Nação de cultura democrática, mas um lugar de barbárie. 

Acho, sinceramente, que se o Brasil não melhorar a desigualdade extrema e a crueldade com que trata os pobres, nosso País não será mais visto como democracia. Como uma das maiores economias do mundo segue sendo tão corrupta e tão incapaz de adotar um projeto para reduzir a pobreza e a desigualdade?

É muita indiferença e descaso. Um País indiferente costuma ser egoísta e classista, do tipo que divide a população entre cidadãos de primeira e de segunda classe em razão da pobreza. Normalmente são nações insensíveis, como a nossa, que adotam sistemas de castas e de privilégios.

O mesmo vale para todos os demais países da Europa, da América do Norte e dos demais continentes. De nada adianta ter toda a cultura do mundo, no caso da Europa, e todo o dinheiro e toda a tecnologia do planeta, no caso dos Estados Unidos, se a população for indiferente a dor dos outros. 

No caso dos Estados Unidos da América: se adotarem mesmo o rumo do egoísmo o País deixará de ser grande a Nação da democracia que é para ser um País de mercadores e de mercenários. Isso vai significar uma regressão histórica jamais vista. 

Não há povo mais rico que o norte-americano.Basta olhar o prato de um norte-americano para ver o desperdício, mas o novo presidente dos Estados Unidos reclama mais vantagens. Sou só uma cidadã, mas acho que esse tipo de discurso da indiferença total com a dor de quem nada tem deve ser recusado e combatido.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Elis Regina, para sempre


Eu resolvi ser jornalista porque acreditava que seria melhor para mim do que ser professora, advogada, ou dona de um restaurante. Tinha vocação para qualquer um desses nobres ofícios. Fiquei com o jornalismo e não me arrependi. Pensei nisso hoje, ao lembrar a morte de Elis Regina.
O Brasil deve muito a Elis mas não foi para que o Brasil lhe devesse alguma coisa que ela se tonou a maior cantora do país. Ela buscou sua vocação e, felizmente, fez (e faz) a felicidade de todos que podem ouvir sua linda voz de mezzo-soprano com um fundo levemente metálico e vagamente rouco.

Tenho me despedido de Elis há mais de três décadas ouvindo seus discos e lembrando sua figura miúda e explosiva no palco, exatamente como a vi uma vez em Brasília. Quatro anos antes, numa tarde chuvosa em que fui pela primeira vez a São Paulo, foi sua voz que me consolou da ausência de sol e da impossibilidade de qualquer passeio.

Sempre fui apaixonada por Elis. Gostava tanto das suas qualidades como dos seus defeitos. Sinto enorme gratidão pelas alegrias que tenho ao ouvir seu lindo canto e reconheço a absoluta importância desta cantora que foi maior do que o seu país.

Só lamento não poder lembrar Elis como uma mulher feliz e não apenas como cantora de sucesso. Sim, gostaria muitíssimo de pensar nela brincando com suas crianças, acordando de uma soneca, lendo um livro, vendo um filme ou rindo de alguma anedota. Não é o que acontece.

Só lembro de uma Elis sofrida, inquieta, tensa e preocupada com o futuro. Alguém que se sacrificou pela própria carreira e pela carreira dos jovens compositores que lançava. Uma cantora que insistia em ser cidadã marcada pelo inconformismo, que estava sempre angustiada com o Brasil. Vale dizer, uma pessoa, como tantos de nós, que não conseguia ser feliz como podia.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

"Há, nos olhos meus, ironias e cansaços"



"Há, nos olhos meus, ironias e cansaços" diz o belíssimo verso de José Régio. É mais ou menos o que venho sentindo sobre as conversas políticas.

Entrei para a cobertura de política no final da década de 80,formada jornalismo, aos 22 anos. Ali permaneci por três décadas.

Tive a honra de cobrir a Assembleia Constituinte, vi a  queda dos militares, o retorno das diretas e dos exilados, acompanhei dois impeachment.  

Estou há mais de dez anos em assessoria de imprensa em Brasília. Acho, sem arrogância, que a política interessa-me com um sentido um pouco mais forte do que interessa a todos.
Acredito que a política garante os valores da liberdade e as normas democráticas, que constituem legado da civilização edificada pelos humanos e que deve valer para todos de forma indisputável e pacífica.

Não concordo com quem leva a política para a praça pública com o intuito de apedrejá-la até o último suspiro porque muitos dos seus líderes afastaram-se dos ideais nobres e das causas públicas.
Da política fizeram parte homens como o admirável Winston Churchill e o ditador Augusto Pinochet, além de milhares de cidadãos decentes que nada tiram e tudo dão. 

Há na política de tudo. E há sobretudo quem esteja nela pelas mais díspares razões, incluindo as moralmente honestas.



Cântico negro

Cântico negro

José Régio


"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
          

A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?



Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
          

A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
          

Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
          

Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.



Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!


José Régio
, pseudônimo literário de José Maria dos Reis Pereira, nasceu em Vila do Conde em 1901. Licenciado em Letras em Coimbra, ensinou durante mais de 30 anos no Liceu de Portalegre. Foi um dos fundadores da revista "Presença", e o seu principal animador. Romancista, dramaturgo, ensaísta e crítico, foi, no entanto, como poeta. que primeiramente se impôs e a mais larga audiência depois atingiu. Com o livro de estreia — "Poemas de Deus e do Diabo" (1925) — apresentou quase todo o elenco dos temas que viria a desenvolver nas obras posteriores: os conflitos entre Deus e o Homem, o espírito e a carne, o indivíduo e a sociedade, a consciência da frustração de todo o amor humano, o orgulhoso recurso à solidão, a problemática da sinceridade e do logro perante os outros e perante a si mesmos.