quinta-feira, 30 de abril de 2015

A palavra é confiança...



  • No Brasil, acredito que a confiança nas instituições do poder – e não apenas do poder político – se encontra, certamente, ao nível mais baixo da história do país. Essa confiança nunca foi extraordinária, mas nunca me pareceu tão ostensiva a ideia de que não podemos confiar nos políticos, nos gestores, nos trabalhadores; não podemos confiar nos jornais, nas televisões, na política; não podemos confinar na justiça, no fisco, nas escolas, nas prisões. Não podemos confiar porque, estranhamente, cresce a impressão que nenhum destes poderes, instituições ou pessoas, funciona como deveria funcionar; nenhum destes poderes age sem uma qualquer obscura motivação ou interesse. Por isso, acho que chegamos neste estado de coisas. 
  • E agora, o que precisamos mudar? Creio que precisamos refletir, voltar à política e buscar soluções com maturidade, lembrando que a maioria das mudanças costuma ser ilusória, porque não se mudam as leis da economia, da concorrência, do conflito; mudar sim, mas para onde? O país terá de seguir com base em alianças parlamentares, sem assustar os investidores ou alienar as classes médias. Seu comando terá de ser sensato e eficaz, moderado e empreendedor. De nada vai adiantar chorar o lei derramado, reclamar as injustiças do mundo e simular lágrimas ao canto do olho. Demagogia e populismo não resolvem.  
  • Os líderes políticos não precisam de ser «boas pessoas», mas precisam sim ter caráter, honestidade e propósitos grandes, realistas e firmes. Precisam, igualmente, reconhecer que a política trata da paz e da prosperidade das pessoas aqui na terra e não da santificação da alma. 

terça-feira, 28 de abril de 2015

A poesia de Cecília Meireles


É preciso não esquecer nada

É preciso não esquecer nada:
nem a torneira aberta nem o fogo aceso,
nem o sorriso para os infelizes
nem a oração de cada instante.

É preciso não esquecer de ver a nova borboleta
nem o céu de sempre.

O que é preciso é esquecer o nosso rosto,
o nosso nome, o som da nossa voz, o ritmo do nosso pulso.

O que é preciso esquecer é o dia carregado de atos,
a ideia de recompensa e de glória.

O que é preciso é ser como se já não fôssemos,
vigiados pelos próprios olhos
severos conosco, pois o resto não nos pertence.


(1962)

domingo, 26 de abril de 2015

Sabedoria do povo: Cristo ou Barrabás?


 
Cristo ou Barrabás? Deu Barrabás... Não, nós não devemos alimentar visões românticas do povo e da sua sabedoria. Quando o povo escolhe mal, escolhe mal.

quarta-feira, 22 de abril de 2015

Os livros são tudo



Estava certo o poeta Jorge Luis Borges ao imaginar o Paraíso como uma espécie de biblioteca. Os livros são tudo. Só os livros alcançam a eternidade. Nas sociedades, tudo passa, – até mesmo as coisas que pensamos ser importantes. Quem mandava no tempo de Gustave Flaubert? Não importa, importa saber que Madame Bovary, com seu tédio e sua cadelinha, sobreviveu e segue conosco.
 
E quem foram as celebridades e os magnatas do tempo de Shakespeare? Ninguém sabe. Só Shakespeare está vivo até hoje. Julieta é eterna e sempre será assim. No Brasil, temos Capitu, com seus "olhos de cigana oblíqua e dissimulada" ou "olhos de ressaca". A seu lado, o inseguro Bentinho. Será que ele amava Escobar? Sempre penso nessa possibilidade. Afinal, são insondáveis os mistérios da alma humana.
 
Dizem que Machado de Assis, mulato e filho de pobres, desejava ser incluído na alta sociedade do Rio de Janeiro. Hoje, ninguém sabe o nome de um só banqueiro ou de um grande comerciante daquele tempo. Só Machado está entre nós com Dom Casmurro, Memórias Póstumas de Brás Cubas e Quincas Borba. Também seguem conosco Guimarães Rosa, Lima Barreto, Autran Dourado, Graciliano Ramos, Érico Verissimo e tantos outros autores de livros notáveis.
 
Quem, neste século, e no século passado, não deve alguma coisa ao romance russo Os Irmãos Karamazov? Paulo Francis dizia que Dostoievski inaugurou a psicanálise antes de Freud, não como método terapêutico, mas como investigação da psique. Ele seria o equivalente russo de Shakespeare, "reinventando" o humano. Cabe tudo nos seus livros: o real e o transcendente.
 
Não há quem não fique maravilhado com Os Miseráveis, de Victor Hugo. Também são pontos máximos da literatura obras como Cem Anos de Solidão, O Apanhador no Campo de Centeio e A Sangue Frio. E Dom Quixote, um dos livros mais extraordinários de todos os tempos? Como esquecer um herói que navega entre a perplexidade e a desorientação em sua infinita aventura?
 
Meu livro favorito, Antígona, de Sófocles (496–406 a.C.), descreve uma das guerreiras mais destemidas de todos os tempos. Ousada e indomável, ela foi em frente e lutou sozinha contra um Rei e seu reinado. Perdeu a vida, derrubou tudo à sua volta mas deixou um grande legado: nenhum poder é absoluto. Borges, outro autor maravilhoso, tem razão: se há paraíso ele é, seguramente, uma espécie de biblioteca. Os livros são tudo. O resto é nada...

Texto escrito a propósito do 23 de abril, Dia Mundial do Livro.

quinta-feira, 16 de abril de 2015

Brasil: erros e incapaciedade


Costumo lembrar todos os dias da natureza efêmera do poder – de todo o poder – que quando não se perde em vida, fatalmente se perderá pelo fim dela. Esta deveria ser, de resto, a principal lição adquirida pelos que trabalham no meio político, sobretudo por aqueles que, em certos momentos, exercem cargos de assessorias para encarregados de funções de soberania.
 
No mundo do poder, deveria predominar o espírito do filme Gladiador: em um dia o protagonista é general e tem poder para mandar milhares de soldados para a morte, no outro é escravo que desperta no meio de uma arena de circo, onde deve lutar desesperadamente para manter o fiapo de vida que lhe resta. É a gangorra do poder, a roda-viva.  
 
"Tudo que fazemos neste mundo ecoa pela eternidade" diz o general de Gladiador aos soldados. A mensagem, que tem força impressionante, mostra a responsabilidade histórica e eterna de quem exerce o poder. Ao mesmo tempo, expõe a natureza efêmera deste mesmo poder. O que pode ficar para a eternidade é o que você faz. Além de diversão, cinema de qualidade costuma ser lição de vida e de história.
 
Quase ninguém percebe a natureza efêmera do poder. O que prevalece no chamado pelotão da frente da política é a vaidade pessoal, a cobiça e o vício do jogo pelo jogo. Uma sociedade melhor  exige amadurecimento e compreensão da verdadeira natureza da ação política, ou seja, mais sentido público de quem se apresenta como protagonista para o exercício da vida pública. 
 
Todos que formam parte do poder deveriam controlar a vaidade e ter mais humildade para a necessária correção de rumos de forma rotineira. Vale a pena recordar Lenin: o pior governo não é aquele que comete erros mas aquele que, cometendo-os, não consegue corrigi-los. É nisto que o Brasil se revela meio que incorrigível: na sua capacidade de errar sucessivamente e sem remorso. 
 

segunda-feira, 13 de abril de 2015

Consolar os aflitos, vestir os nus, perdoar as injúrias...


 
 
Ricardo Noblat escreveu certa vez que o jornalismo existe para consolar os aflitos e não para acudir os satisfeitos. Gostei demais da grandeza daquelas palavras: consolar os aflitos. Pensei conhecê-las do catecismo que aprendi na infância e fui conferir. Estava certa. Eram palavras da catequese da primeira comunhão. Noblat não se lembrava com exatidão, mas não estranhou porque a  influência da igreja em sua formação é muito forte. Ele cresceu rodeado por católicos fervorosos, a começar por duas ou três tias que desejavam torná-lo padre e queriam a todo custo entregá-lo aos cuidados da Igreja. Dom Hélder Câmara foi seu mentor e o incentivou a tornar-se jornalista. A inspiração de Noblat deve ter sido mesmo a catequese e os princípios cristãos que os católicos ensinam aos filhos na infância. São ensinamentos feitos para nos levar a ter sentimentos positivos em relação ao próximo. Exemplo: "vestir os nus", "consolar os aflitos" e “perdoar as injúrias”. Chamam-se obrigações, ou obras, de misericórdia corporal e obrigações, ou obras, de misericórdia espiritual. No total são sete de um lado e sete de outro, totalizando 14. Leia todas elas abaixo:
AS SETE OBRIGAÇÕES, OU OBRAS, DE MISERICÓRDIA CORPORAL:
1) dar de comer a quem tem fome;
2) dar de beber a quem tem sede;

3) vestir os nus;

4) dar pousada aos peregrinos;
5) visitar os enfermos;

6) visitar os prisioneiros;
7) enterrar os mortos.

AS SETE OBRIGAÇÕES OU OBRAS DE MISERICÓRDIA ESPIRITUAL:
1) corrigir os que erram;

2) ensinar os ignorantes;
3) dar bom conselho;

4) consolar os aflitos;
5) sofrer com paciência as fraquezas do próximo;

6) perdoar as injúrias;
7) rogar a Deus pelos vivos e defuntos.

quinta-feira, 9 de abril de 2015

Dez Mandamentos

 
 
 
Dez Mandamentos  
  1. Prezarás a tua independência e a tua liberdade de pensamento e convicção.
  2. Não esconderás as tuas convicções políticas, ideológicas ou de outra natureza, ou até filiação partidária, mas nunca decidirás para agradar a quem as representa, disfarçando a dependência e “preparando” o futuro.
  3. Terás um percurso de vida levando em conta a redução de custos e perda do cargo a qualquer momento porque a necessidade cria dependência e, mais tarde ou mais cedo, transforma-te num escravo.
  4. Estudarás para decidir cada vez com mais competência, não terás receio de te abrir a outros saberes, que vão para lá da tua formação profissional de origem, e promoverás o conhecimento do meio que regulas, para que a tua decisão seja cada vez mais fundamentada e menos subjetiva.
  5. Ouvirás aqueles que regulas e aprenderás sempre com eles, mas, chegado o momento de decidir, não te acobertarás na sua opinião para seres popular ou para te protegeres.
  6. Não terás medo de decidir com dureza, mas saberás ser clemente com aqueles que estiverem em posição de fraqueza, e tentarás nunca ser forte com os fracos e fraco com os fortes.
  7. Aceitarás que, se decidires de forma livre e independente, perderás “amigos” e “conhecimentos”, e também aceitarás que, sempre que decidires contra os interesses de alguém, serás acusado de não ser independente, de não seres competente e de estares ao serviço de outrem.
  8. Terás a humildade de acreditar que o mais importante é a instituição que deixares quando saíres do cargo, e terás a noção de que ninguém é indispensável.
  9. Não recearás as reações que resultem das tuas decisões, mesmo que violentas e insultuosas, e nunca decidirás em função das críticas anunciadas ou que possas antecipar.
  10. Não deixarás sem resposta ataques à tua honra nem aceitarás vender a tua liberdade de expressão e de opinião, mesmo que te critiquem por falares no espaço público. Ou mesmo que te desempreguem.

domingo, 5 de abril de 2015

Manoel de Oliveira

 
Manoel de Oliveira morreu velhinho. Era o mais antigo realizador do mundo em atividade. Foi autor de trinta e dois longas-metragens e representava a língua portuguesa no cinema mundial. Dizem que, pessoalmente, era jovial, amável, conversador, sem afetações. Achava o "campo do é visível muito pequeno". E não tinha muitas ilusões sobre a vida. Em 2013, numa entrevista ao jornal Expresso, deixou claro seu pessimismo: "Tudo o que gente faz é um prenúncio de derrota. A vida é uma derrota. A gente vive na derrota. Nasce contra vontade, e não é senhor do seu destino. O mundo é complexo, incompreensível, talvez não tanto para quem tem uma crença nalguma coisa firme, mas para aqueles onde a dúvida prevalece. E o que proponho é a dúvida. A dúvida é uma maneira de ser.» Também gosto muito de outra frase dele: "Não tenho medo de morrer. Tenho medo é da vida" - Manoel de Oliveira (1908-2015)