- No Brasil, acredito que a confiança nas instituições do poder – e não apenas do poder político – se encontra, certamente, ao nível mais baixo da história do país. Essa confiança nunca foi extraordinária, mas nunca me pareceu tão ostensiva a ideia de que não podemos confiar nos políticos, nos gestores, nos trabalhadores; não podemos confiar nos jornais, nas televisões, na política; não podemos confinar na justiça, no fisco, nas escolas, nas prisões. Não podemos confiar porque, estranhamente, cresce a impressão que nenhum destes poderes, instituições ou pessoas, funciona como deveria funcionar; nenhum destes poderes age sem uma qualquer obscura motivação ou interesse. Por isso, acho que chegamos neste estado de coisas.
- E agora, o que precisamos mudar? Creio que precisamos refletir, voltar à política e buscar soluções com maturidade, lembrando que a maioria das mudanças costuma ser ilusória, porque não se mudam as leis da economia, da concorrência, do conflito; mudar sim, mas para onde? O país terá de seguir com base em alianças parlamentares, sem assustar os investidores ou alienar as classes médias. Seu comando terá de ser sensato e eficaz, moderado e empreendedor. De nada vai adiantar chorar o lei derramado, reclamar as injustiças do mundo e simular lágrimas ao canto do olho. Demagogia e populismo não resolvem.
- Os líderes políticos não precisam de ser «boas pessoas», mas precisam sim ter caráter, honestidade e propósitos grandes, realistas e firmes. Precisam, igualmente, reconhecer que a política trata da paz e da prosperidade das pessoas aqui na terra e não da santificação da alma.
quinta-feira, 30 de abril de 2015
A palavra é confiança...
terça-feira, 28 de abril de 2015
A poesia de Cecília Meireles
É preciso não esquecer nada
É preciso não esquecer nada:
nem a torneira aberta nem o fogo aceso,
nem o sorriso para os infelizes
nem a oração de cada instante.
É preciso não esquecer de ver a nova borboleta
nem o céu de sempre.
O que é preciso é esquecer o nosso rosto,
o nosso nome, o som da nossa voz, o ritmo do nosso pulso.
O que é preciso esquecer é o dia carregado de atos,
a ideia de recompensa e de glória.
O que é preciso é ser como se já não fôssemos,
vigiados pelos próprios olhos
severos conosco, pois o resto não nos pertence.
(1962)
domingo, 26 de abril de 2015
Sabedoria do povo: Cristo ou Barrabás?
Cristo ou Barrabás? Deu Barrabás... Não, nós não devemos alimentar visões românticas do povo e da sua
sabedoria. Quando o povo escolhe mal, escolhe
mal.
quarta-feira, 22 de abril de 2015
Os livros são tudo
Estava certo o poeta Jorge Luis Borges ao imaginar o Paraíso como uma espécie de biblioteca. Os livros são tudo. Só os livros alcançam a eternidade. Nas sociedades, tudo passa, – até mesmo as coisas que pensamos ser importantes. Quem mandava no tempo de Gustave Flaubert? Não importa, importa saber que Madame Bovary, com seu tédio e sua cadelinha, sobreviveu e segue conosco.
E quem foram as celebridades e os magnatas do tempo de Shakespeare? Ninguém sabe. Só Shakespeare está vivo até hoje. Julieta é eterna e sempre será assim. No Brasil, temos Capitu, com seus "olhos de cigana oblíqua e dissimulada" ou "olhos de ressaca". A seu lado, o inseguro Bentinho. Será que ele amava Escobar? Sempre penso nessa possibilidade. Afinal, são insondáveis os mistérios da alma humana.
Dizem que Machado de Assis, mulato e filho de pobres, desejava ser incluído na alta sociedade do Rio de Janeiro. Hoje, ninguém sabe o nome de um só banqueiro ou de um grande comerciante daquele tempo. Só Machado está entre nós com Dom Casmurro, Memórias Póstumas de Brás Cubas e Quincas Borba. Também seguem conosco Guimarães Rosa, Lima Barreto, Autran Dourado, Graciliano Ramos, Érico Verissimo e tantos outros autores de livros notáveis.
Quem, neste século, e no século passado, não deve alguma coisa ao romance russo Os Irmãos Karamazov? Paulo Francis dizia que Dostoievski inaugurou a psicanálise antes de Freud, não como método terapêutico, mas como investigação da psique. Ele seria o equivalente russo de Shakespeare, "reinventando" o humano. Cabe tudo nos seus livros: o real e o transcendente.
Não há quem não fique maravilhado com Os Miseráveis, de Victor Hugo. Também são pontos máximos da literatura obras como Cem Anos de Solidão, O Apanhador no Campo de Centeio e A Sangue Frio. E Dom Quixote, um dos livros mais extraordinários de todos os tempos? Como esquecer um herói que navega entre a perplexidade e a desorientação em sua infinita aventura?
Meu livro favorito, Antígona, de Sófocles (496–406 a.C.), descreve uma das guerreiras mais destemidas de todos os tempos. Ousada e indomável, ela foi em frente e lutou sozinha contra um Rei e seu reinado. Perdeu a vida, derrubou tudo à sua volta mas deixou um grande legado: nenhum poder é absoluto. Borges, outro autor maravilhoso, tem razão: se há paraíso ele é, seguramente, uma espécie de biblioteca. Os livros são tudo. O resto é nada...
Texto escrito a propósito do 23 de abril, Dia Mundial do Livro.
quinta-feira, 16 de abril de 2015
Brasil: erros e incapaciedade
No mundo do poder, deveria predominar o espírito do filme Gladiador: em um dia o protagonista é general e tem poder para mandar milhares de soldados para a morte, no outro é escravo que desperta no meio de uma arena de circo, onde deve lutar desesperadamente para manter o fiapo de vida que lhe resta. É a gangorra do poder, a roda-viva.
"Tudo que fazemos neste mundo ecoa pela eternidade" diz o general de Gladiador aos soldados. A mensagem, que tem força impressionante, mostra a responsabilidade histórica e eterna de quem exerce o poder. Ao mesmo tempo, expõe a natureza efêmera deste mesmo poder. O que pode ficar para a eternidade é o que você faz. Além de diversão, cinema de qualidade costuma ser lição de vida e de história.
Quase ninguém percebe a natureza efêmera do poder. O que prevalece no chamado pelotão da frente da política é a vaidade pessoal, a cobiça e o vício do jogo pelo jogo. Uma sociedade melhor exige amadurecimento e compreensão da verdadeira natureza da ação política, ou seja, mais sentido público de quem se apresenta como protagonista para o exercício da vida pública.
Todos que formam parte do poder deveriam controlar a vaidade e ter mais humildade para a necessária correção de rumos de forma rotineira. Vale a pena recordar Lenin: o pior governo não é aquele que comete erros mas aquele que, cometendo-os, não consegue corrigi-los. É nisto que o Brasil se revela meio que incorrigível: na sua capacidade de errar sucessivamente e sem remorso.
segunda-feira, 13 de abril de 2015
Consolar os aflitos, vestir os nus, perdoar as injúrias...
Ricardo Noblat escreveu certa vez que o jornalismo
existe para consolar os aflitos e não para acudir os satisfeitos. Gostei demais da grandeza daquelas palavras: consolar os aflitos. Pensei conhecê-las
do catecismo que aprendi na infância e fui conferir. Estava certa. Eram palavras
da catequese da primeira comunhão. Noblat não se lembrava com exatidão, mas não estranhou porque a influência da igreja em sua formação é muito forte. Ele
cresceu rodeado por católicos fervorosos, a começar por duas ou três tias que desejavam
torná-lo padre e queriam a todo custo entregá-lo aos cuidados da Igreja. Dom
Hélder Câmara foi seu mentor e o incentivou a tornar-se jornalista. A inspiração de Noblat deve ter sido mesmo a catequese e os
princípios cristãos que os católicos ensinam aos filhos na infância. São ensinamentos feitos para nos levar a ter sentimentos positivos em relação ao próximo. Exemplo: "vestir
os nus", "consolar os aflitos" e “perdoar as injúrias”.
Chamam-se obrigações, ou obras, de misericórdia corporal e obrigações, ou
obras, de misericórdia espiritual. No total são sete de um lado e sete de
outro, totalizando 14. Leia todas elas abaixo:
AS SETE OBRIGAÇÕES, OU OBRAS, DE
MISERICÓRDIA CORPORAL:
1) dar de comer a quem tem fome;
2) dar de beber a quem tem sede;3) vestir os nus;
4) dar pousada aos peregrinos;
5) visitar os enfermos;
6) visitar os prisioneiros;
7) enterrar os mortos.
AS SETE OBRIGAÇÕES OU OBRAS DE
MISERICÓRDIA ESPIRITUAL:
1) corrigir os que erram;
2) ensinar os ignorantes;
3) dar bom conselho;
4) consolar os aflitos;
5) sofrer com paciência as fraquezas do próximo;
6) perdoar as injúrias;
7) rogar a Deus pelos vivos e defuntos.quinta-feira, 9 de abril de 2015
Dez Mandamentos
Dez Mandamentos
- Prezarás a tua independência e a tua liberdade de pensamento e convicção.
- Não esconderás as tuas convicções políticas, ideológicas ou de outra natureza, ou até filiação partidária, mas nunca decidirás para agradar a quem as representa, disfarçando a dependência e “preparando” o futuro.
- Terás um percurso de vida levando em conta a redução de custos e perda do cargo a qualquer momento porque a necessidade cria dependência e, mais tarde ou mais cedo, transforma-te num escravo.
- Estudarás para decidir cada vez com mais competência, não terás receio de te abrir a outros saberes, que vão para lá da tua formação profissional de origem, e promoverás o conhecimento do meio que regulas, para que a tua decisão seja cada vez mais fundamentada e menos subjetiva.
- Ouvirás aqueles que regulas e aprenderás sempre com eles, mas, chegado o momento de decidir, não te acobertarás na sua opinião para seres popular ou para te protegeres.
- Não terás medo de decidir com dureza, mas saberás ser clemente com aqueles que estiverem em posição de fraqueza, e tentarás nunca ser forte com os fracos e fraco com os fortes.
- Aceitarás que, se decidires de forma livre e independente, perderás “amigos” e “conhecimentos”, e também aceitarás que, sempre que decidires contra os interesses de alguém, serás acusado de não ser independente, de não seres competente e de estares ao serviço de outrem.
- Terás a humildade de acreditar que o mais importante é a instituição que deixares quando saíres do cargo, e terás a noção de que ninguém é indispensável.
- Não recearás as reações que resultem das tuas decisões, mesmo que violentas e insultuosas, e nunca decidirás em função das críticas anunciadas ou que possas antecipar.
- Não deixarás sem resposta ataques à tua honra nem aceitarás vender a tua liberdade de expressão e de opinião, mesmo que te critiquem por falares no espaço público. Ou mesmo que te desempreguem.
domingo, 5 de abril de 2015
Manoel de Oliveira
Manoel de Oliveira morreu velhinho. Era o mais antigo realizador do mundo em atividade. Foi autor de trinta e dois longas-metragens e representava a língua portuguesa no cinema mundial. Dizem que, pessoalmente, era jovial, amável, conversador, sem afetações. Achava o "campo do é visível muito pequeno". E não tinha muitas ilusões sobre a vida. Em 2013, numa entrevista ao jornal Expresso, deixou claro seu pessimismo: "Tudo o que gente faz é um prenúncio de derrota. A vida é uma derrota. A gente vive na derrota. Nasce contra vontade, e não é senhor do seu destino. O mundo é complexo, incompreensível, talvez não tanto para quem tem uma crença nalguma coisa firme, mas para aqueles onde a dúvida prevalece. E o que proponho é a dúvida. A dúvida é uma maneira de ser.» Também gosto muito de outra frase dele: "Não tenho medo de morrer. Tenho medo é da vida" - Manoel de Oliveira (1908-2015)
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