quinta-feira, 30 de março de 2017

Onde você esconde seu lado mau?

Todos temos coisas em nós que reprimimos, muitas vezes porque as condenamos, outras vezes porque a sociedade as condena.

Basta um acesso de raiva, uma frustração qualquer, para a agressividade transbordar. Na verdade, sabemos muito pouco sobre nós mesmos. Essa é uma condição da nossa espécie.

Lembro que explodi uma vez, há alguns anos,  com minha filha porque ela estava usando uma das minhas blusas. De forma exagerada e desnecessária, gritei para ela tirar. Momentos depois, quase morri de culpa ao perceber o quanto tinha sido mesquinha. Como explicar aquilo?
 
Eu realmente não sabia de onde vinha toda aquela hostilidade. Fui refletir na terapia: a fúria poderia ter vindo de algum lado obscuro e invejoso que, infelizmente, também era meu? Mesmo relutando, tive de admitir.
Minha filha era jovem, bonita e ficava melhor que eu naquela roupa. E, pior, eu iria morrer antes dela. Esse era o ponto central da inveja. Assim, fui obrigada a reconhecer que havia em mim uma sombra cruel, feia e humana. Em vez de sublime, meu interior era mau.
Quase fiquei demente de tanto pensar nisso na ocasião, mas o terapeuta aliviou, assegurando que todos temos atitudes agressivas de vez em quando. Mais: sombras ruins podem se manifestar até em pessoas que, racionalmente, são as mais doces e mansas criaturas deste vale verde de Deus.

terça-feira, 14 de março de 2017

A GERAÇÃO ENVERGONHADA


A GERAÇÃO ENVERGONHADA

Os ganhos democráticos dos últimos 40 anos são de saudar, mas, lastimavelmente, o resto é vergonha junta. Acredito que esse é o sentimento que predomina entre as pessoas da minha geração. Andávamos pelos 20/30 anos quando a democracia chegou e ficamos eufóricos. Íamos finalmente mudar o Brasil no Estado democrático. Nossos filhos e os filhos dos pobres teriam água limpa.
A morte de Tancredo Neves e a derrota da centro-esquerda em 1989 fez a esperança desaparecer, mas tinhámos liberdade e juventude, logo cada um de nós tratou da própria vida, da carreira e da carteira. Enquanto isso, os partidos tomaram conta da política, com inacreditável irresponsabilidade e uma corrupção crescente, contra as quais o cidadão comum era impotente.
À nossa volta, sucessivos governos distribuíam cargos, favores, verbas e posições na máquina pública a homens sem qualidades que passaram a formar a "elite" política brasileira. Os efeitos dessa pestilência, dessa degradação do poder político por incompetência, abuso, dolo e corrupção, estão aí na Lava-Jato. Os inquéritos estão saindo pelo ladrão na Procuradoria Geral da República.
A julgar pelas pesquisas e as notícias das revistas e dos jornais a reação da população pode ser resumida numa frase: não devemos confiar em nada e contar com nada. O emprego e “crescimento da economia” são fenômenos tão míticos como os unicórnios. Não temos escola, formação, investigação ou cultura. O  mundo das ideias caiu na absoluta irrelevância.
Ganharam os lobbies, a preguiça, a corrupção, a esperteza. E não há fio de Ariadne para nos orientar. A política jaz ao rés do chão. A corrupção pôs em risco a beatificação de Lula e roeu tudo à sua volta. O movimento estudantil foi tomado por arrivistas, que não o largaram mais. A cegueira ideológica afastou a esquerda pensante das universidades.
Dispersos, os intelectuais não realizam o debate. No vácuo, oportunistas e truculentos se organizam para comandar a história sem preparo ou dimensão humana. Nessa altura, ante a corrupção descortinada pela Lava-Jato, o que se impõe é dar sequência aos processos para estabelecer as responsabilidades por meio de julgamentos rigorosos. A propósito: na minha opinião, os escândalos da corrupção dificilmente serão esclarecidos.
Acho que a população dificilmente saberá se as acusações correspondem aos fatos. O complicado é que, na dúvida, alguns políticos poderão se sentir encorajados a seguir pelo mesmo caminho, como se a corrupção impune fosse “o velho” e o “novo normal”. Se assim for, as dificuldades presentes vão agravar-se no futuro próximo, mas, se formos capazes de continuar lutando e de seguir em frente, vamos superar.  

quinta-feira, 2 de março de 2017

Por que ninguém respeita opiniões diferentes?


Por que a militância em um partido ou a dedicação a uma causa leva as pessoas — em muitos casos até as que são extremamente preparadas, cultas e legais — a ofender e a agredir quem discorda delas? Ser filiado, militante, ou simpatizante de um partido, ou a adesão a determinada causa significa assumir algum lado obscuro da personalidade humana?

Nietzsche dizia que só a vontade de poder permite ao indivíduo tornar-se o que realmente é. E, assim, ele pode atingir a auto realização. Logo, a busca do poder via o caminho político, por si só, não é erro. Cumpre reconhecer, a propósito, que há pessoas com vocação e competência para liderar equipes e tirar projetos do papel.
Jeremy Paxman, no livro "The Political Animal", afirma que a realidade sobre a política, no entanto, é cruel, uma vez que existe falta de respeito generalizada contra quem busca o poder via partidos políticos. Se a pessoa é militante da política, ela, invariavelmente recebe algum desprezo, afirma o autor.  
Acredito que para reagir a isso, para se convencer de que está certo, de que não merece desprezo, o engajado mergulha mais fundo nas próprias crenças e convicções, passando a desenvolver certo fanatismo. Na sequência, tende a tornar-se mais radical. O passo seguinte da escalada: ele passa a aborrecer todos à sua volta para convencê-los com suas razões e seus argumentos.

Na avaliação de Paxman, o mundo da política partidária acaba por criar células de pessoas à parte. São núcleos fechados, marmóreos. Funcionam como células em tudo até na simplificação dos conceitos para não admitir contestação. Não reconhecem qualquer validade das teses contrárias às suas linhas de pensamento. Não há nuances. Tampouco racionalidade.

Depois de analisar a vida de inúmeros cidadãos engajados e com posições radicais, o autor concluiu que nessas células não existe gente heroica, confiante, iluminada ou mesmo com sabedoria. Segundo ele, o grosso da militância abriga graves exemplos de criaturas anedóticas, histéricas, obsessivas e complexadas. E a maioria sem uma satisfatória vida pessoal.
Parcela significativa dos fanáticos falha na solução das neuroses pessoais e tenta se consolar dizendo que resolverá os problemas do mundo. A suposta preocupação com o mundo pode fazer dessas células verdadeiras “castas de salvadores” com os olhos vendados por suas ideologias. Claro que pessoas assim não mudam e, dificilmente, mudarão para melhor algo à sua volta.