Ao dar meia-noite que ninguém entristeça, nem se sinta abandonado ou só. Que todos os meus amigos virem a folha do calendário em meio a brindes, risos, abraços e beijos. Todos temos direito a um novo amanhã repleto de alegrias.
quinta-feira, 31 de dezembro de 2015
Final de 2015
Peste Emocional
Foi o ano da peste,
das colheitas perdidas.
Andei ao pé coxinho
de pedra para pedra,
a côdeas de futuro,
de janeiro a janeiro.
Ainda trago marcas
nos braços e nas testa.
Nunca a minha alma
levou tanta porrada.
Nem livros me sofriam
na fustiga do olhar.
Dormia desamor,
acordava mal estar,
corria sem café
para a forca do emprego.
Ficou-me desse giro
desses fundos da geena
a tola convicção
de que, pronto, já passou.
(José Miguel Silva, "Vista Para Um Pátio seguido de Desordem" (2003), Relógio D'Água)
das colheitas perdidas.
Andei ao pé coxinho
de pedra para pedra,
a côdeas de futuro,
de janeiro a janeiro.
Ainda trago marcas
nos braços e nas testa.
Nunca a minha alma
levou tanta porrada.
Nem livros me sofriam
na fustiga do olhar.
Dormia desamor,
acordava mal estar,
corria sem café
para a forca do emprego.
Ficou-me desse giro
desses fundos da geena
a tola convicção
de que, pronto, já passou.
(José Miguel Silva, "Vista Para Um Pátio seguido de Desordem" (2003), Relógio D'Água)
quarta-feira, 30 de dezembro de 2015
"Tropeço de ternura por ti"
UM ADEUS PORTUGUÊS
Nos teus olhos altamente perigosos
vigora ainda o mais rigoroso amor
a luz dos ombros pura e a sombra
duma angústia já purificada
Não tu não podias ficar presa comigo
à roda em que apodreço
apodrecemos
a esta pata ensanguentada que vacila
quase medita
e avança mugindo pelo túnel
de uma velha dor
Não podias ficar nesta cadeira
onde passo o dia burocrático
o dia-a-dia da miséria
que sobe aos olhos vem às mãos
aos sorrisos
ao amor mal soletrado
à estupidez ao desespero sem boca
ao medo perfilado
à alegria sonâmbula à vírgula maníaca
do modo funcionário de viver
Não podias ficar nesta casa comigo
em trânsito mortal até ao dia sórdido
canino
policial
até ao dia que não vem da promessa
puríssima da madrugada
mas da miséria de uma noite gerada
por um dia igual
Não podias ficar presa comigo
à pequena dor que cada um de nós
traz docemente pela mão
a esta pequena dor à portuguesa
tão mansa quase vegetal
Mas tu não mereces esta cidade não mereces
esta roda de náusea em que giramos
até à idiotia
esta pequena morte
e o seu minucioso e porco ritual
esta nossa razão absurda de ser
Não tu és da cidade aventureira
da cidade onde o amor encontra as suas ruas
e o cemitério ardente
da sua morte
tu és da cidade onde vives por um fio
de puro acaso
onde morres ou vives não de asfixia
mas às mãos de uma aventura de um comércio puro
sem a moeda falsa do bem e do mal
Nesta curva tão terna e lancinante
que vai ser que já é o teu desaparecimento
digo-te adeus
e como um adolescente
tropeço de ternura
por ti
Alexandre O'Neill
Nos teus olhos altamente perigosos
vigora ainda o mais rigoroso amor
a luz dos ombros pura e a sombra
duma angústia já purificada
Não tu não podias ficar presa comigo
à roda em que apodreço
apodrecemos
a esta pata ensanguentada que vacila
quase medita
e avança mugindo pelo túnel
de uma velha dor
Não podias ficar nesta cadeira
onde passo o dia burocrático
o dia-a-dia da miséria
que sobe aos olhos vem às mãos
aos sorrisos
ao amor mal soletrado
à estupidez ao desespero sem boca
ao medo perfilado
à alegria sonâmbula à vírgula maníaca
do modo funcionário de viver
Não podias ficar nesta casa comigo
em trânsito mortal até ao dia sórdido
canino
policial
até ao dia que não vem da promessa
puríssima da madrugada
mas da miséria de uma noite gerada
por um dia igual
Não podias ficar presa comigo
à pequena dor que cada um de nós
traz docemente pela mão
a esta pequena dor à portuguesa
tão mansa quase vegetal
Mas tu não mereces esta cidade não mereces
esta roda de náusea em que giramos
até à idiotia
esta pequena morte
e o seu minucioso e porco ritual
esta nossa razão absurda de ser
Não tu és da cidade aventureira
da cidade onde o amor encontra as suas ruas
e o cemitério ardente
da sua morte
tu és da cidade onde vives por um fio
de puro acaso
onde morres ou vives não de asfixia
mas às mãos de uma aventura de um comércio puro
sem a moeda falsa do bem e do mal
Nesta curva tão terna e lancinante
que vai ser que já é o teu desaparecimento
digo-te adeus
e como um adolescente
tropeço de ternura
por ti
Alexandre O'Neill
sexta-feira, 25 de dezembro de 2015
domingo, 20 de dezembro de 2015
Sem jeremíadas, por favor!
Não contem comigo. Não estou
especialmente disponível para um discurso contra o Brasil. Não tenho ressentimentos
geográficos. Nunca desejei ser filha da Europa ou de qualquer outro Continente. Estou bem aqui. Sempre reconheço no
discurso de "só no Brasil" uma variante um pouco mais educada do "não está vendo com quem
está falando?" Coisa de quem deseja dizer que é melhor que os outros, que viajou, que conhece outros países, enfim, que não é como todo o mundo...Também viajei um pouco e quero declarar que não sou dada
a "patriotadas", mas considero as queixas sem sentido, essas verdadeiras jeremíadas do tipo "só
neste país", sempre acompanhadas de um olhar artificial de desprezo, uma
chatice. É saudável e desejável condenar a mania de grandeza, aquela história
patética do “maior do mundo”. Nada disso. E nada também de sair
por aí, para parecer descolado, ou “cool”, fazendo provocações gratuitas e dizendo
que “não existe cultura brasileira ou idioma português”. Quando escuto isso lembro-me do esforço
que tantos professores fazem para repassar o legado de Camões, Fernando Pessoa, Camilo Castelo Castello Branco, Machado de Assis, Guimarães Rosa,
Jorge Amado, Tom Jobim, Tarsila do Amaral e tantos outros. E acho,
sinceramente, que gente que diz essas coisas pode até ser e parecer engraçada, mas
não foi grande coisa na escola.
domingo, 6 de dezembro de 2015
Isso é tudo que tenho...
Faça chuva ou faça sol, em qualquer dia da semana há brasileiros
discutindo sobre o impeachment, sobre o PMDB, o PT, a crise e Eduardo Cunha.
Pessoas que se interessam por política. E que dizem coisas interessantes como
este pensamento que li (não lembro onde) hoje: o pressuposto da
democracia é a legitimidade daquele que discorda de mim.
Se estou sendo investigado por ilegalidades no
trato da coisa pública, como posso exigir ética dos outros? Como posso apontar
o dedo em direção a alguém? Se não tenho princípios, se acredito que o fim
justifica os meios, como posso alegar padrões éticos para tentar condenar alguém?
Posso ser moralista se recebi dinheiro de caixa dois?
O pressuposto da democracia é a legitimidade daquele
que discorda de mim. E a credibilidade de quem se acha no direito de discordar, contestar e exigir honestidade dos outros. Isso é o
que ensinam as pessoas que se interessam pela política com espírito público e
consciência. Eu conheço muitas pessoas assim.
São pessoas que nos fazem pensar
porque participam, procuram ler e analisar as notícias e prestam muita atenção nos
discursos transmitidos pela TV Câmara, TV Senado e pela TV Justiça. Elas acreditam, têm plano, ideias e certezas. Têm
uma «consciência política», uma «visão do mundo».
Eu não possuo um plano, uma
ideia ou sequer uma certeza. E, muito menos, uma «visão». Sou míope desde
pequena, vejo tudo embaçado. Na verdade não possuo quase nada. E meu estilo de
vida levou muito da minha fé. Além disso, sei muito menos do que gostaria.
As pessoas do mundo do poder de Brasília, onde
moro há três décadas e meia, sabem quase tudo do poder. Argumentam que
precisamos mudar a política porque a política se converteu num pântano de irregularidades,
distorções, intrigas e desvios do dinheiro público.
Estas pessoas sabem tanto que
enxergam a política quase como uma entidade que existe fora do coração dos
homens. Isso me espanta. Elas acreditam que podem mudar a política
porque seguem acreditando nos homens, confiam na espécie, no esforço humano e
sonham com um futuro melhor para seus filhos e os filhos dos seus filhos.
Para
elas, há sempre alguma coisa por trás do erro ou do fracasso, uma explicação
última para a falha ou para o insucesso, uma verdade essencial que tudo explica
e tudo redime. Eu invejo esta firmeza e decisão. Sou tão insegura e confusa que chego a pensar
que há remédios piores do que algumas doenças, mas não queria ser assim.
Queria
ter fé, confiança e certezas. E queria muito uma “consciência política”. Quem
sabe assim eu conquistaria o direito de viver sem tantas indecisões, dores e tantos
tormentos. Quem sabe assim eu deixaria de ser esta apática e apolítica criatura
em que me transformei. Acreditem em mim. Não quero mais ser como sou.
Não quero mais suspeitar de Rosseau. Não posso continuar achando que o homem não é uma criatura em que se possa confiar. Vou mudar. Sei que careço de otimismo,
fé e esperança, mas tenho o resoluto desejo de seguir carregando o estandarte das pessoas
de boa vontade. Além do desejo de seguir navegando. É só isso que tenho.
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