quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Você conhece "o demônio de Evágrius"?





No livro "Origens Sagradas das Coisas Profundas”, Charles Panati conta que o teólogo e monge grego Evágrius Pôntico (346 d.C. a 440 d.C) identificou, depois de estudos no Egito, os oito males do corpo humano que deram origem aos sete pecados capitais. Gula, avareza, luxúria, ira, melancolia, acédia, vaidade e orgulho constam da lista original. Mais tarde, a Igreja usou a lista de de Evágrius. mas substituiu melancolia por preguiça e excluiu a acédia — ou acídia. 

Na história da filosofia, a definição de acédia é "estado de torpor, de ausência de atenção e de cuidado exterior, de alheamento em relação à pessoa em si mesma e em relação ao mundo que a rodeia". Na Idade Média, dizia-se que a acédia, também conhecida como o "demônio de Evagrius" — em razão do nome do teólogo que a definiu — adormecia os monges. Entorpecidos, eles conviviam, sem reagir ou protestar, com os atos mais cruéis e desumanos.  

Quando vejo algumas pessoas dizendo, em relação à corrupção e a degradação política, que “não há nada a fazer, pois todos são desonestos”, penso no demônio do Evágrius. Se parcela significativa da população achar que devemos dar de ombro e mudar de assunto vai aumentar a indiferença e vai crescer o alheamento, mas não é este o melhor caminho. Adormecer não funcionou para aliviar os crimes da Igreja no passado e não vai garantir a inocência dos corruptos hoje. 

A Justiça não socorre aqueles que dormem. Na verdade, só ganha a guerra contra a desonestidade e a corrução quem persiste, quem faz leis duras, quem pune corruptos com a cadeia. Sem fraquejar, sem ceder às tentações, sem adormecer um só dia, uma só noite.  Não existe "povo corrupto" em países que estão mergulhados na crise moral e povo honesto e imaculado em sociedades onde o flagelo da roubalheira está sob controle. 

O combate à corrupção deu certo onde as instituições funcionam, onde existe liberdade de imprensa e as leis valem para todos. Não é função do Estado a reforma dos costumes e valores. Isso é tarefa para os pais, os educadores, os pregadores. E eles fazem bem o seu trabalho. Ensinam valores, agem de forma correta. Sem perder a esperança. Estão certos. Os horizontes da honestidade são amplos. Não falo por ser otimista, mas por ser realista. 

Os corruptos perderam a guerra no lado do mundo onde se vive melhor. Estão perdendo aqui também. Corruptos identificados pela Justiça não podem andar nas ruas, ir a restaurantes ou embarcar em aviões. A corrupção não favorece os negócios. Encarece o preço dos bens e serviços. Desorganiza e inflaciona a economia. Prejudica a produtividade. Causa depressão, tensão e insatisfação. País corrupto perde oportunidades e investimentos.   

O povo não é trouxa. Tanto que ninguém acredita na balela de que podemos fazer as coisas de modo corrupto e criminoso porque outros agem de modo corrupto e criminoso. Não estamos numa competição para saber quem é pior. Alegar que está tudo bem porque temos companhia no banco dos réus é fazer discurso infantil e desqualificado, além de desrespeitoso com a inteligência e os valores dos outros. Sem contar que não inocenta ninguém. No máximo, mostra que o banco dos réus está lotado, tão cheio que tem gente saindo pelo ladrão.
 

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