domingo, 6 de novembro de 2016

Reflexões sobre a entrevista de Sérgio Moro

Li a entrevista do juiz Sérgio Moro no jornal O Estado de S. Paulo neste domingo, 6 de novembro de 2016. Estou impressionada com sua segurança e seu estilo direto: ‘Jamais entraria para a política’, ele disse. Acredito que o Meritíssimo Juiz sabe que, ao dizer isso, está excluindo a Política dos caminhos mais nobres a serem trilhados. Eu diria até que algumas pessoas poderão entender a afirmação como “demonização” da política.

Discordo tão completamente das suas palavras neste ponto que resolvi manifestar minha opinião: só por meio da Política o Brasil vai se inserir no espaço civilizacional que mais consolidou a dignidade do ser humano. Aliás, apesar de todos os obstáculos, o País deve aos seus governos realizações e avanços significativos no aspecto social, econômico, cultural, e até, embora menos, no aspecto político. Pena que tudo o que se fez não foi suficiente.

O Meritíssimo juiz está tentando dar um basta no colapso de credibilidade do sistema judicial brasileiro e está fazendo renascer a esperança do sonho de reformar, reconstruir e reabilitar a confiança neste pilar do Estado de Direito que estávamos diariamente a deixar de ser. Não posso, contudo, celebrar sua visão excludente da Política. Nada legitima nem justifica a exclusão da Política como um dos principais espaços para o exercício da vida pública.

O que um jovem vai pensar ao ler a manchete do Estadão de hoje? Acho que poderá concluir que a Política não presta. O juiz até disse que não vê demérito na Política, mas o fato de dizer que “jamais” trilharia um caminho, acaba por condená-lo, levando em conta o peso e a dimensão de suas palavras.

Sérgio Moro faz parte de uma geração que nasceu com liberdade. Uma geração que deve à Política a liberdade de pensar, participar e discordar. Uma geração que exerce esse tributo com gosto e naturalidade. Não é por acaso que ele, acertadamente, avança contra a impunidade e a corrupção sem vênias aos que se consideram proprietários do Brasil e sem reconhecer qualquer autoridade aos que manipulam as leis para desviar recursos públicos.

Ele age da forma que age porque pode fazê-lo e isso se deve à Política. Mas, será que importará defender a política mesmo tão desacreditada? Acho que sim, até para homenagear os antepassados que garantiram aos brasileiros, além da liberdade individual, a liberdade enquanto povo soberano. Importa também para lembrar as personalidades e organizações civis que ao longo de décadas se bateram pela justiça e equidade.

Importará fazê-lo, ainda, para um momento de estímulo à reflexão sobre a nossa realidade e os nossos erros cujos responsáveis, em primeira linha são os políticos, as direções partidárias e os integrantes da elite empresarial. Mas, responsáveis são, em menor grau, os cidadãos e a Sociedade Civil porque não cuidaram de desenvolver uma colaboração exigente com o Estado.

Os brasileiros, obviamente com exceções, não respondem bem à sua responsabilidade social. A nós, e só a nós – Estado, sistema político, Sociedade Civil e mercado; enfim, partidos políticos e cidadãos – cumpre a ação e a responsabilidade de enfrentar e vencer os desafios. Somos nós (todos nós) que fazemos o nosso destino.

Aliás, o Meritíssimo juiz faz política ao usar a força e a influência que merecidamente conquistou na República para condenar o foro privilegiado, o projeto de lei do abuso de autoridade e a criminalização do caixa dois como formas de combater a impunidade e a corrupção. Tudo certo. Temos mais é de agradecer pela sua luta para resgatar a decência e a honestidade no nosso País.

A propósito: a resposta que Moro dá aos seus críticos é primorosa: “Processo é questão de prova. É errado tentar medir a Justiça por réguas ideológicas. Se a pessoa é culpada ou não, não importa se ela é de esquerda, se é de direita, se ela é de centro, tampouco importa se o juiz é de direita, se é de esquerda ou se é de centro.”

Eu também lamento que a liberdade do nosso país, uma oportunidade que devia ser de todos, tenha servido muito mais aos desonestos que não hesitaram em tentar conformar a Justiça; clientelizar o voto e condicionar a autonomia das instituições. Não é por acaso que cada vez menos brasileiros acreditam nas palavras de quem quer que seja, a começar pela dos políticos.  

É isso. A proteção da nossa liberdade implica políticas mais firmes, leis mais realistas e tribunais mais eficazes, mas só na Política podemos promover uma cultura social diferente, fazendo com que cada direito corresponda a um dever e cada liberdade corresponda a uma responsabilidade.  Só assim vamos reinventar nosso destino.

Vanda Célia


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