A moral não existe para punir, para reprimir, para condenar. Para isso há tribunais e prisões. A moral se manifesta dentro de cada um de nós, onde nós somos livres. Se uma pessoa quer roubar algo numa loja, mas há um guarda observando, ou uma câmera filmando, a pessoa recua com medo de ser apanhado, de ser punido, de ser condenado? Ok, ela não recuou por honestidade, recuou por cálculo. Então, isso não é moral; é precaução. O medo da autoridade é o contrário da virtude, ou é apenas a virtude da prudência. Imagina, pelo contrário, que aquela pessoa, ou mesmo você, tem o anel de que fala Platão, o anel de Giges. É um anel mágico que torna você invisível. Giges, que era um homem honesto, encontrou o anel mas não soube resistir às tentações: aproveitou os poderes mágicos para entrar no Palácio, seduzir a rainha, assassinar o rei, tomar o poder e exercê-lo em seu exclusivo benefício...
Quem conta a história n'A República [uma das obras de Platão] conclui que o bom e o mau não se distinguem senão pela prudência ou pela hipocrisia. O que isto sugere? Que a moral pode ser apenas uma ilusão, um engano, um medo disfarçado de virtude. Bastaria ter a posse do anel para que qualquer interdição desaparecesse, e não houvesse senão a procura, por parte de cada um, do seu prazer ou do seus interesses egoístas. Será isto verdade? Claro que Platão está convencido do contrário. Mas ninguém é obrigado a ser adepto de Platão. O que pensar, então? Que a única resposta válida está em cada um de nós. E você, o que faria se tivesse o anel de Giges? Qual seria a sua moral? Aquilo que você exige de você, não em função do olhar dos outros ou desta ou daquela ameaça exterior, mas em nome do seu entendimento do bem e do mal, do admissível e do inadmissível.
Concretamente: sua moral é o conjunto das regras que você obedece de forma livre, mesmo que fosse invisível e invencível. Você não tem o anel? Isso não dispensa ninguém da necessidade de refletir, de julgar, de agir. Se há uma diferença mais do que aparente entre um homem mau e um homem bom é porque o olhar dos outros não é tudo, porque a prudência não é tudo. Tal é a aposta da moral e a sua solidão derradeira: toda a moral é em relação ao outro, mas é pessoal e intransferível. Claro que agir moralmente é tomar em consideração os interesses do outro, mas «às ocultas dos deuses e dos homens», como diz Platão, ou, dito de outro modo, sem recompensa nem castigo possíveis e sem ter necessidade, para isso, de outro olhar que não o próprio.
E não é a religião que fundamenta a moral; pelo contrário, é a moral que fundamenta ou justifica a religião. Não é porque Deus existe que devo agir bem; é por agir bem que posso ter esperança — não para ser virtuoso, mas para escapar ao desespero — de crer em Deus. Não é porque Deus me ordena qualquer coisa que isso é bom; é por um mandamento ser moralmente bom que posso acreditar que vem de Deus. Deste modo, a moral não impede a crença, até conduz, segundo Kant, à religião. Mas não depende desta nem pode ser reduzida a ela. Mesmo que Deus não exista, mesmo que não haja nada depois da morte, isso não dispensa você, ou ninguém, de agir de forma humana.