domingo, 30 de outubro de 2011

Onde os pobres não têm vez





Pela ordem de nascimento, sou a segunda filha de uma família numerosa do interior de Minas. Éramos pobres e dávamos graças a Deus pela casa e a comida. Não tínhamos, porém, nenhum direito. Hoje, quatro décadas depois, no fundo da memória isso ainda dói. Não tínhamos condições de reagir às injustiças.

Quando minha irmã mais velha, Maria do Carmo, engravidou do primeiro filho, que seria também primeiro sobrinho e primeiro neto, todo o mundo em casa passou a rir à toa. Ficamos apaixonados por aquele filhote, tanto que começamos uma competição para ver quem iria sugerir o nome que acabaria escolhido para o batismo.

Minha irmã teve gravidez tranqüila. Na verdade, tudo correu bem até o momento do parto, realizado em um hospital particular da cidade. Ali, no momento do nascimento, a criança sofreu grave paralisia cerebral, vítima de negligência médica. Sobreviveu com seqüelas, permanentemente incapacitada e exigindo cuidados da mãe 24 horas por dia. A negligência jamais foi punida.


Nosso consolo foi ver nosso amado filhote, que chamamos de Dedé, superando dificuldades chegando a andar e falar, graças à dedicação de sua mãe e de seu pai. Minha irmã não se queixa, mas quando lembro dela cuidando do filho noite e dia penso que é muita injustiça e muita impunidade. Coisas que acontecem com quem nasceu onde os pobres não têm vez.

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