domingo, 30 de outubro de 2011

Onde os pobres não têm vez





Pela ordem de nascimento, sou a segunda filha de uma família numerosa do interior de Minas. Éramos pobres e dávamos graças a Deus pela casa e a comida. Não tínhamos, porém, nenhum direito. Hoje, quatro décadas depois, no fundo da memória isso ainda dói. Não tínhamos condições de reagir às injustiças.

Quando minha irmã mais velha, Maria do Carmo, engravidou do primeiro filho, que seria também primeiro sobrinho e primeiro neto, todo o mundo em casa passou a rir à toa. Ficamos apaixonados por aquele filhote, tanto que começamos uma competição para ver quem iria sugerir o nome que acabaria escolhido para o batismo.

Minha irmã teve gravidez tranqüila. Na verdade, tudo correu bem até o momento do parto, realizado em um hospital particular da cidade. Ali, no momento do nascimento, a criança sofreu grave paralisia cerebral, vítima de negligência médica. Sobreviveu com seqüelas, permanentemente incapacitada e exigindo cuidados da mãe 24 horas por dia. A negligência jamais foi punida.


Nosso consolo foi ver nosso amado filhote, que chamamos de Dedé, superando dificuldades chegando a andar e falar, graças à dedicação de sua mãe e de seu pai. Minha irmã não se queixa, mas quando lembro dela cuidando do filho noite e dia penso que é muita injustiça e muita impunidade. Coisas que acontecem com quem nasceu onde os pobres não têm vez.

sábado, 22 de outubro de 2011

Tudo tem começo...



Minha bisavó tinha mania de “datar” as coisas. “Filhinha, você que estuda na cidade grande e sabe muitas coisas será que você pode me dizer quando foi que o mundo virou de cabeça para baixo?”, ela perguntava, assim que batia os olhos em mim.


Eu ria: “Sei lá, Bisa, o SEU mundo é que mudou, o meu é de um tédio sem fim e continua sempre igual”. Ela balançava a cabeça, como se estivesse desistindo de mim e retrucava, falando sério: “O mundo virou de cabeça prá baixo depois que o homem foi à lua, EU sei”...


Anos depois, li um artigo cheio de tabelas e argumentos mostrando, de forma sofisticada, o que minha querida bisa Sílvia Barreto dizia com simplicidade: a corrida pela tecnologia espacial entre a Rússia e os Estados Unidos EUA virou mesmo, de ponta a cabeça, o mundo em que vivemos.


Pensei nisso hoje e agradeci a Deus por ter tido a sorte e o privilégio de conviver, ao longo de 26 anos, com uma bisavó curiosa e esperta que me ensinou a pensar que as coisas “devem começar do começo”, como dizia Roosevelt.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Saudades de Portugal...




Quem nasce em Portugal carrega alguma melancolia no jeito de olhar. Deve ser destino de quem veio ao mundo para amar o desconhecido, que está além do nosso campo de visão. A grandeza de Portugal não está na vida, está no mar. Não é por acaso que os portugueses levaram tão a sério a história de lançar as velas ao mar. Não é por acaso, igualmente, que cantam aqueles fados tristes e medievais. Como disse Marguerite Duras, "alguma dor se confunde com a música". Para confirmar isso basta ouvir Amália Rodrigues, uma única vez, cantando "Estranha forma de vida" em Lisboa, no fim de uma tarde de outono.




quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Pergunta ao infinito



Que razões poderá ter Deus para fazer o que faz, se não sou pior do que minha amiga Ruth Machado?

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Brasileiro quer conforto




O povo brasileiro mudou muito nos últimos trinta anos. Se antes era modesto, e vivia de forma extremamente simples, passou a ter, hoje, instinto apurado para o conforto: e tudo o que deseja é viver bem, numa casa bem equipada, onde possa dormir numa cama forrada com lençóis de algodão branco e com a cabeça sobre travesseiros bem macios e perfumados.


Para o almoço, espera bife de carne grelhada, se possível acompanhado de vinho tinto. No armário, aprecia ter um bom abastecimento de queijos, azeite e algumas garrafas de bebidas nacionais e importadas. Se conseguir manter esse padrão de vida, o brasileiro terá, em troca, um valoroso comportamento no trabalho. Será produtivo e criativo. Aliás, acho que essas são pré-condições essenciais para garantir a produção no Brasil.

Nenhuma empresa, porém, conseguirá pôr no batente um brasileiro, se ele não puder contar com nível mínimo de conforto. Se tiver que dormir mal, se não contar com banho morno, arroz, feijão e bife no prato, o brasileiro empaca, não rende.

É isso: o que vale para o trabalhador da Europa e dos Estados Unidos já está valendo nas principais capitais brasileiras. Ainda ganhamos menos aqui, mas logo logo isso vai se ajustar porque estamos muito mais sofisticados que a geração anterior. O tempo passou e o Brasil mudou.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Cão no cio? Calma, promotor!


Notícia deliciosa sobre o caso Gisele Bündchen saiu na Folha de S. Paulo, mas passou desapercebida. Fausto Rodrigues Lima, promotor de Justiça do Distrito Federal, escreveu ao jornal para dar apoio à ministra Iriny Lopes. Disse o seguinte: "Para gastar todo o dinheiro do marido e conseguir sua compreensão, a mulher brasileira precisa lhe conceder sexo. O ensinamento de uma campanha da lingerie Hope causou justa indignação a ponto de a Secretaria de Políticas para as Mulheres pedir sua suspensão. Essa e outras manifestações sexistas escamoteiam faceta pouca explorada: o homem também é discriminado. Ora, para a campanha referida, o marido ideal precisa ser o provedor; caso contrário, não pode ter uma mulher linda e disponível para o sexo. Como um cão no cio, necessita de sexo a todo momento e a todo custo. Não deve se importar com a satisfação da parceira; basta que ela finja prazer. Nós, homens do século 21, somos seres pensantes”... A história do “cão no cio...” representa grande desmoralização para o promotor, coitado. Ele não se deu conta que não existe cão no cio. O cio só existe nas fêmeas, no período da ovolução.

domingo, 2 de outubro de 2011

Medo da morte tem cura?


Sempre gostei de Gore Vidal, um dos maiores escritores dos Estados Unidos e da língua inglesa. Aprecio o estilo forte e áspero de quem não faz concessões. "Sou tão anti-social quanto é possível ser", escreveu ele certa vez, acrescentando nunca ter tido "opinião excessivamente elevada do mundo até porque o mundo não faz nada para mudar". Gostaria de ter escrito coisas assim, eu pensava ao ler seus textos. Pois é, mas mesmo apreciando tanto o estilo seco e direto, passei a viver numa realidade literária paralela, depois dos 50 anos. E estou me apegando a textos suaves, verdadeiras "churumelas".

Devo ter perdido a razão. Olha só o que eu estava postando no blog neste domingo, 2 de outubro:"O verdadeiro problema não é o de saber se viveremos depois da morte, mas o de saber se estamos vivos antes de morrer, diz o escritor Maurice Zundel. Ele considera que "o sentido de existir é nossa capacidade de ter grandeza de espírito para irradiar e testemunhar valores essenciais como respeito, amizade, amor e generosidade." Deus do Céu... Será que medo da morte deixa a gente cafona deste jeito? Será que isso tem cura?