Em fila indiana os três caminhavam.
Passou uma velha e pôs-se a troçar:
-O burro vai leve e sem se cansar!
O velho então pra não ser mais troçado,
Resolve no burro ir ele montado.
Chegou uma moça e pôs-se a dizer:
-Ai, coisa feia! Que triste que é ver!
O velho no burro, enquanto o rapaz,
Pequeno e cansado, a pé vai atrás!
O velho desceu e o filho montou.
Mas logo na estrada alguém gritou:
-Bem se vê que o mundo está transtornado!
O pai vai a pé e o filho montado!
O velho parou, pensou e depois
Em cima do burro montaram os dois.
Assim pela estrada seguiram os três:
Mas ouvem ralhar pela quarta vez:
Um rapaz já grande e um velho casmurro.
São cargas de mais no lombo de um burro!
Então o velhote seu filho fitou
E com tais palavras, sério, falou:
Aprende, rapaz, a não te importar,
Se a boca do mundo de ti murmurar.
Sophia de Mello Breyner Andersen
Abaixo,
versão mais antiga da mesma história, também em versos, mas com autoria desconhecida:
Abaixo,
versão mais antiga da mesma história, também em versos, mas com autoria desconhecida:
O velho, o rapaz e o burro
O Mundo ralha de tudo,
Tenha ou não tenha razão,
Quero contar uma história
Em prova desta asserção.
Partia um velho campónio
Do seu monte ao povoado,
Levava um neto que tinha
No seu burrinho montado:
Encontra uns homens que dizem:
"Olha aquela que tal é!
Montado o rapaz que é forte,
E o velho trôpego a pé."
"Tapemos a boca ao mundo",
Tenha ou não tenha razão,
Quero contar uma história
Em prova desta asserção.
Partia um velho campónio
Do seu monte ao povoado,
Levava um neto que tinha
No seu burrinho montado:
Encontra uns homens que dizem:
"Olha aquela que tal é!
Montado o rapaz que é forte,
E o velho trôpego a pé."
"Tapemos a boca ao mundo",
O velho disse: "Rapaz,
desce do burro, qu'eu monto,
E vem caminhando atrás."
Monta-se, mas dizer ouve:
"Que patetice tão rata!
O tamanhão de burrinho,
E o pobre pequeno à pata."
"Eu me apeio", dis prudente
O velho de boa-fé,
"Vá o burro sem carrego,
E vamos ambos a pé."
Apeiam-se, e outros lhe dizem:
"Toleirões, calcando lama!
De que lhes serve o burrinho?
Dormem com ele na cama?"
"Rapaz", diz o bom do velho,
"Se de irmos a pé murmuram,
Ambos no burro montemos,
A ver se inda nos censuram".
Montam, mas ouvem de um lado:
"Apeiem-se, almas de breu,
Querem matar o burrinho?
Aposto que não é seu."
"Vamos ao chão", diz o velho,
"Já não sei qu'ei-de fazer!
O mundo está de tal sorte,
Que se não pode entender.
É mau se monto no burro,
Se o rapaz monta, mau é,
Se ambos montamos, é mau,
E é mau se vamos a pé:
De tudo me têm ralhado,
Agora que mais me resta?
Peguemos no burro às costas,
Façamos inda mais esta."
Pegam no burro: o bom velho
Pelas mãos o ergue do chão,
Pega-lhe o rapaz nas pernas,
E assim caminhando vão.
"Olhem dois loucos varridos!",
Ouvem com grande sussuro,
"Fazendo mundo às avessas,
Tornados burros do burro!"
O velho então pára e exclama:
"Do qu' observo me confundo!
Por mais qu'a gente se mate
Nunca tapa a boca ao mundo.
Rapaz, vamos como dantes,
Sirvam-nos estas lições;
É mais que tolo quem dá
Ao mundo satisfações."
desce do burro, qu'eu monto,
E vem caminhando atrás."
Monta-se, mas dizer ouve:
"Que patetice tão rata!
O tamanhão de burrinho,
E o pobre pequeno à pata."
"Eu me apeio", dis prudente
O velho de boa-fé,
"Vá o burro sem carrego,
E vamos ambos a pé."
Apeiam-se, e outros lhe dizem:
"Toleirões, calcando lama!
De que lhes serve o burrinho?
Dormem com ele na cama?"
"Rapaz", diz o bom do velho,
"Se de irmos a pé murmuram,
Ambos no burro montemos,
A ver se inda nos censuram".
Montam, mas ouvem de um lado:
"Apeiem-se, almas de breu,
Querem matar o burrinho?
Aposto que não é seu."
"Vamos ao chão", diz o velho,
"Já não sei qu'ei-de fazer!
O mundo está de tal sorte,
Que se não pode entender.
É mau se monto no burro,
Se o rapaz monta, mau é,
Se ambos montamos, é mau,
E é mau se vamos a pé:
De tudo me têm ralhado,
Agora que mais me resta?
Peguemos no burro às costas,
Façamos inda mais esta."
Pegam no burro: o bom velho
Pelas mãos o ergue do chão,
Pega-lhe o rapaz nas pernas,
E assim caminhando vão.
"Olhem dois loucos varridos!",
Ouvem com grande sussuro,
"Fazendo mundo às avessas,
Tornados burros do burro!"
O velho então pára e exclama:
"Do qu' observo me confundo!
Por mais qu'a gente se mate
Nunca tapa a boca ao mundo.
Rapaz, vamos como dantes,
Sirvam-nos estas lições;
É mais que tolo quem dá
Ao mundo satisfações."