segunda-feira, 28 de outubro de 2019

O velho, o rapaz e um burro

Um velho, um rapaz e um burro na estrada.
Em fila indiana os três caminhavam.
Passou uma velha e pôs-se a troçar:
-O burro vai leve e sem se cansar!
O velho então pra não ser mais troçado,
Resolve no burro ir ele montado.
Chegou uma moça e pôs-se a dizer:
-Ai, coisa feia! Que triste que é ver!
O velho no burro, enquanto o rapaz,
Pequeno e cansado, a pé vai atrás!
O velho desceu e o filho montou.
Mas logo na estrada alguém gritou:
-Bem se vê que o mundo está transtornado!
O pai vai a pé e o filho montado!
O velho parou, pensou e depois
Em cima do burro montaram os dois.
Assim pela estrada seguiram os três:
Mas ouvem ralhar pela quarta vez:
Um rapaz já grande e um velho casmurro.
São cargas de mais no lombo de um burro!
Então o velhote seu filho fitou
E com tais palavras, sério, falou:
Aprende, rapaz, a não te importar,
Se a boca do mundo de ti murmurar.
Sophia de Mello Breyner Andersen

Abaixo,
versão mais antiga da mesma história, também em versos, mas com autoria desconhecida:  
 
O velho, o rapaz e o burro
 
O Mundo ralha de tudo,
Tenha ou não tenha razão,
Quero contar uma história
Em prova desta asserção.
Partia um velho campónio
Do seu monte ao povoado,
Levava um neto que tinha
No seu burrinho montado:
Encontra uns homens que dizem:
"Olha aquela que tal é!
Montado o rapaz que é forte,
E o velho trôpego a pé."
"Tapemos a boca ao mundo",
O velho disse: "Rapaz,
desce do burro, qu'eu monto,
E vem caminhando atrás."
Monta-se, mas dizer ouve:
"Que patetice tão rata!
O tamanhão de burrinho,
E o pobre pequeno à pata."
"Eu me apeio", dis prudente
O velho de boa-fé,
"Vá o burro sem carrego,
E vamos ambos a pé."
Apeiam-se, e outros lhe dizem:
"Toleirões, calcando lama!
De que lhes serve o burrinho?
Dormem com ele na cama?"
"Rapaz", diz o bom do velho,
"Se de irmos a pé murmuram,
Ambos no burro montemos,
A ver se inda nos censuram".
Montam, mas ouvem de um lado:
"Apeiem-se, almas de breu,
Querem matar o burrinho?
Aposto que não é seu."
"Vamos ao chão", diz o velho,
"Já não sei qu'ei-de fazer!
O mundo está de tal sorte,
Que se não pode entender.
É mau se monto no burro,
Se o rapaz monta, mau é,
Se ambos montamos, é mau,
E é mau se vamos a pé:
De tudo me têm ralhado,
Agora que mais me resta?
Peguemos no burro às costas,
Façamos inda mais esta."
Pegam no burro: o bom velho
Pelas mãos o ergue do chão,
Pega-lhe o rapaz nas pernas,
E assim caminhando vão.
"Olhem dois loucos varridos!",
Ouvem com grande sussuro,
"Fazendo mundo às avessas,
Tornados burros do burro!"
O velho então pára e exclama:
"Do qu' observo me confundo!
Por mais qu'a gente se mate
Nunca tapa a boca ao mundo.
Rapaz, vamos como dantes,
Sirvam-nos estas lições;
É mais que tolo quem dá
Ao mundo satisfações."

sexta-feira, 25 de outubro de 2019

Quem escreve quer alguma coisa...


Quem escreve quer alguma coisa. Ainda que seja um twitter de vez em quando, a gente busca a exposição, a visibilidade. E quando acabamos de escrever ficamos pensando nas pessoas que estão lendo. Seria errado negar ou dizer que isso não é  importante. Tão importante quanto saber que um amigo perguntou «o que é feito de nossa vida, onde estamos trabalhando e o que estamos fazendo». 
Gostamos de pensar que estamos sendo aprovados. O problema aqui é a consciência de que nunca vamos conseguir voltar ao tom que tivemos  quando estávamos no auge da vida profissional e da exposição pessoal e social. Nunca se consegue. Tem-se impacto enquanto se é novo, depois dos 50 é difícil.
Eu falo por mim, não me entendam mal, mas todas as coisas das quais participei na juventude tiveram êxito. Com o passar dos anos tudo mudou e algumas das empreitadas em que me meti fracassaram terrivelmente.  De vez em quando penso que o impacto só se consegue quando não nos conhecem. Penso, igualmente, que quando somos jovens e não nos conhecem a gente tem mais coragem.

Os textos que escrevo agora são menos polêmicos. Digamos que são mais maduros. São mais chatos? Não posso negar, estou mais velha mas ainda não fiquei cega. Bem, o que  posso fazer a esse respeito é manter em segredo um plano de reforma pessoal que inclui muito veneno. Como canta o rei Roberto Carlos: estou guardando o que há de bom em mim...

segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Hitler e os animais

O nazismo foi o primeiro regime do mundo a reconhecer os direitos dos cães.

Em 1933, Hitler abriu Darau, campo de concentração perto de Munique, tendo como prisioneiros os dirigentes comunistas, trotskistas, social-democratas e líderes dos sindicatos. O objetivo de Hitler era massacrar e assassinar seres humanos nos campos de concentração.

No mesmo ano (1933) Hitler fez discurso radical em defesa dos animais. «No novo Reich nunca mais se permitirá a crueldade com os animais», afirmou.

Em 1934, Hitler proibiu a caça. Em 1937 regulou o transporte de animais por estrada e, em 1938, o de comboio, para que os bichos fossem transportados em condições decentes. Ao mesmo tempo, os judeus eram jogados em vagões a caminho da morte, em condições piores que os animais. 

Na mesma época, Hitler tornou-se vegetariano, alegando respeito aos direitos dos animais. E proibiu as experiências científicas com os bichos. Fez isso depois de promover experiências abomináveis com judeus.

É muito perturbador ver o tamanho das contradições da história da raça humana.   

 

 

Em seis palavras



  • O grande escritor norte-americano Ernest Hemingway escreveu uma história em seis palavras: “Vende-se: sapatos de bebé. Nunca usados”, e chamou-lhe o seu melhor conto. Isto inspirou a revista Wired a pedir a vários escritores a escreverem contos igualmente curtos que estão abaixo. Todos com seis palavras. Aqui estão:
  •  



Computador, nós trouxemos pilhas? Computador? Computador?
– Eileen Gunn


Camisa tirada à pressa. Cabeça não.
– Joss Whedon

do tempo. Inesperadamente, inventara uma máquina
– Alan Moore

Eu desejei-o. Eu tive-o. Que merda.
– Margaret Atwood

O pénis dele rasgou-se; ele engravidou!
– Rudy Rucker

A Internet acordou? Estupi… Unknown error.
– Charles Stross

Com as mãos sangrentas, digo adeus.
– Frank Miller

Dia perdido. Vida perdida. A sobremesa.
– Steven Meretzky

Demasiado caro continuar a ser humano.
– Bruce Sterling

Atrás de ti! Corre antes que
– Rockne S. O’Bannon

Morri. E tive saudades tuas. Beijas-me?
– Neil Gaiman

O Kirby nunca tinha comido unhas.
– Kevin Smith

Para salvar a humanidade, morreu outra vez.
– Ben Bova

“Não acreditava que disparara sobre mim.”
– Howard Chaykin

Coração partido, 45, desejo conhecer mutilado.
– Mark Millar

Tic tac, tic tac, tic tic.
– Neal Stephenson

Epitáfio: Não o devia ter alimentado.
– Brian Herbert

Pensei que tinha razão. Não tinha.
– Graeme Gibson

Por favor, é tudo. Eu juro.
– Orson Scott Card

Isto serve? – perguntou o escritor preguiçoso.
– Ken MacLeod

No começo a Palavra já existia
– Gregory Maguire

Escândalo sexual mediático. Molusco gigante suspeito.
– Margaret Atwood

Leia: “É teu filho.” Luke: “Ups…”
– Steven Meretzky
Estas histórias no original, e outras, estão aqui: http://wired.com/wired/archive/14.11/sixwords.html

sexta-feira, 18 de outubro de 2019

Solenidade e risco

 
"Apenas sei que caminho como quem
É olhado amado e conhecido
E por isso em cada gesto ponho
Solenidade e risco".


Sophia de Mello Breyner
 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

quinta-feira, 17 de outubro de 2019

Barão de Rio Branco

José Maria da Silva Paranhos Júnior, Barão de Rio Branco, foi um daqueles raros homens de uma nobreza de espírito e intelectual invejável, político e diplomata exemplar que através do pragmatismo político soube servir da melhor forma possível o seu país numa conjuntura doméstica e internacional pouco amistosa.

Em 1892 com o advento da revolução que derrubou a única monarquia da América Latina, os republicanos imbuídos de um visão romântica e idealista, que acabaria por ser prejudicial ao Brasil – onde é que eu já ouvi isto? – tomaram as rédeas da diplomacia brasileira, transferindo o eixo fundamental dessa de Londres para Washington.

Acreditavam numa aproximação às repúblicas americanas, através da retórica pan-americana, dessa forma iniciando-se o movimento que viria a ser considerado um dos paradigmas da Política Exterior Brasileira, a Aliança Especial com os Estados Unidos.

Esta visão romântica que se aproximava aos ideais Bolivariano e Monroista, após diversos falhanços, entre os quais, concessões exageradas à Argentina em matéria de definição de limites territoriais, acabaria por ser substituída por uma visão mais próxima da realidade, ironicamente, fruto do trabalho de um homem ligado ao Império.

De 1902 a 1912, o Barão reorientou a diplomacia brasileira sob a índole do realismo e pragmatismo, constituindo o eixo das relações especiais com os Estados Unidos (durante a sua estada à frente do Itamaraty essas pautaram-se pelo alinhamento pragmático, ou seja, com recompensas, por oposição ao alinhamento automático, sem qualquer tipo de recompensa), restaurando o prestígio da diplomacia espelhada na época do Império, concluindo todas as negociações sobre limites territoriais à epóca, salvaguardando a soberania do Estado Brasileiro e esboçando ainda a primeira tentativa de integração em bloco na América Latina, embora não concretizada, o Pacto ABC (Argentina, Brasil, Chile).

Enquanto assistia à turbulência que perpassava o país sob o governo de Hermes da Fonseca, também a sua saúde se tornava cada vez mais débil, pelo que acabaria por se demitir em Janeiro de 1912, falecendo um mês depois, diz-se, pelo desgosto de ver o seu país em tal estado.

Para o Barão, filho do Visconde de Rio Branco, a sua descendência portuguesa e nobiliárquica eram motivo de orgulho, porém o seu sentido de Estado predominou sobre qualquer tipo de idealismo, ideologia ou artifício social. É notável e admirável como um monárquico convicto serviu o Estado Brasileiro republicano de forma exemplar.

Homem dotado de uma inteligência invulgar, deixaria para o futuro o que ficaria conhecido como o “Legado de Rio Branco”, que ainda hoje enforma a base da escola diplomática brasileira, que em sua honra instituiu o Instituto Rio Branco. Era de tal forma importante para os brasileiros, que sempre o viram como o indivíduo mais capaz para conduzir a chancelaria, que a notícia da sua morte abalou toda a sociedade, pelo que nesse ano se adiou a comemoração do Carnaval.

Rio Branco provou que acima de ideologias ou maniqueísmos está um sentido de Estado que todos os verdadeiros estadistas deviam possuir. Infelizmente isso vai sendo cada vez mais raro...

 
Texto de Samuel de Paiva Pires, em 29.10.07