O que as mulheres querem? O mesmo que os homens: um
amor, um trabalho digno, uma família e respeito. Em 30 anos, dobrou o número de
mulheres que assumiram a chefia de suas famílias.
Eram 15% em 1980 e hoje somam 30%. Mais de 50% dessas mulheres
chefes de família não têm marido ou companheiro, mas exercem a responsabilidade
de manutenção e educação dos filhos com autoridade e disposição para o
trabalho.
Mulher hoje em dia só fica
casada quando vale a pena: em 72% dos divórcios a iniciativa de separação é dela.
O excepcional avanço da mulher
deve-se a ela mesma - pois decorre do seu preparo profissional e sua escolarização:
entre 7 e 14 anos, a maior fatia da população feminina, 97, 3%, estuda alguma
coisa.
As mulheres, lastimavelmente, ainda
ganham menos: o salário dos homens é, em média, de R$870,00 e as mulheres
recebem R$617,00.
As mulheres são a maioria do
povo brasileiro: 55,2%. Somam 94 milhões.
As mulheres não precisam de
favor ou generosidade. Não são minoria fragilizada ou seres dependentes.
Pelo rigor democrático, basta
que lhes sejam reconhecidos os espaços econômico, político e social a que têm
direito.
Como todos os preconceitos
históricos – como o racismo - o machismo (a alegada superioridade do homem ou,
o que é tão equivocado quanto, um tratamento condescendente à mulher, como se
fosse um favor) resiste como um bolsão renitente de ignorância e injustiça.
Alegar a cumplicidade amorosa,
os papéis nas relações sexuais, as peculiaridades de beleza, delicadeza e graça
da mulher como argumentos para dominação e poder é um resquício insuportável de
ignorância e atraso. A mulher, tal como o homem, tem o seu papel natural
próprio, biológico e social, são diferentes mas nenhum é, em nada, superior ao
outro.
O problema político está
justamente em traduzir esse conceito sobre a condição feminina e expressá-lo em
leis, serviços públicos – especialmente de saúde e segurança, proteção social e
reservas de espaço (por exemplo, na representação parlamentar e conselhos
estatais) até que tudo isso aconteça normalmente.
Nunca se deve esquecer que se
desenvolve através de milênios essa escalada de reconhecimento social da
mulher. O voto, por exemplo, foi uma conquista do século XX mesmo em sociedades
evoluídas com a França e Inglaterra.
O Brasil jamais será uma
sociedade moderna e plenamente desenvolvida enquanto homens e mulheres não
viverem a prática absoluta da definição democrática de são iguais perante a
lei, mesmo sendo harmoniosamente diferentes.
Você sabia que...
Não, elas não dirigem pior do
que os homens. As estatísticas comprovam. De acordo com um estudo da Indiana
Seguros, feito com 10 000 homens e o mesmo número de mulheres, elas se envolvem
menos que eles em acidentes de trânsito.
As jovens são mais prudentes
ao volante que o sexo oposto na mesma faixa etária. Por exemplo: aos 24 anos,
elas batem o automóvel 21% menos, com danos 14% menores. Aos 33 anos, 5% menos
e com prejuízos menores em 15% em relação aos provocados pela ala masculina.
Mulheres só são superadas
pelos homens ao passar dos 40 anos, quando o índice de barbeiragem é maior em
9%. Ainda assim, a perda não é total: quarentonas causam 22% menos avarias
comparadas a eles. À medida que elas envelhecem, o nível de imprudência fica em
pé de igualdade. Aí é só chamar um táxi.
Do ponto de vista dos
eleitores, a situação é diferente. Estudos realizados em vários países mostram
que o eleitorado acredita que políticas são mais éticas do que políticos. Mas
isso em tese – sem que se pergunte se Margareth Thatcher é mais ética do que
Tony Blair ou Marta Suplicy do que José Serra.
A cientista política Celi
Regina Jardim Pinto, diretora do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, acha essa percepção dos eleitores ingênua,
ainda que útil às mulheres. "É muito cômodo para as mulheres dizer que têm
valores morais mais nobres", afirma. "Mas, na verdade, a ocasião faz
o ladrão, independentemente do sexo, e não há prova nenhuma de que exista uma
cultura feminina de respeito à ética." Até o momento, o que se percebeu
foi uma diversidade tão grande de comportamentos que simplesmente não se pode
atribuir à mulher uma conduta homogênea determinada pela inexistência do
cromossomo Y.
Importante, nessa discussão, é
o fato de que, assim como não representam vantagem nenhuma no mundo político,
as mulheres não significam, também, nenhuma desvantagem – como em outros
séculos houve quem defendesse.
"Para se eleger é preciso
querer muito, começar cedo, pedir favores aos amigos, levantar muito dinheiro
por meio de pedidos pessoais e fazer muito inimigos", ela diz. "Não
vejo nenhuma delas fazendo isso."
A ciência também tem pouco a
acrescentar à discussão sobre como cada gênero age uma vez no poder. Sabe-se
que o cérebro, os genes e os hormônios de homens e mulheres têm diferenças
marcantes, e isso tem papel importante na vida de cada um.
Com o auxílio de aparelhos de
ressonância magnética, por exemplo, pesquisadores viram – literalmente – que as
mulheres digerem informações diferentemente dos homens.
Eles tendem a usar mais o lado
esquerdo do cérebro, o que lhes dá uma visão linear, lógica do que aprendem.
Elas fazem quatro vezes mais conexões entre os dois lados do cérebro e assim
acrescentam emoção, imaginação e suas experiências às análises que fazem das
informações recebidas.
Os cientistas constataram
também que as mulheres têm as duas regiões do cérebro cruciais à linguagem mais
desenvolvidas do que os homens. Mais uma vez, porém, essas variações explicam
muito pouco sobre o comportamento de ambos no poder.
"Discordo da idéia de que
homens e mulheres sejam na essência diferentes. Não são. Mas as condições
culturais para cada um foram. O estilo pode ser diferente porque a vida de um e
a de outro foram diferentes", diz a cientista política Lúcia Avelar,
diretora do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília.
Por mais durona, carreirista
ou workaholic que uma mulher possa ser, ela provavelmente tem ou teve ao longo
da vida uma preocupação com a casa, a educação, a saúde e o bem-estar dos
filhos ou dos familiares.
Essa dedicação à família pode
ser um dos diferenciais femininos que os especialistas no assunto procuram
identificar. "Quando uma mulher chega ao poder, a agenda política pode ser
mais associada a temas como os cuidados sociais", acredita a cientista
política Clara Araújo, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. "Mas,
ao sair dessa esfera e passar para questões mais gerais, dificilmente se
consegue identificar alguma diferença", diz.
A fileira feminina dos
estudantes brasileiros tem um currículo admirável. Apesar de terem partido para
a conquista de um diploma com um século de desvantagem em relação aos homens,
hoje as mulheres possuem, em média, mais anos de escolaridade do que eles (6,7
anos contra 6,4). Segundo dados de 2004, de cada 100 alunos matriculados em
universidades brasileiras, 56 eram mulheres. Nos campi universitários, há cerca
de meio milhão a mais de moças do que de rapazes – 63% dos diplomas concedidos
em 2004 foram para mãos femininas. Elas ocupam o maior número de carteiras não
apenas nos cursos de graduação como também nos de mestrado e doutorado. À
medida que amadurecerem no mercado de trabalho, as mulheres vão simplesmente
pulverizar a tão comentada diferença salarial em relação a homens que ocupam
postos com as mesmas responsabilidades. Por mera dedução matemática, pode-se
concluir que, mais preparadas, elas estão cada vez mais aptas a ter carreiras
de prestígio, ser financeiramente independentes e eventualmente ocupar altos
cargos e receber bons salários. Se isso ajuda profissionalmente – triste ironia
–, pode também atrapalhar sentimentalmente. Afinal, com quem uma mulher mais
culta, mais bem informada, vai se casar? "É muito difícil admirar uma
pessoa que seja menos capaz do que eu, tanto financeira quanto profissional ou
culturalmente", diz a consultora de marketing Maria Lúcia Barros, de 29
anos, duas pós-graduações.
O problema – e quem diria que
isso poderia ser chamado de problema? – repercute igualmente na outra ponta dos
relacionamentos. Na opinião do economista Claudio de Moura Castro, também os
homens não estão preparados para lidar com mulheres mais bem-sucedidas do que
eles. "Essa realidade pode ser altamente nociva para a estabilidade
matrimonial", afirma o especialista em educação. A relação entre
escolaridade e solteirismo ainda precisa ser mais bem perscrutada, mas alguns
números já atestam que existe uma ligação.
Um estudo da Fundação Getulio
Vargas revela que, entre 1970 e 2000, o número de solteiras de 25 a 29 anos aumentou
mais de 20%. "As solitárias tendem a apresentar um nível de escolaridade
maior e ter melhores salários em relação à média brasileira", informa
Marcelo Neri, chefe do centro de políticas sociais da FGV. Até o início da
década de 90, os homens tinham salário médio até 50% maior que o das mulheres.
Hoje, essa diferença está perto de 30%. "Estudos mundiais mostram que,
quanto maior a renda masculina, mais eles se casam, enquanto com as mulheres
acontece o contrário", afirma Neri. A possibilidade de uma mulher com mais
de doze anos de estudo não se casar é 70% maior quando comparada à daquela que
não tem instrução nenhuma. Em compensação, as que moram sozinhas ganham em
média 62% mais do que as que dividem a casa com um companheiro.
Anderson Schneider
A consultora Maria Lúcia
Barros: "É difícil admirar um homem que seja menos do que a gente". O
Brasil jamais teve uma política educacional que buscasse o equilíbrio entre
homens e mulheres na divisão dos bancos escolares. A explicação mais provável
para o fenômeno da hipertrofia na formação feminina é econômica e cultural.
"A sociedade considera que a tarefa de auxiliar no sustento da família
cabe mais aos meninos do que às meninas", lembra Dilvo Ristoff, diretor de
estatísticas e avaliação da educação superior do Instituto Nacional de Estudos
e Pesquisas Educacionais (Inep). Segundo especialistas, é provável que essa
necessidade social esteja associada à evasão escolar precoce e à repetência,
que é maior entre os rapazes. Os dados gerais sobre escolaridade feminina e
masculina mudaram nos últimos tempos, dando vantagem numérica às moças, mas a
repartição dos gêneros por cursos pouco se alterou. A maioria dos diplomas da
área de humanas continua indo parar nas mãos das mulheres e os da área de
exatas, nas dos homens. Segundo o Inep, os cursos predominantemente femininos
são nutrição, fonoaudiologia, pedagogia, psicologia e enfermagem. Os mais
masculinos, engenharia e computação. "As mulheres preferem não disputar em
carreiras ditas masculinas, pois muitas acreditam que teriam de ser muito
melhores que eles para conseguir destaque", conclui Cristina Bruschini,
coordenadora da equipe dos estudos de gênero da Fundação Carlos Chagas, em São
Paulo. Mas, aos poucos, porém, o cenário muda. O número de mulheres nas faculdades
de engenharia e de medicina aumentou cerca de 30% entre 1990 e 2002. Aguardemos
as estatísticas dos próximos anos para saber se essas engenheiras e médicas
terão com quem comemorar suas conquistas ou se terão de brindar sozinhas
Mesmo a mais emancipada,
independente e bem resolvida das mulheres ainda se vê mergulhada na burocracia
cotidiana do lar. É a velha história: depois de um dia inteiro de trabalho, é
preciso lidar com uma rotina muito parecida com a das donas-de-casa do passado:
dar orientações sobre refeições, lembrar que é preciso trocar a lâmpada da
geladeira, marcar o médico das crianças ou dar aumento à empregada. Mesmo que
se tenha um marido do tipo participante e engajado, a dupla jornada ainda é uma
realidade para a maioria das mulheres. Quatro décadas depois de o movimento
feminista ter fincado raízes irreversíveis no que diz respeito à evolução da
condição feminina, as mulheres enfrentam situações paradoxais. Indaga Eni
Samara, feminista, diretora do Museu do Ipiranga e professora do curso de
pós-graduação de história na Universidade de São Paulo: "Eu ganho
dinheiro, sou bem resolvida, me considero feminista. O que explica que eu
queira fazer a lista do supermercado?"
A partir dessas situações
elementares, pode-se concluir que o feminismo – tal como foi desenhado pelas
militantes do movimento na década de 60 – ou está enterrado ou se perdeu no
caminho. Mas a questão não é tão simples. Apesar de ter sido um dos mais
importantes movimentos sociais do século XX, o feminismo possui semelhanças com
qualquer outra revolução que tenha partido de ações radicais – sem se dar conta
da complexidade das relações humanas envolvidas no processo. Isso significa
que, na teoria, pregar a igualdade entre os sexos pode ser algo absolutamente
viável. Na prática, descobriu-se que nem sempre o que a mulher deseja mesmo é
ser igual. Tanto é que mesmo as principais representantes da causa acabaram por
revelar, em algum momento, uma faceta, digamos, inesperada, independentemente
das propostas que defendem. Só para ter uma pequena amostra do que houve nos
últimos anos, a histórica feminista e petista Marilena Chaui lançou um livro de
receitas em companhia da mãe. A atriz Jane Fonda, engajadíssima nos anos 70,
revelou recentemente que era subjugada pelo marido, que a obrigava a participar
de orgias contra sua vontade. O mesmo ocorreu com a escritora americana Betty
Friedan, cujo livro A Mística Feminina, de 1963, demonstrou que o trabalho
doméstico não traz realização para a mulher. Ela morreu em fevereiro passado.
Poucos anos antes, revelou que apanhava do marido.
"Nenhuma mulher consegue
um orgasmo ao encerar o chão da cozinha."
Betty Friedan
ESCRITORA AMERICANA
É certo que o feminismo trouxe
mudanças irreversíveis para o mercado de trabalho, o comportamento sexual e,
obviamente, as relações pessoais. Não se tem notícia de uma revolução de
costumes tão poderosa e efetiva na história ocidental. Pelo menos nos países
desenvolvidos, as conquistas femininas foram reconhecidas tanto na esfera
privada quanto na pública. Do direito ao voto à legitimação do divórcio, da
entrada maciça nas universidades ao reconhecimento da competência no trabalho,
os progressos são inegáveis. Isso parece banal hoje, mas tais idéias eram
absolutamente revolucionárias num passado não muito distante. Se muitas
mulheres do século XXI ditam as regras no escritório e fazem sexo sem culpa com
quem bem entendem, elas têm o que agradecer às feministas barulhentas dos anos
60. O problema é que as idéias revolucionárias parecem ter se enroscado na busca
de soluções para questões que, em um primeiro momento, aparentemente dependiam
apenas das atitudes individuais. Na prática, ninguém impede uma mulher de
mergulhar completamente na carreira ou a obriga a ser responsável pela
administração da casa. No entanto, é nesse âmbito de decisão, o que parece mais
simples, que as coisas se complicam. Não há nada mais previsível do que o
comportamento das multidões; e nada mais inesperado do que as reações do
indivíduo. "O feminismo trouxe algumas idéias erradas, como o desejo de
reproduzir o modelo masculino, como se todas estivessem dispostas a isso",
diz Silvia Pimentel, do Comitê pela Eliminação da Discriminação contra a Mulher
(Cedaw) das Nações Unidas e professora de direito da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo. Hoje se sabe que era bobagem as mulheres quererem se
tornar homens e se coloca um novo dilema: como vão continuar sendo mulheres e
combinando todas as conquistas do passado recente com os impulsos da
maternidade, por exemplo?
As reflexões contemporâneas
sobre a condição da mulher na sociedade – pelo menos nos países democráticos e
nos que superaram índices mínimos de miséria – giram em torno da convivência
doméstica, a trinca carreira-maternidade-matrimônio, e do fenômeno moderno da
harmonização entre a vaidade e a competência profissional. A grande massa
feminina parece estar muito mais interessada em lutar contra a balança e as
rugas do que contra desigualdades ainda presentes e alardeadas desde a época
das feministas históricas. Apesar de as mulheres ainda terem de se submeter ao
aborto ilegal, a ganhar menos do que os homens, à injusta divisão das tarefas
domésticas e à terrível violência no lar, resquícios de uma mentalidade
ultrapassada, essas bandeiras não parecem fazer parte da agenda feminina atual.
O que deu errado? Por que o feminismo ou outro movimento ainda não conseguiu
tocar nesses pontos da vida da mulher?
"Nós não podemos acabar
com as desigualdades entre homens e mulheres sem antes acabar com o
casamento."
Robin Morgan
FEMINISTA AMERICANA
No centro das questões que
afligem o movimento pós-feminista do século XXI, nada surge tão forte quanto o
velho tema do casamento. Ele ainda é, ao que tudo indica, o grande nó da
questão. "As mulheres devem reconhecer que a família é em 2005 o que o
ambiente de trabalho era em 1964 e o voto, em 1920", escreveu a advogada
Linda Hirshman, 62 anos, uma professora aposentada que está no centro de um
acirrado debate sobre a condição feminina nos Estados Unidos. Segundo ela, de
todos os erros cometidos pelo feminismo, o mais grave foi a incapacidade de
mudar a instituição que estaria no centro de toda a tragédia feminina. Da forma
como está posto, de acordo com a especialista, o casamento é um empecilho para
que as mulheres atinjam a igualdade total de salários, as mesmas oportunidades
de ascensão profissional e a divisão com os homens da carga de trabalho e das
responsabilidades na administração da casa e na educação dos filhos. De acordo
com sua teoria, a infelicidade das mulheres reside na obrigação de cuidar da
casa e dos filhos e dividir a vida familiar com o trabalho. Para a escritora,
esse peso não é compartilhado com os homens, que continuam a desfrutar a
condição vantajosa de apenas ir de casa para o escritório e vice-versa, sem se
sentir obrigados a esquentar o jantar ou pôr a mesa. Quando o fazem, aliás, não
são tratados como se cumprissem uma obrigação, apenas. Parecem fazer um favor.
Ao que tudo indica, a solução
para esse tipo de problema estava entre as quatro paredes do lar. Mas há quem
discorde. A socióloga Rosiska Darcy de Oliveira, fundadora do Centro de
Liderança da Mulher (Celim), tem uma tese segundo a qual esse dilema não é
solucionável no âmbito das relações entre homens e mulheres. A saída, ela diz,
seria as empresas reduzirem a jornada de ambos, homens e mulheres, para que
juntos, então, eles tivessem tempo de cuidar dos afazeres domésticos. Segundo
Rosiska, a vida privada continuou estruturada, em termos de emprego de tempo e
responsabilidades, como se as mulheres ainda vivessem como suas avós, ou seja,
sem trabalhar. Autora do ensaio Marianismo: a Outra Face do Machismo na América
Latina, a socióloga americana Evelyn Stevens foi além. Há três décadas ela
escreveu que, na verdade, as mulheres, sobretudo na América Latina, têm muita dificuldade
em abrir mão do controle da casa. No Brasil, onde ter uma empregada doméstica
não é um luxo como na Europa ou nos Estados Unidos, as tarefas do lar se tornam
um pouco menos pesadas, mas isso não significa que elas estejam dispostas a
virar executivas workaholics.
"Casamento é o destino
tradicionalmente oferecido às mulheres pela sociedade. Também é verdade que a
maioria delas é casada, ou já foi, ou planeja ser, ou sofre por não ser."
Simone de Beauvoir
ESCRITORA FRANCESA
Seja qual for a razão pessoal
pela qual as mulheres continuam a se desdobrar em casa, o que os analistas do
assunto afirmam é que é preciso romper socialmente essa dependência. Sem mexer
no papel tradicional que a mulher exerce no casamento, pregam esses estudiosos,
elas tendem a continuar em desvantagem eterna em relação aos homens, sobretudo
no campo profissional. É verdade que, nos últimos anos, a diferença salarial
diminuiu, assim como se abriram muitos cargos de chefia para as mulheres.
Matematicamente, porém, a distância ainda é bem sólida. Nos Estados Unidos,
elas ganham 25% a menos do que os homens na mesma atividade profissional. No
Brasil, 30%.
Por mais contraditório que
possa parecer, a conquista do mercado de trabalho e a abertura de carreiras
possíveis para as mulheres podem ter despertado um lado obscuro da
personalidade delas. O clamor da multidão também afetou aqui o lado individual
de cada um. É a análise da escritora inglesa Alison Wolf, que, em um artigo
publicado recentemente na revista inglesa Prospect, alertou para conseqüências
perversas do feminismo. Segundo ela, a idéia incessantemente martelada de que
filhos atrapalham a carreira e as finanças da família está contribuindo para o
surgimento de uma geração obcecada por sucesso e dinheiro. O resultado é um certo
individualismo exacerbado, em que o que interessa sou eu, aqui e agora. Nesse
sentido, de acordo com a teoria de Alison, algumas das chamadas mulheres
bem-sucedidas estão perdendo seu espírito altruísta. "Elas preferem ganhar
dinheiro a fazer trabalhos voluntários ou a se dedicar à família",
escreveu. "Também não se sentem responsáveis por cuidar dos mais velhos e
dos doentes, acreditando que esse trabalho deve ser feito por
instituições." Pode parecer uma posição extremamente machista, mas o que
Alison Wolf quer dizer é mais profundo. Ela teme a derrocada do que chama de
sisterhood, o sentimento fraternal que unia, por afinidade ideológica, mulheres
do mundo inteiro. Na opinião da escritora, a cumplicidade feminina desapareceu
porque mulheres de diferentes classes sociais não têm mais as mesmas
experiências de vida. As ricas trabalham fora, deixam os filhos com a babá,
fazem academia, colocam silicone nos seios e tocam a vida. Às pobres fica o
desafio de lidar com uma penca de filhos e o marido muitas vezes violento e
alcoólatra.
Coordenadora-geral do Centro
Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos, a pesquisadora carioca
Maria Luiza Heilborn acha que os ideais feministas se restringiram a debates
pertinentes aos menos abastados, principalmente em países como o Brasil.
"Questões como violência doméstica e aborto afetam sobretudo essa camada.
Não adianta querer que a patricinha da universidade se engaje nesse
assunto", diz.
"Uma mulher liberada é
aquela que tem sexo antes do casamento e um trabalho depois."
Gloria Steinem
FEMINISTA AMERICANA
Outro efeito colateral do
feminismo dos anos 60 foi uma certa perda de identidade das mulheres. À medida
que buscavam espaço igual ao dos homens, elas começaram a reproduzir posturas
tipicamente masculinas. Isso mudou. Se antes a idéia era abafar a sexualidade,
o que se vê hoje é a reação contrária: uma superexposição da sexualidade, uma
ânsia de ser jovem, bonita e desejável. Surgiu recentemente até um termo para
definir mulheres que se comportam sexualmente como homens:
"predadoras". Assim são chamadas as que agem como machistas de
antigamente, contabilizando como feitos dignos de menção pública suas aventuras
amorosas.
Em blogs na internet, a nova
geração do feminismo escreve avidamente sobre sexo, moda e beleza. Elas fazem
parte do que alguns chamam de Terceira Onda do Feminismo, têm entre 15 e 40
anos e acreditam que ser feminista é sentir prazer no sexo sem compromisso com
meninos e meninas e comprar sapatos modernos. "Infelizmente, a batalha
pelo direito ao aborto é a única bandeira do feminismo que permanece viva fora
do Oriente Médio. O movimento, principalmente nos Estados Unidos, acabou
reduzido à luta da mulher para não ter de ser mãe", lamenta a escritora
Phyllis Chesler, autora do best-seller Letters to a Young Feminist (Cartas a
uma Jovem Feminista). No Brasil não é diferente. Os ícones da cultura pop que
falam às mulheres sobrevivem à superfície: as donas-de-casa descompensadas da
série Desperate Housewives ou mesmo peças de teatro que satirizam as solteiras,
como o besteirol Os Homens São de Marte... E É para Lá que Eu Vou, sucesso de
público em todo o Brasil.
Um dos maiores desafios do
pós-feminismo é encontrar meios de enfrentar o padrão estético imposto pela
sociedade. Essa pressão gera uma tremenda crise de identidade. Segundo uma
pesquisa realizada no início do ano pelo site inglês tescodiets.com, de cada
vinte mulheres entrevistadas, dezenove disseram que preferem ser magras a
inteligentes. Conforme o estudo, uma em cada três mulheres pesquisadas admite
gastar mais tempo pensando no peso corporal do que no trabalho, nas finanças ou
na família. Há quem chame isso de terrorismo estético. É o desejo de manter uma
aparência sedutora que explica por que as clínicas de cirurgia plástica vivem
lotadas. Eis, portanto, um novo e tremendo desafio para o pós-feminismo:
conquistar o direito de envelhecer com tranqüilidade, tendo uma relação menos
neurótica com o amadurecimento do corpo e descobrindo maneiras melhores de
lidar com a vida sexual após os 60 anos. Para atingir esses objetivos, será
necessária uma outra grande revolução de comportamento, quase do porte do que
foi o feminismo para uma geração engajada e politizada de quarenta anos atrás.
Derrotamos a frivolidade e a
hipocrisia dos intelectuais progressistas. O pensamento único é daquele que
sabe tudo e que condena a política enquanto a mesma é praticada. Não vamos
permitir a mercantilização de um mundo onde não há lugar para a cultura: desde
1968 não se podia falar da moral. Haviam-nos imposto o relativismo. A idéia de
que tudo é igual, o verdadeiro e o falso, o belo e o feio, que o aluno vale
tanto como o mestre, que não se podia dar notas para não traumatizar o mau
estudante.
Fizeram-nos crer que a vítima conta menos que o delinqüente. Que a autoridade estava morta, que as boas maneiras haviam terminado. Que não havia nada sagrado, nada admirável. Era o slogan de maio de 68 nas paredes de Sorbone: 'Viver sem obrigações e gozar sem trabalhar'.
Quiseram terminar com a escola de excelência e do civismo. Assassinaram os escrúpulos e a ética. Uma esquerda hipócrita que permitia indenizações milionárias aos grandes executivos e o triunfo do predador sobre o empreendedor.
Esta esquerda está na política, nos meios de comunicação, na economia. Ela tomou o gosto do poder. A crise da cultura do trabalho é uma crise moral. Vou reabilitar o trabalho.
Deixaram sem poder as forças da ordem e criaram uma frase: 'abriu-se uma fossa entre a polícia e a juventude'. Os vândalos são bons e a polícia é má. Como se a sociedade fosse sempre culpada e o delinqüente, inocente. Defendem os serviços públicos, mas jamais usam o transporte coletivo. Amam tanto a escola pública, mas seus filhos estudam em colégios privados. Dizem adorar a periferia e jamais vivem nela.
Assinam petições quando se expulsa um invasor de moradia, mas não aceitam que o mesmo se instale em sua casa. Essa esquerda que desde maio de 1968 renunciou o mérito e o esforço, que atiça o ódio contra a família, contra a sociedade e contra a República.
Fizeram-nos crer que a vítima conta menos que o delinqüente. Que a autoridade estava morta, que as boas maneiras haviam terminado. Que não havia nada sagrado, nada admirável. Era o slogan de maio de 68 nas paredes de Sorbone: 'Viver sem obrigações e gozar sem trabalhar'.
Quiseram terminar com a escola de excelência e do civismo. Assassinaram os escrúpulos e a ética. Uma esquerda hipócrita que permitia indenizações milionárias aos grandes executivos e o triunfo do predador sobre o empreendedor.
Esta esquerda está na política, nos meios de comunicação, na economia. Ela tomou o gosto do poder. A crise da cultura do trabalho é uma crise moral. Vou reabilitar o trabalho.
Deixaram sem poder as forças da ordem e criaram uma frase: 'abriu-se uma fossa entre a polícia e a juventude'. Os vândalos são bons e a polícia é má. Como se a sociedade fosse sempre culpada e o delinqüente, inocente. Defendem os serviços públicos, mas jamais usam o transporte coletivo. Amam tanto a escola pública, mas seus filhos estudam em colégios privados. Dizem adorar a periferia e jamais vivem nela.
Assinam petições quando se expulsa um invasor de moradia, mas não aceitam que o mesmo se instale em sua casa. Essa esquerda que desde maio de 1968 renunciou o mérito e o esforço, que atiça o ódio contra a família, contra a sociedade e contra a República.
O que as mulheres querem?
O mesmo que os homens: um
amor, um trabalho digno, uma família e respeito.
Em 30 anos, dobrou o número de
mulheres que assumiram a chefia de suas famílias.
Eram 15% em 1980 e hoje somam 30%.
Mais de 50% dessas mulheres
chefes de família não têm marido ou companheiro, mas exercem a responsabilidade
de manutenção e educação dos filhos com autoridade e disposição para o
trabalho.
Mulher hoje em dia só fica
casada quando vale a pena: em 72% dos divórcios a iniciativa de separação é dela.
O excepcional avanço da mulher
deve-se a ela mesma - pois decorre do seu preparo profissional e sua escolarização:
entre 7 e 14 anos, a maior fatia da população feminina, 97, 3%, estuda alguma
coisa.
As mulheres, lastimavelmente, ainda
ganham menos: o salário dos homens é, em média, de R$870,00 e as mulheres
recebem R$617,00.
As mulheres são a maioria do
povo brasileiro: 55,2%. Somam 94 milhões.
As mulheres não precisam de
favor ou generosidade. Não são minoria fragilizada ou seres dependentes.
Pelo rigor democrático, basta
que lhes sejam reconhecidos os espaços econômico, político e social a que têm
direito.
Como todos os preconceitos
históricos – como o racismo - o machismo (a alegada superioridade do homem ou,
o que é tão equivocado quanto, um tratamento condescendente à mulher, como se
fosse um favor) resiste como um bolsão renitente de ignorância e injustiça.
Alegar a cumplicidade amorosa,
os papéis nas relações sexuais, as peculiaridades de beleza, delicadeza e graça
da mulher como argumentos para dominação e poder é um resquício insuportável de
ignorância e atraso. A mulher, tal como o homem, tem o seu papel natural
próprio, biológico e social, são diferentes mas nenhum é, em nada, superior ao
outro.
O problema político está
justamente em traduzir esse conceito sobre a condição feminina e expressá-lo em
leis, serviços públicos – especialmente de saúde e segurança, proteção social e
reservas de espaço (por exemplo, na representação parlamentar e conselhos
estatais) até que tudo isso aconteça normalmente.
Nunca se deve esquecer que se
desenvolve através de milênios essa escalada de reconhecimento social da
mulher. O voto, por exemplo, foi uma conquista do século XX mesmo em sociedades
evoluídas com a França e Inglaterra.
O Brasil jamais será uma
sociedade moderna e plenamente desenvolvida enquanto homens e mulheres não
viverem a prática absoluta da definição democrática de são iguais perante a
lei, mesmo sendo harmoniosamente diferentes.
Você sabia que...
Não, elas não dirigem pior do
que os homens. As estatísticas comprovam. De acordo com um estudo da Indiana
Seguros, feito com 10 000 homens e o mesmo número de mulheres, elas se envolvem
menos que eles em acidentes de trânsito.
As jovens são mais prudentes
ao volante que o sexo oposto na mesma faixa etária. Por exemplo: aos 24 anos,
elas batem o automóvel 21% menos, com danos 14% menores. Aos 33 anos, 5% menos
e com prejuízos menores em 15% em relação aos provocados pela ala masculina.
Mulheres só são superadas
pelos homens ao passar dos 40 anos, quando o índice de barbeiragem é maior em
9%. Ainda assim, a perda não é total: quarentonas causam 22% menos avarias
comparadas a eles. À medida que elas envelhecem, o nível de imprudência fica em
pé de igualdade. Aí é só chamar um táxi.
Do ponto de vista dos
eleitores, a situação é diferente. Estudos realizados em vários países mostram
que o eleitorado acredita que políticas são mais éticas do que políticos. Mas
isso em tese – sem que se pergunte se Margareth Thatcher é mais ética do que
Tony Blair ou Marta Suplicy do que José Serra.
A cientista política Celi
Regina Jardim Pinto, diretora do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, acha essa percepção dos eleitores ingênua,
ainda que útil às mulheres. "É muito cômodo para as mulheres dizer que têm
valores morais mais nobres", afirma. "Mas, na verdade, a ocasião faz
o ladrão, independentemente do sexo, e não há prova nenhuma de que exista uma
cultura feminina de respeito à ética." Até o momento, o que se percebeu
foi uma diversidade tão grande de comportamentos que simplesmente não se pode
atribuir à mulher uma conduta homogênea determinada pela inexistência do
cromossomo Y.
Importante, nessa discussão, é
o fato de que, assim como não representam vantagem nenhuma no mundo político,
as mulheres não significam, também, nenhuma desvantagem – como em outros
séculos houve quem defendesse.
"Para se eleger é preciso
querer muito, começar cedo, pedir favores aos amigos, levantar muito dinheiro
por meio de pedidos pessoais e fazer muito inimigos", ela diz. "Não
vejo nenhuma delas fazendo isso."
A ciência também tem pouco a
acrescentar à discussão sobre como cada gênero age uma vez no poder. Sabe-se
que o cérebro, os genes e os hormônios de homens e mulheres têm diferenças
marcantes, e isso tem papel importante na vida de cada um.
Com o auxílio de aparelhos de
ressonância magnética, por exemplo, pesquisadores viram – literalmente – que as
mulheres digerem informações diferentemente dos homens.
Eles tendem a usar mais o lado
esquerdo do cérebro, o que lhes dá uma visão linear, lógica do que aprendem.
Elas fazem quatro vezes mais conexões entre os dois lados do cérebro e assim
acrescentam emoção, imaginação e suas experiências às análises que fazem das
informações recebidas.
Os cientistas constataram
também que as mulheres têm as duas regiões do cérebro cruciais à linguagem mais
desenvolvidas do que os homens. Mais uma vez, porém, essas variações explicam
muito pouco sobre o comportamento de ambos no poder.
"Discordo da idéia de que
homens e mulheres sejam na essência diferentes. Não são. Mas as condições
culturais para cada um foram. O estilo pode ser diferente porque a vida de um e
a de outro foram diferentes", diz a cientista política Lúcia Avelar,
diretora do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília.
Por mais durona, carreirista
ou workaholic que uma mulher possa ser, ela provavelmente tem ou teve ao longo
da vida uma preocupação com a casa, a educação, a saúde e o bem-estar dos
filhos ou dos familiares.
Essa dedicação à família pode
ser um dos diferenciais femininos que os especialistas no assunto procuram
identificar. "Quando uma mulher chega ao poder, a agenda política pode ser
mais associada a temas como os cuidados sociais", acredita a cientista
política Clara Araújo, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. "Mas,
ao sair dessa esfera e passar para questões mais gerais, dificilmente se
consegue identificar alguma diferença", diz.
A fileira feminina dos
estudantes brasileiros tem um currículo admirável. Apesar de terem partido para
a conquista de um diploma com um século de desvantagem em relação aos homens,
hoje as mulheres possuem, em média, mais anos de escolaridade do que eles (6,7
anos contra 6,4). Segundo dados de 2004, de cada 100 alunos matriculados em
universidades brasileiras, 56 eram mulheres. Nos campi universitários, há cerca
de meio milhão a mais de moças do que de rapazes – 63% dos diplomas concedidos
em 2004 foram para mãos femininas. Elas ocupam o maior número de carteiras não
apenas nos cursos de graduação como também nos de mestrado e doutorado. À
medida que amadurecerem no mercado de trabalho, as mulheres vão simplesmente
pulverizar a tão comentada diferença salarial em relação a homens que ocupam
postos com as mesmas responsabilidades. Por mera dedução matemática, pode-se
concluir que, mais preparadas, elas estão cada vez mais aptas a ter carreiras
de prestígio, ser financeiramente independentes e eventualmente ocupar altos
cargos e receber bons salários. Se isso ajuda profissionalmente – triste ironia
–, pode também atrapalhar sentimentalmente. Afinal, com quem uma mulher mais
culta, mais bem informada, vai se casar? "É muito difícil admirar uma
pessoa que seja menos capaz do que eu, tanto financeira quanto profissional ou
culturalmente", diz a consultora de marketing Maria Lúcia Barros, de 29
anos, duas pós-graduações.
O problema – e quem diria que
isso poderia ser chamado de problema? – repercute igualmente na outra ponta dos
relacionamentos. Na opinião do economista Claudio de Moura Castro, também os
homens não estão preparados para lidar com mulheres mais bem-sucedidas do que
eles. "Essa realidade pode ser altamente nociva para a estabilidade
matrimonial", afirma o especialista em educação. A relação entre
escolaridade e solteirismo ainda precisa ser mais bem perscrutada, mas alguns
números já atestam que existe uma ligação.
Um estudo da Fundação Getulio
Vargas revela que, entre 1970 e 2000, o número de solteiras de 25 a 29 anos aumentou
mais de 20%. "As solitárias tendem a apresentar um nível de escolaridade
maior e ter melhores salários em relação à média brasileira", informa
Marcelo Neri, chefe do centro de políticas sociais da FGV. Até o início da
década de 90, os homens tinham salário médio até 50% maior que o das mulheres.
Hoje, essa diferença está perto de 30%. "Estudos mundiais mostram que,
quanto maior a renda masculina, mais eles se casam, enquanto com as mulheres
acontece o contrário", afirma Neri. A possibilidade de uma mulher com mais
de doze anos de estudo não se casar é 70% maior quando comparada à daquela que
não tem instrução nenhuma. Em compensação, as que moram sozinhas ganham em
média 62% mais do que as que dividem a casa com um companheiro.
Anderson Schneider
A consultora Maria Lúcia
Barros: "É difícil admirar um homem que seja menos do que a gente". O
Brasil jamais teve uma política educacional que buscasse o equilíbrio entre
homens e mulheres na divisão dos bancos escolares. A explicação mais provável
para o fenômeno da hipertrofia na formação feminina é econômica e cultural.
"A sociedade considera que a tarefa de auxiliar no sustento da família
cabe mais aos meninos do que às meninas", lembra Dilvo Ristoff, diretor de
estatísticas e avaliação da educação superior do Instituto Nacional de Estudos
e Pesquisas Educacionais (Inep). Segundo especialistas, é provável que essa
necessidade social esteja associada à evasão escolar precoce e à repetência,
que é maior entre os rapazes. Os dados gerais sobre escolaridade feminina e
masculina mudaram nos últimos tempos, dando vantagem numérica às moças, mas a
repartição dos gêneros por cursos pouco se alterou. A maioria dos diplomas da
área de humanas continua indo parar nas mãos das mulheres e os da área de
exatas, nas dos homens. Segundo o Inep, os cursos predominantemente femininos
são nutrição, fonoaudiologia, pedagogia, psicologia e enfermagem. Os mais
masculinos, engenharia e computação. "As mulheres preferem não disputar em
carreiras ditas masculinas, pois muitas acreditam que teriam de ser muito
melhores que eles para conseguir destaque", conclui Cristina Bruschini,
coordenadora da equipe dos estudos de gênero da Fundação Carlos Chagas, em São
Paulo. Mas, aos poucos, porém, o cenário muda. O número de mulheres nas faculdades
de engenharia e de medicina aumentou cerca de 30% entre 1990 e 2002. Aguardemos
as estatísticas dos próximos anos para saber se essas engenheiras e médicas
terão com quem comemorar suas conquistas ou se terão de brindar sozinhas
Mesmo a mais emancipada,
independente e bem resolvida das mulheres ainda se vê mergulhada na burocracia
cotidiana do lar. É a velha história: depois de um dia inteiro de trabalho, é
preciso lidar com uma rotina muito parecida com a das donas-de-casa do passado:
dar orientações sobre refeições, lembrar que é preciso trocar a lâmpada da
geladeira, marcar o médico das crianças ou dar aumento à empregada. Mesmo que
se tenha um marido do tipo participante e engajado, a dupla jornada ainda é uma
realidade para a maioria das mulheres. Quatro décadas depois de o movimento
feminista ter fincado raízes irreversíveis no que diz respeito à evolução da
condição feminina, as mulheres enfrentam situações paradoxais. Indaga Eni
Samara, feminista, diretora do Museu do Ipiranga e professora do curso de
pós-graduação de história na Universidade de São Paulo: "Eu ganho
dinheiro, sou bem resolvida, me considero feminista. O que explica que eu
queira fazer a lista do supermercado?"
A partir dessas situações
elementares, pode-se concluir que o feminismo – tal como foi desenhado pelas
militantes do movimento na década de 60 – ou está enterrado ou se perdeu no
caminho. Mas a questão não é tão simples. Apesar de ter sido um dos mais
importantes movimentos sociais do século XX, o feminismo possui semelhanças com
qualquer outra revolução que tenha partido de ações radicais – sem se dar conta
da complexidade das relações humanas envolvidas no processo. Isso significa
que, na teoria, pregar a igualdade entre os sexos pode ser algo absolutamente
viável. Na prática, descobriu-se que nem sempre o que a mulher deseja mesmo é
ser igual. Tanto é que mesmo as principais representantes da causa acabaram por
revelar, em algum momento, uma faceta, digamos, inesperada, independentemente
das propostas que defendem. Só para ter uma pequena amostra do que houve nos
últimos anos, a histórica feminista e petista Marilena Chaui lançou um livro de
receitas em companhia da mãe. A atriz Jane Fonda, engajadíssima nos anos 70,
revelou recentemente que era subjugada pelo marido, que a obrigava a participar
de orgias contra sua vontade. O mesmo ocorreu com a escritora americana Betty
Friedan, cujo livro A Mística Feminina, de 1963, demonstrou que o trabalho
doméstico não traz realização para a mulher. Ela morreu em fevereiro passado.
Poucos anos antes, revelou que apanhava do marido.
"Nenhuma mulher consegue
um orgasmo ao encerar o chão da cozinha."
Betty Friedan
ESCRITORA AMERICANA
É certo que o feminismo trouxe
mudanças irreversíveis para o mercado de trabalho, o comportamento sexual e,
obviamente, as relações pessoais. Não se tem notícia de uma revolução de
costumes tão poderosa e efetiva na história ocidental. Pelo menos nos países
desenvolvidos, as conquistas femininas foram reconhecidas tanto na esfera
privada quanto na pública. Do direito ao voto à legitimação do divórcio, da
entrada maciça nas universidades ao reconhecimento da competência no trabalho,
os progressos são inegáveis. Isso parece banal hoje, mas tais idéias eram
absolutamente revolucionárias num passado não muito distante. Se muitas
mulheres do século XXI ditam as regras no escritório e fazem sexo sem culpa com
quem bem entendem, elas têm o que agradecer às feministas barulhentas dos anos
60. O problema é que as idéias revolucionárias parecem ter se enroscado na busca
de soluções para questões que, em um primeiro momento, aparentemente dependiam
apenas das atitudes individuais. Na prática, ninguém impede uma mulher de
mergulhar completamente na carreira ou a obriga a ser responsável pela
administração da casa. No entanto, é nesse âmbito de decisão, o que parece mais
simples, que as coisas se complicam. Não há nada mais previsível do que o
comportamento das multidões; e nada mais inesperado do que as reações do
indivíduo. "O feminismo trouxe algumas idéias erradas, como o desejo de
reproduzir o modelo masculino, como se todas estivessem dispostas a isso",
diz Silvia Pimentel, do Comitê pela Eliminação da Discriminação contra a Mulher
(Cedaw) das Nações Unidas e professora de direito da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo. Hoje se sabe que era bobagem as mulheres quererem se
tornar homens e se coloca um novo dilema: como vão continuar sendo mulheres e
combinando todas as conquistas do passado recente com os impulsos da
maternidade, por exemplo?
As reflexões contemporâneas
sobre a condição da mulher na sociedade – pelo menos nos países democráticos e
nos que superaram índices mínimos de miséria – giram em torno da convivência
doméstica, a trinca carreira-maternidade-matrimônio, e do fenômeno moderno da
harmonização entre a vaidade e a competência profissional. A grande massa
feminina parece estar muito mais interessada em lutar contra a balança e as
rugas do que contra desigualdades ainda presentes e alardeadas desde a época
das feministas históricas. Apesar de as mulheres ainda terem de se submeter ao
aborto ilegal, a ganhar menos do que os homens, à injusta divisão das tarefas
domésticas e à terrível violência no lar, resquícios de uma mentalidade
ultrapassada, essas bandeiras não parecem fazer parte da agenda feminina atual.
O que deu errado? Por que o feminismo ou outro movimento ainda não conseguiu
tocar nesses pontos da vida da mulher?
"Nós não podemos acabar
com as desigualdades entre homens e mulheres sem antes acabar com o
casamento."
Robin Morgan
FEMINISTA AMERICANA
No centro das questões que
afligem o movimento pós-feminista do século XXI, nada surge tão forte quanto o
velho tema do casamento. Ele ainda é, ao que tudo indica, o grande nó da
questão. "As mulheres devem reconhecer que a família é em 2005 o que o
ambiente de trabalho era em 1964 e o voto, em 1920", escreveu a advogada
Linda Hirshman, 62 anos, uma professora aposentada que está no centro de um
acirrado debate sobre a condição feminina nos Estados Unidos. Segundo ela, de
todos os erros cometidos pelo feminismo, o mais grave foi a incapacidade de
mudar a instituição que estaria no centro de toda a tragédia feminina. Da forma
como está posto, de acordo com a especialista, o casamento é um empecilho para
que as mulheres atinjam a igualdade total de salários, as mesmas oportunidades
de ascensão profissional e a divisão com os homens da carga de trabalho e das
responsabilidades na administração da casa e na educação dos filhos. De acordo
com sua teoria, a infelicidade das mulheres reside na obrigação de cuidar da
casa e dos filhos e dividir a vida familiar com o trabalho. Para a escritora,
esse peso não é compartilhado com os homens, que continuam a desfrutar a
condição vantajosa de apenas ir de casa para o escritório e vice-versa, sem se
sentir obrigados a esquentar o jantar ou pôr a mesa. Quando o fazem, aliás, não
são tratados como se cumprissem uma obrigação, apenas. Parecem fazer um favor.
Ao que tudo indica, a solução
para esse tipo de problema estava entre as quatro paredes do lar. Mas há quem
discorde. A socióloga Rosiska Darcy de Oliveira, fundadora do Centro de
Liderança da Mulher (Celim), tem uma tese segundo a qual esse dilema não é
solucionável no âmbito das relações entre homens e mulheres. A saída, ela diz,
seria as empresas reduzirem a jornada de ambos, homens e mulheres, para que
juntos, então, eles tivessem tempo de cuidar dos afazeres domésticos. Segundo
Rosiska, a vida privada continuou estruturada, em termos de emprego de tempo e
responsabilidades, como se as mulheres ainda vivessem como suas avós, ou seja,
sem trabalhar. Autora do ensaio Marianismo: a Outra Face do Machismo na América
Latina, a socióloga americana Evelyn Stevens foi além. Há três décadas ela
escreveu que, na verdade, as mulheres, sobretudo na América Latina, têm muita dificuldade
em abrir mão do controle da casa. No Brasil, onde ter uma empregada doméstica
não é um luxo como na Europa ou nos Estados Unidos, as tarefas do lar se tornam
um pouco menos pesadas, mas isso não significa que elas estejam dispostas a
virar executivas workaholics.
"Casamento é o destino
tradicionalmente oferecido às mulheres pela sociedade. Também é verdade que a
maioria delas é casada, ou já foi, ou planeja ser, ou sofre por não ser."
Simone de Beauvoir
ESCRITORA FRANCESA
Seja qual for a razão pessoal
pela qual as mulheres continuam a se desdobrar em casa, o que os analistas do
assunto afirmam é que é preciso romper socialmente essa dependência. Sem mexer
no papel tradicional que a mulher exerce no casamento, pregam esses estudiosos,
elas tendem a continuar em desvantagem eterna em relação aos homens, sobretudo
no campo profissional. É verdade que, nos últimos anos, a diferença salarial
diminuiu, assim como se abriram muitos cargos de chefia para as mulheres.
Matematicamente, porém, a distância ainda é bem sólida. Nos Estados Unidos,
elas ganham 25% a menos do que os homens na mesma atividade profissional. No
Brasil, 30%.
Por mais contraditório que
possa parecer, a conquista do mercado de trabalho e a abertura de carreiras
possíveis para as mulheres podem ter despertado um lado obscuro da
personalidade delas. O clamor da multidão também afetou aqui o lado individual
de cada um. É a análise da escritora inglesa Alison Wolf, que, em um artigo
publicado recentemente na revista inglesa Prospect, alertou para conseqüências
perversas do feminismo. Segundo ela, a idéia incessantemente martelada de que
filhos atrapalham a carreira e as finanças da família está contribuindo para o
surgimento de uma geração obcecada por sucesso e dinheiro. O resultado é um certo
individualismo exacerbado, em que o que interessa sou eu, aqui e agora. Nesse
sentido, de acordo com a teoria de Alison, algumas das chamadas mulheres
bem-sucedidas estão perdendo seu espírito altruísta. "Elas preferem ganhar
dinheiro a fazer trabalhos voluntários ou a se dedicar à família",
escreveu. "Também não se sentem responsáveis por cuidar dos mais velhos e
dos doentes, acreditando que esse trabalho deve ser feito por
instituições." Pode parecer uma posição extremamente machista, mas o que
Alison Wolf quer dizer é mais profundo. Ela teme a derrocada do que chama de
sisterhood, o sentimento fraternal que unia, por afinidade ideológica, mulheres
do mundo inteiro. Na opinião da escritora, a cumplicidade feminina desapareceu
porque mulheres de diferentes classes sociais não têm mais as mesmas
experiências de vida. As ricas trabalham fora, deixam os filhos com a babá,
fazem academia, colocam silicone nos seios e tocam a vida. Às pobres fica o
desafio de lidar com uma penca de filhos e o marido muitas vezes violento e
alcoólatra.
Coordenadora-geral do Centro
Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos, a pesquisadora carioca
Maria Luiza Heilborn acha que os ideais feministas se restringiram a debates
pertinentes aos menos abastados, principalmente em países como o Brasil.
"Questões como violência doméstica e aborto afetam sobretudo essa camada.
Não adianta querer que a patricinha da universidade se engaje nesse
assunto", diz.
"Uma mulher liberada é
aquela que tem sexo antes do casamento e um trabalho depois."
Gloria Steinem
FEMINISTA AMERICANA
Outro efeito colateral do
feminismo dos anos 60 foi uma certa perda de identidade das mulheres. À medida
que buscavam espaço igual ao dos homens, elas começaram a reproduzir posturas
tipicamente masculinas. Isso mudou. Se antes a idéia era abafar a sexualidade,
o que se vê hoje é a reação contrária: uma superexposição da sexualidade, uma
ânsia de ser jovem, bonita e desejável. Surgiu recentemente até um termo para
definir mulheres que se comportam sexualmente como homens:
"predadoras". Assim são chamadas as que agem como machistas de
antigamente, contabilizando como feitos dignos de menção pública suas aventuras
amorosas.
Em blogs na internet, a nova
geração do feminismo escreve avidamente sobre sexo, moda e beleza. Elas fazem
parte do que alguns chamam de Terceira Onda do Feminismo, têm entre 15 e 40
anos e acreditam que ser feminista é sentir prazer no sexo sem compromisso com
meninos e meninas e comprar sapatos modernos. "Infelizmente, a batalha
pelo direito ao aborto é a única bandeira do feminismo que permanece viva fora
do Oriente Médio. O movimento, principalmente nos Estados Unidos, acabou
reduzido à luta da mulher para não ter de ser mãe", lamenta a escritora
Phyllis Chesler, autora do best-seller Letters to a Young Feminist (Cartas a
uma Jovem Feminista). No Brasil não é diferente. Os ícones da cultura pop que
falam às mulheres sobrevivem à superfície: as donas-de-casa descompensadas da
série Desperate Housewives ou mesmo peças de teatro que satirizam as solteiras,
como o besteirol Os Homens São de Marte... E É para Lá que Eu Vou, sucesso de
público em todo o Brasil.
Um dos maiores desafios do
pós-feminismo é encontrar meios de enfrentar o padrão estético imposto pela
sociedade. Essa pressão gera uma tremenda crise de identidade. Segundo uma
pesquisa realizada no início do ano pelo site inglês tescodiets.com, de cada
vinte mulheres entrevistadas, dezenove disseram que preferem ser magras a
inteligentes. Conforme o estudo, uma em cada três mulheres pesquisadas admite
gastar mais tempo pensando no peso corporal do que no trabalho, nas finanças ou
na família. Há quem chame isso de terrorismo estético. É o desejo de manter uma
aparência sedutora que explica por que as clínicas de cirurgia plástica vivem
lotadas. Eis, portanto, um novo e tremendo desafio para o pós-feminismo:
conquistar o direito de envelhecer com tranqüilidade, tendo uma relação menos
neurótica com o amadurecimento do corpo e descobrindo maneiras melhores de
lidar com a vida sexual após os 60 anos. Para atingir esses objetivos, será
necessária uma outra grande revolução de comportamento, quase do porte do que
foi o feminismo para uma geração engajada e politizada de quarenta anos atrás.
Derrotamos a frivolidade e a
hipocrisia dos intelectuais progressistas. O pensamento único é daquele que
sabe tudo e que condena a política enquanto a mesma é praticada. Não vamos
permitir a mercantilização de um mundo onde não há lugar para a cultura: desde
1968 não se podia falar da moral. Haviam-nos imposto o relativismo. A idéia de
que tudo é igual, o verdadeiro e o falso, o belo e o feio, que o aluno vale
tanto como o mestre, que não se podia dar notas para não traumatizar o mau
estudante.
Fizeram-nos crer que a vítima conta menos que o delinqüente. Que a autoridade estava morta, que as boas maneiras haviam terminado. Que não havia nada sagrado, nada admirável. Era o slogan de maio de 68 nas paredes de Sorbone: 'Viver sem obrigações e gozar sem trabalhar'.
Quiseram terminar com a escola de excelência e do civismo. Assassinaram os escrúpulos e a ética. Uma esquerda hipócrita que permitia indenizações milionárias aos grandes executivos e o triunfo do predador sobre o empreendedor.
Esta esquerda está na política, nos meios de comunicação, na economia. Ela tomou o gosto do poder. A crise da cultura do trabalho é uma crise moral. Vou reabilitar o trabalho.
Deixaram sem poder as forças da ordem e criaram uma frase: 'abriu-se uma fossa entre a polícia e a juventude'. Os vândalos são bons e a polícia é má. Como se a sociedade fosse sempre culpada e o delinqüente, inocente. Defendem os serviços públicos, mas jamais usam o transporte coletivo. Amam tanto a escola pública, mas seus filhos estudam em colégios privados. Dizem adorar a periferia e jamais vivem nela.
Assinam petições quando se expulsa um invasor de moradia, mas não aceitam que o mesmo se instale em sua casa. Essa esquerda que desde maio de 1968 renunciou o mérito e o esforço, que atiça o ódio contra a família, contra a sociedade e contra a República.
Fizeram-nos crer que a vítima conta menos que o delinqüente. Que a autoridade estava morta, que as boas maneiras haviam terminado. Que não havia nada sagrado, nada admirável. Era o slogan de maio de 68 nas paredes de Sorbone: 'Viver sem obrigações e gozar sem trabalhar'.
Quiseram terminar com a escola de excelência e do civismo. Assassinaram os escrúpulos e a ética. Uma esquerda hipócrita que permitia indenizações milionárias aos grandes executivos e o triunfo do predador sobre o empreendedor.
Esta esquerda está na política, nos meios de comunicação, na economia. Ela tomou o gosto do poder. A crise da cultura do trabalho é uma crise moral. Vou reabilitar o trabalho.
Deixaram sem poder as forças da ordem e criaram uma frase: 'abriu-se uma fossa entre a polícia e a juventude'. Os vândalos são bons e a polícia é má. Como se a sociedade fosse sempre culpada e o delinqüente, inocente. Defendem os serviços públicos, mas jamais usam o transporte coletivo. Amam tanto a escola pública, mas seus filhos estudam em colégios privados. Dizem adorar a periferia e jamais vivem nela.
Assinam petições quando se expulsa um invasor de moradia, mas não aceitam que o mesmo se instale em sua casa. Essa esquerda que desde maio de 1968 renunciou o mérito e o esforço, que atiça o ódio contra a família, contra a sociedade e contra a República.
O que as mulheres querem?
O mesmo que os homens: um
amor, um trabalho digno, uma família e respeito.
Em 30 anos, dobrou o número de
mulheres que assumiram a chefia de suas famílias.
Eram 15% em 1980 e hoje somam 30%.
Mais de 50% dessas mulheres
chefes de família não têm marido ou companheiro, mas exercem a responsabilidade
de manutenção e educação dos filhos com autoridade e disposição para o
trabalho.
Mulher hoje em dia só fica
casada quando vale a pena: em 72% dos divórcios a iniciativa de separação é dela.
O excepcional avanço da mulher
deve-se a ela mesma - pois decorre do seu preparo profissional e sua escolarização:
entre 7 e 14 anos, a maior fatia da população feminina, 97, 3%, estuda alguma
coisa.
As mulheres, lastimavelmente, ainda
ganham menos: o salário dos homens é, em média, de R$870,00 e as mulheres
recebem R$617,00.
As mulheres são a maioria do
povo brasileiro: 55,2%. Somam 94 milhões.
As mulheres não precisam de
favor ou generosidade. Não são minoria fragilizada ou seres dependentes.
Pelo rigor democrático, basta
que lhes sejam reconhecidos os espaços econômico, político e social a que têm
direito.
Como todos os preconceitos
históricos – como o racismo - o machismo (a alegada superioridade do homem ou,
o que é tão equivocado quanto, um tratamento condescendente à mulher, como se
fosse um favor) resiste como um bolsão renitente de ignorância e injustiça.
Alegar a cumplicidade amorosa,
os papéis nas relações sexuais, as peculiaridades de beleza, delicadeza e graça
da mulher como argumentos para dominação e poder é um resquício insuportável de
ignorância e atraso. A mulher, tal como o homem, tem o seu papel natural
próprio, biológico e social, são diferentes mas nenhum é, em nada, superior ao
outro.
O problema político está
justamente em traduzir esse conceito sobre a condição feminina e expressá-lo em
leis, serviços públicos – especialmente de saúde e segurança, proteção social e
reservas de espaço (por exemplo, na representação parlamentar e conselhos
estatais) até que tudo isso aconteça normalmente.
Nunca se deve esquecer que se
desenvolve através de milênios essa escalada de reconhecimento social da
mulher. O voto, por exemplo, foi uma conquista do século XX mesmo em sociedades
evoluídas com a França e Inglaterra.
O Brasil jamais será uma
sociedade moderna e plenamente desenvolvida enquanto homens e mulheres não
viverem a prática absoluta da definição democrática de são iguais perante a
lei, mesmo sendo harmoniosamente diferentes.
Você sabia que...
Não, elas não dirigem pior do
que os homens. As estatísticas comprovam. De acordo com um estudo da Indiana
Seguros, feito com 10 000 homens e o mesmo número de mulheres, elas se envolvem
menos que eles em acidentes de trânsito.
As jovens são mais prudentes
ao volante que o sexo oposto na mesma faixa etária. Por exemplo: aos 24 anos,
elas batem o automóvel 21% menos, com danos 14% menores. Aos 33 anos, 5% menos
e com prejuízos menores em 15% em relação aos provocados pela ala masculina.
Mulheres só são superadas
pelos homens ao passar dos 40 anos, quando o índice de barbeiragem é maior em
9%. Ainda assim, a perda não é total: quarentonas causam 22% menos avarias
comparadas a eles. À medida que elas envelhecem, o nível de imprudência fica em
pé de igualdade. Aí é só chamar um táxi.
Do ponto de vista dos
eleitores, a situação é diferente. Estudos realizados em vários países mostram
que o eleitorado acredita que políticas são mais éticas do que políticos. Mas
isso em tese – sem que se pergunte se Margareth Thatcher é mais ética do que
Tony Blair ou Marta Suplicy do que José Serra.
A cientista política Celi
Regina Jardim Pinto, diretora do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, acha essa percepção dos eleitores ingênua,
ainda que útil às mulheres. "É muito cômodo para as mulheres dizer que têm
valores morais mais nobres", afirma. "Mas, na verdade, a ocasião faz
o ladrão, independentemente do sexo, e não há prova nenhuma de que exista uma
cultura feminina de respeito à ética." Até o momento, o que se percebeu
foi uma diversidade tão grande de comportamentos que simplesmente não se pode
atribuir à mulher uma conduta homogênea determinada pela inexistência do
cromossomo Y.
Importante, nessa discussão, é
o fato de que, assim como não representam vantagem nenhuma no mundo político,
as mulheres não significam, também, nenhuma desvantagem – como em outros
séculos houve quem defendesse.
"Para se eleger é preciso
querer muito, começar cedo, pedir favores aos amigos, levantar muito dinheiro
por meio de pedidos pessoais e fazer muito inimigos", ela diz. "Não
vejo nenhuma delas fazendo isso."
A ciência também tem pouco a
acrescentar à discussão sobre como cada gênero age uma vez no poder. Sabe-se
que o cérebro, os genes e os hormônios de homens e mulheres têm diferenças
marcantes, e isso tem papel importante na vida de cada um.
Com o auxílio de aparelhos de
ressonância magnética, por exemplo, pesquisadores viram – literalmente – que as
mulheres digerem informações diferentemente dos homens.
Eles tendem a usar mais o lado
esquerdo do cérebro, o que lhes dá uma visão linear, lógica do que aprendem.
Elas fazem quatro vezes mais conexões entre os dois lados do cérebro e assim
acrescentam emoção, imaginação e suas experiências às análises que fazem das
informações recebidas.
Os cientistas constataram
também que as mulheres têm as duas regiões do cérebro cruciais à linguagem mais
desenvolvidas do que os homens. Mais uma vez, porém, essas variações explicam
muito pouco sobre o comportamento de ambos no poder.
"Discordo da idéia de que
homens e mulheres sejam na essência diferentes. Não são. Mas as condições
culturais para cada um foram. O estilo pode ser diferente porque a vida de um e
a de outro foram diferentes", diz a cientista política Lúcia Avelar,
diretora do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília.
Por mais durona, carreirista
ou workaholic que uma mulher possa ser, ela provavelmente tem ou teve ao longo
da vida uma preocupação com a casa, a educação, a saúde e o bem-estar dos
filhos ou dos familiares.
Essa dedicação à família pode
ser um dos diferenciais femininos que os especialistas no assunto procuram
identificar. "Quando uma mulher chega ao poder, a agenda política pode ser
mais associada a temas como os cuidados sociais", acredita a cientista
política Clara Araújo, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. "Mas,
ao sair dessa esfera e passar para questões mais gerais, dificilmente se
consegue identificar alguma diferença", diz.
A fileira feminina dos
estudantes brasileiros tem um currículo admirável. Apesar de terem partido para
a conquista de um diploma com um século de desvantagem em relação aos homens,
hoje as mulheres possuem, em média, mais anos de escolaridade do que eles (6,7
anos contra 6,4). Segundo dados de 2004, de cada 100 alunos matriculados em
universidades brasileiras, 56 eram mulheres. Nos campi universitários, há cerca
de meio milhão a mais de moças do que de rapazes – 63% dos diplomas concedidos
em 2004 foram para mãos femininas. Elas ocupam o maior número de carteiras não
apenas nos cursos de graduação como também nos de mestrado e doutorado. À
medida que amadurecerem no mercado de trabalho, as mulheres vão simplesmente
pulverizar a tão comentada diferença salarial em relação a homens que ocupam
postos com as mesmas responsabilidades. Por mera dedução matemática, pode-se
concluir que, mais preparadas, elas estão cada vez mais aptas a ter carreiras
de prestígio, ser financeiramente independentes e eventualmente ocupar altos
cargos e receber bons salários. Se isso ajuda profissionalmente – triste ironia
–, pode também atrapalhar sentimentalmente. Afinal, com quem uma mulher mais
culta, mais bem informada, vai se casar? "É muito difícil admirar uma
pessoa que seja menos capaz do que eu, tanto financeira quanto profissional ou
culturalmente", diz a consultora de marketing Maria Lúcia Barros, de 29
anos, duas pós-graduações.
O problema – e quem diria que
isso poderia ser chamado de problema? – repercute igualmente na outra ponta dos
relacionamentos. Na opinião do economista Claudio de Moura Castro, também os
homens não estão preparados para lidar com mulheres mais bem-sucedidas do que
eles. "Essa realidade pode ser altamente nociva para a estabilidade
matrimonial", afirma o especialista em educação. A relação entre
escolaridade e solteirismo ainda precisa ser mais bem perscrutada, mas alguns
números já atestam que existe uma ligação.
Um estudo da Fundação Getulio
Vargas revela que, entre 1970 e 2000, o número de solteiras de 25 a 29 anos aumentou
mais de 20%. "As solitárias tendem a apresentar um nível de escolaridade
maior e ter melhores salários em relação à média brasileira", informa
Marcelo Neri, chefe do centro de políticas sociais da FGV. Até o início da
década de 90, os homens tinham salário médio até 50% maior que o das mulheres.
Hoje, essa diferença está perto de 30%. "Estudos mundiais mostram que,
quanto maior a renda masculina, mais eles se casam, enquanto com as mulheres
acontece o contrário", afirma Neri. A possibilidade de uma mulher com mais
de doze anos de estudo não se casar é 70% maior quando comparada à daquela que
não tem instrução nenhuma. Em compensação, as que moram sozinhas ganham em
média 62% mais do que as que dividem a casa com um companheiro.
Anderson Schneider
A consultora Maria Lúcia
Barros: "É difícil admirar um homem que seja menos do que a gente". O
Brasil jamais teve uma política educacional que buscasse o equilíbrio entre
homens e mulheres na divisão dos bancos escolares. A explicação mais provável
para o fenômeno da hipertrofia na formação feminina é econômica e cultural.
"A sociedade considera que a tarefa de auxiliar no sustento da família
cabe mais aos meninos do que às meninas", lembra Dilvo Ristoff, diretor de
estatísticas e avaliação da educação superior do Instituto Nacional de Estudos
e Pesquisas Educacionais (Inep). Segundo especialistas, é provável que essa
necessidade social esteja associada à evasão escolar precoce e à repetência,
que é maior entre os rapazes. Os dados gerais sobre escolaridade feminina e
masculina mudaram nos últimos tempos, dando vantagem numérica às moças, mas a
repartição dos gêneros por cursos pouco se alterou. A maioria dos diplomas da
área de humanas continua indo parar nas mãos das mulheres e os da área de
exatas, nas dos homens. Segundo o Inep, os cursos predominantemente femininos
são nutrição, fonoaudiologia, pedagogia, psicologia e enfermagem. Os mais
masculinos, engenharia e computação. "As mulheres preferem não disputar em
carreiras ditas masculinas, pois muitas acreditam que teriam de ser muito
melhores que eles para conseguir destaque", conclui Cristina Bruschini,
coordenadora da equipe dos estudos de gênero da Fundação Carlos Chagas, em São
Paulo. Mas, aos poucos, porém, o cenário muda. O número de mulheres nas faculdades
de engenharia e de medicina aumentou cerca de 30% entre 1990 e 2002. Aguardemos
as estatísticas dos próximos anos para saber se essas engenheiras e médicas
terão com quem comemorar suas conquistas ou se terão de brindar sozinhas
Mesmo a mais emancipada,
independente e bem resolvida das mulheres ainda se vê mergulhada na burocracia
cotidiana do lar. É a velha história: depois de um dia inteiro de trabalho, é
preciso lidar com uma rotina muito parecida com a das donas-de-casa do passado:
dar orientações sobre refeições, lembrar que é preciso trocar a lâmpada da
geladeira, marcar o médico das crianças ou dar aumento à empregada. Mesmo que
se tenha um marido do tipo participante e engajado, a dupla jornada ainda é uma
realidade para a maioria das mulheres. Quatro décadas depois de o movimento
feminista ter fincado raízes irreversíveis no que diz respeito à evolução da
condição feminina, as mulheres enfrentam situações paradoxais. Indaga Eni
Samara, feminista, diretora do Museu do Ipiranga e professora do curso de
pós-graduação de história na Universidade de São Paulo: "Eu ganho
dinheiro, sou bem resolvida, me considero feminista. O que explica que eu
queira fazer a lista do supermercado?"
A partir dessas situações
elementares, pode-se concluir que o feminismo – tal como foi desenhado pelas
militantes do movimento na década de 60 – ou está enterrado ou se perdeu no
caminho. Mas a questão não é tão simples. Apesar de ter sido um dos mais
importantes movimentos sociais do século XX, o feminismo possui semelhanças com
qualquer outra revolução que tenha partido de ações radicais – sem se dar conta
da complexidade das relações humanas envolvidas no processo. Isso significa
que, na teoria, pregar a igualdade entre os sexos pode ser algo absolutamente
viável. Na prática, descobriu-se que nem sempre o que a mulher deseja mesmo é
ser igual. Tanto é que mesmo as principais representantes da causa acabaram por
revelar, em algum momento, uma faceta, digamos, inesperada, independentemente
das propostas que defendem. Só para ter uma pequena amostra do que houve nos
últimos anos, a histórica feminista e petista Marilena Chaui lançou um livro de
receitas em companhia da mãe. A atriz Jane Fonda, engajadíssima nos anos 70,
revelou recentemente que era subjugada pelo marido, que a obrigava a participar
de orgias contra sua vontade. O mesmo ocorreu com a escritora americana Betty
Friedan, cujo livro A Mística Feminina, de 1963, demonstrou que o trabalho
doméstico não traz realização para a mulher. Ela morreu em fevereiro passado.
Poucos anos antes, revelou que apanhava do marido.
"Nenhuma mulher consegue
um orgasmo ao encerar o chão da cozinha."
Betty Friedan
ESCRITORA AMERICANA
É certo que o feminismo trouxe
mudanças irreversíveis para o mercado de trabalho, o comportamento sexual e,
obviamente, as relações pessoais. Não se tem notícia de uma revolução de
costumes tão poderosa e efetiva na história ocidental. Pelo menos nos países
desenvolvidos, as conquistas femininas foram reconhecidas tanto na esfera
privada quanto na pública. Do direito ao voto à legitimação do divórcio, da
entrada maciça nas universidades ao reconhecimento da competência no trabalho,
os progressos são inegáveis. Isso parece banal hoje, mas tais idéias eram
absolutamente revolucionárias num passado não muito distante. Se muitas
mulheres do século XXI ditam as regras no escritório e fazem sexo sem culpa com
quem bem entendem, elas têm o que agradecer às feministas barulhentas dos anos
60. O problema é que as idéias revolucionárias parecem ter se enroscado na busca
de soluções para questões que, em um primeiro momento, aparentemente dependiam
apenas das atitudes individuais. Na prática, ninguém impede uma mulher de
mergulhar completamente na carreira ou a obriga a ser responsável pela
administração da casa. No entanto, é nesse âmbito de decisão, o que parece mais
simples, que as coisas se complicam. Não há nada mais previsível do que o
comportamento das multidões; e nada mais inesperado do que as reações do
indivíduo. "O feminismo trouxe algumas idéias erradas, como o desejo de
reproduzir o modelo masculino, como se todas estivessem dispostas a isso",
diz Silvia Pimentel, do Comitê pela Eliminação da Discriminação contra a Mulher
(Cedaw) das Nações Unidas e professora de direito da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo. Hoje se sabe que era bobagem as mulheres quererem se
tornar homens e se coloca um novo dilema: como vão continuar sendo mulheres e
combinando todas as conquistas do passado recente com os impulsos da
maternidade, por exemplo?
As reflexões contemporâneas
sobre a condição da mulher na sociedade – pelo menos nos países democráticos e
nos que superaram índices mínimos de miséria – giram em torno da convivência
doméstica, a trinca carreira-maternidade-matrimônio, e do fenômeno moderno da
harmonização entre a vaidade e a competência profissional. A grande massa
feminina parece estar muito mais interessada em lutar contra a balança e as
rugas do que contra desigualdades ainda presentes e alardeadas desde a época
das feministas históricas. Apesar de as mulheres ainda terem de se submeter ao
aborto ilegal, a ganhar menos do que os homens, à injusta divisão das tarefas
domésticas e à terrível violência no lar, resquícios de uma mentalidade
ultrapassada, essas bandeiras não parecem fazer parte da agenda feminina atual.
O que deu errado? Por que o feminismo ou outro movimento ainda não conseguiu
tocar nesses pontos da vida da mulher?
"Nós não podemos acabar
com as desigualdades entre homens e mulheres sem antes acabar com o
casamento."
Robin Morgan
FEMINISTA AMERICANA
No centro das questões que
afligem o movimento pós-feminista do século XXI, nada surge tão forte quanto o
velho tema do casamento. Ele ainda é, ao que tudo indica, o grande nó da
questão. "As mulheres devem reconhecer que a família é em 2005 o que o
ambiente de trabalho era em 1964 e o voto, em 1920", escreveu a advogada
Linda Hirshman, 62 anos, uma professora aposentada que está no centro de um
acirrado debate sobre a condição feminina nos Estados Unidos. Segundo ela, de
todos os erros cometidos pelo feminismo, o mais grave foi a incapacidade de
mudar a instituição que estaria no centro de toda a tragédia feminina. Da forma
como está posto, de acordo com a especialista, o casamento é um empecilho para
que as mulheres atinjam a igualdade total de salários, as mesmas oportunidades
de ascensão profissional e a divisão com os homens da carga de trabalho e das
responsabilidades na administração da casa e na educação dos filhos. De acordo
com sua teoria, a infelicidade das mulheres reside na obrigação de cuidar da
casa e dos filhos e dividir a vida familiar com o trabalho. Para a escritora,
esse peso não é compartilhado com os homens, que continuam a desfrutar a
condição vantajosa de apenas ir de casa para o escritório e vice-versa, sem se
sentir obrigados a esquentar o jantar ou pôr a mesa. Quando o fazem, aliás, não
são tratados como se cumprissem uma obrigação, apenas. Parecem fazer um favor.
Ao que tudo indica, a solução
para esse tipo de problema estava entre as quatro paredes do lar. Mas há quem
discorde. A socióloga Rosiska Darcy de Oliveira, fundadora do Centro de
Liderança da Mulher (Celim), tem uma tese segundo a qual esse dilema não é
solucionável no âmbito das relações entre homens e mulheres. A saída, ela diz,
seria as empresas reduzirem a jornada de ambos, homens e mulheres, para que
juntos, então, eles tivessem tempo de cuidar dos afazeres domésticos. Segundo
Rosiska, a vida privada continuou estruturada, em termos de emprego de tempo e
responsabilidades, como se as mulheres ainda vivessem como suas avós, ou seja,
sem trabalhar. Autora do ensaio Marianismo: a Outra Face do Machismo na América
Latina, a socióloga americana Evelyn Stevens foi além. Há três décadas ela
escreveu que, na verdade, as mulheres, sobretudo na América Latina, têm muita dificuldade
em abrir mão do controle da casa. No Brasil, onde ter uma empregada doméstica
não é um luxo como na Europa ou nos Estados Unidos, as tarefas do lar se tornam
um pouco menos pesadas, mas isso não significa que elas estejam dispostas a
virar executivas workaholics.
"Casamento é o destino
tradicionalmente oferecido às mulheres pela sociedade. Também é verdade que a
maioria delas é casada, ou já foi, ou planeja ser, ou sofre por não ser."
Simone de Beauvoir
ESCRITORA FRANCESA
Seja qual for a razão pessoal
pela qual as mulheres continuam a se desdobrar em casa, o que os analistas do
assunto afirmam é que é preciso romper socialmente essa dependência. Sem mexer
no papel tradicional que a mulher exerce no casamento, pregam esses estudiosos,
elas tendem a continuar em desvantagem eterna em relação aos homens, sobretudo
no campo profissional. É verdade que, nos últimos anos, a diferença salarial
diminuiu, assim como se abriram muitos cargos de chefia para as mulheres.
Matematicamente, porém, a distância ainda é bem sólida. Nos Estados Unidos,
elas ganham 25% a menos do que os homens na mesma atividade profissional. No
Brasil, 30%.
Por mais contraditório que
possa parecer, a conquista do mercado de trabalho e a abertura de carreiras
possíveis para as mulheres podem ter despertado um lado obscuro da
personalidade delas. O clamor da multidão também afetou aqui o lado individual
de cada um. É a análise da escritora inglesa Alison Wolf, que, em um artigo
publicado recentemente na revista inglesa Prospect, alertou para conseqüências
perversas do feminismo. Segundo ela, a idéia incessantemente martelada de que
filhos atrapalham a carreira e as finanças da família está contribuindo para o
surgimento de uma geração obcecada por sucesso e dinheiro. O resultado é um certo
individualismo exacerbado, em que o que interessa sou eu, aqui e agora. Nesse
sentido, de acordo com a teoria de Alison, algumas das chamadas mulheres
bem-sucedidas estão perdendo seu espírito altruísta. "Elas preferem ganhar
dinheiro a fazer trabalhos voluntários ou a se dedicar à família",
escreveu. "Também não se sentem responsáveis por cuidar dos mais velhos e
dos doentes, acreditando que esse trabalho deve ser feito por
instituições." Pode parecer uma posição extremamente machista, mas o que
Alison Wolf quer dizer é mais profundo. Ela teme a derrocada do que chama de
sisterhood, o sentimento fraternal que unia, por afinidade ideológica, mulheres
do mundo inteiro. Na opinião da escritora, a cumplicidade feminina desapareceu
porque mulheres de diferentes classes sociais não têm mais as mesmas
experiências de vida. As ricas trabalham fora, deixam os filhos com a babá,
fazem academia, colocam silicone nos seios e tocam a vida. Às pobres fica o
desafio de lidar com uma penca de filhos e o marido muitas vezes violento e
alcoólatra.
Coordenadora-geral do Centro
Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos, a pesquisadora carioca
Maria Luiza Heilborn acha que os ideais feministas se restringiram a debates
pertinentes aos menos abastados, principalmente em países como o Brasil.
"Questões como violência doméstica e aborto afetam sobretudo essa camada.
Não adianta querer que a patricinha da universidade se engaje nesse
assunto", diz.
"Uma mulher liberada é
aquela que tem sexo antes do casamento e um trabalho depois."
Gloria Steinem
FEMINISTA AMERICANA
Outro efeito colateral do
feminismo dos anos 60 foi uma certa perda de identidade das mulheres. À medida
que buscavam espaço igual ao dos homens, elas começaram a reproduzir posturas
tipicamente masculinas. Isso mudou. Se antes a idéia era abafar a sexualidade,
o que se vê hoje é a reação contrária: uma superexposição da sexualidade, uma
ânsia de ser jovem, bonita e desejável. Surgiu recentemente até um termo para
definir mulheres que se comportam sexualmente como homens:
"predadoras". Assim são chamadas as que agem como machistas de
antigamente, contabilizando como feitos dignos de menção pública suas aventuras
amorosas.
Em blogs na internet, a nova
geração do feminismo escreve avidamente sobre sexo, moda e beleza. Elas fazem
parte do que alguns chamam de Terceira Onda do Feminismo, têm entre 15 e 40
anos e acreditam que ser feminista é sentir prazer no sexo sem compromisso com
meninos e meninas e comprar sapatos modernos. "Infelizmente, a batalha
pelo direito ao aborto é a única bandeira do feminismo que permanece viva fora
do Oriente Médio. O movimento, principalmente nos Estados Unidos, acabou
reduzido à luta da mulher para não ter de ser mãe", lamenta a escritora
Phyllis Chesler, autora do best-seller Letters to a Young Feminist (Cartas a
uma Jovem Feminista). No Brasil não é diferente. Os ícones da cultura pop que
falam às mulheres sobrevivem à superfície: as donas-de-casa descompensadas da
série Desperate Housewives ou mesmo peças de teatro que satirizam as solteiras,
como o besteirol Os Homens São de Marte... E É para Lá que Eu Vou, sucesso de
público em todo o Brasil.
Um dos maiores desafios do
pós-feminismo é encontrar meios de enfrentar o padrão estético imposto pela
sociedade. Essa pressão gera uma tremenda crise de identidade. Segundo uma
pesquisa realizada no início do ano pelo site inglês tescodiets.com, de cada
vinte mulheres entrevistadas, dezenove disseram que preferem ser magras a
inteligentes. Conforme o estudo, uma em cada três mulheres pesquisadas admite
gastar mais tempo pensando no peso corporal do que no trabalho, nas finanças ou
na família. Há quem chame isso de terrorismo estético. É o desejo de manter uma
aparência sedutora que explica por que as clínicas de cirurgia plástica vivem
lotadas. Eis, portanto, um novo e tremendo desafio para o pós-feminismo:
conquistar o direito de envelhecer com tranqüilidade, tendo uma relação menos
neurótica com o amadurecimento do corpo e descobrindo maneiras melhores de
lidar com a vida sexual após os 60 anos. Para atingir esses objetivos, será
necessária uma outra grande revolução de comportamento, quase do porte do que
foi o feminismo para uma geração engajada e politizada de quarenta anos atrás.
Derrotamos a frivolidade e a
hipocrisia dos intelectuais progressistas. O pensamento único é daquele que
sabe tudo e que condena a política enquanto a mesma é praticada. Não vamos
permitir a mercantilização de um mundo onde não há lugar para a cultura: desde
1968 não se podia falar da moral. Haviam-nos imposto o relativismo. A idéia de
que tudo é igual, o verdadeiro e o falso, o belo e o feio, que o aluno vale
tanto como o mestre, que não se podia dar notas para não traumatizar o mau
estudante.
Fizeram-nos crer que a vítima conta menos que o delinqüente. Que a autoridade estava morta, que as boas maneiras haviam terminado. Que não havia nada sagrado, nada admirável. Era o slogan de maio de 68 nas paredes de Sorbone: 'Viver sem obrigações e gozar sem trabalhar'.
Quiseram terminar com a escola de excelência e do civismo. Assassinaram os escrúpulos e a ética. Uma esquerda hipócrita que permitia indenizações milionárias aos grandes executivos e o triunfo do predador sobre o empreendedor.
Esta esquerda está na política, nos meios de comunicação, na economia. Ela tomou o gosto do poder. A crise da cultura do trabalho é uma crise moral. Vou reabilitar o trabalho.
Deixaram sem poder as forças da ordem e criaram uma frase: 'abriu-se uma fossa entre a polícia e a juventude'. Os vândalos são bons e a polícia é má. Como se a sociedade fosse sempre culpada e o delinqüente, inocente. Defendem os serviços públicos, mas jamais usam o transporte coletivo. Amam tanto a escola pública, mas seus filhos estudam em colégios privados. Dizem adorar a periferia e jamais vivem nela.
Assinam petições quando se expulsa um invasor de moradia, mas não aceitam que o mesmo se instale em sua casa. Essa esquerda que desde maio de 1968 renunciou o mérito e o esforço, que atiça o ódio contra a família, contra a sociedade e contra a República.
Fizeram-nos crer que a vítima conta menos que o delinqüente. Que a autoridade estava morta, que as boas maneiras haviam terminado. Que não havia nada sagrado, nada admirável. Era o slogan de maio de 68 nas paredes de Sorbone: 'Viver sem obrigações e gozar sem trabalhar'.
Quiseram terminar com a escola de excelência e do civismo. Assassinaram os escrúpulos e a ética. Uma esquerda hipócrita que permitia indenizações milionárias aos grandes executivos e o triunfo do predador sobre o empreendedor.
Esta esquerda está na política, nos meios de comunicação, na economia. Ela tomou o gosto do poder. A crise da cultura do trabalho é uma crise moral. Vou reabilitar o trabalho.
Deixaram sem poder as forças da ordem e criaram uma frase: 'abriu-se uma fossa entre a polícia e a juventude'. Os vândalos são bons e a polícia é má. Como se a sociedade fosse sempre culpada e o delinqüente, inocente. Defendem os serviços públicos, mas jamais usam o transporte coletivo. Amam tanto a escola pública, mas seus filhos estudam em colégios privados. Dizem adorar a periferia e jamais vivem nela.
Assinam petições quando se expulsa um invasor de moradia, mas não aceitam que o mesmo se instale em sua casa. Essa esquerda que desde maio de 1968 renunciou o mérito e o esforço, que atiça o ódio contra a família, contra a sociedade e contra a República.
O que as mulheres querem? O mesmo que os homens: um
amor, um trabalho digno, uma família e respeito.
Em 30 anos, dobrou o número de
mulheres que assumiram a chefia de suas famílias. Eram 15% em 1980 e hoje somam 30%.
Mais de 50% dessas mulheres
chefes de família não têm marido ou companheiro, mas exercem a responsabilidade
de manutenção e educação dos filhos com autoridade e disposição para o
trabalho.
Mulher hoje em dia só fica
casada quando vale a pena: em 72% dos divórcios a iniciativa de separação é dela.
O excepcional avanço da mulher
deve-se a ela mesma - pois decorre do seu preparo profissional e sua escolarização:
entre 7 e 14 anos, a maior fatia da população feminina, 97, 3%, estuda alguma
coisa.
As mulheres, lastimavelmente, ainda
ganham menos: o salário dos homens é, em média, de R$870,00 e as mulheres
recebem R$617,00.
As mulheres são a maioria do
povo brasileiro: 55,2%. Somam 94 milhões.
As mulheres não precisam de
favor ou generosidade. Não são minoria fragilizada ou seres dependentes.
Pelo rigor democrático, basta
que lhes sejam reconhecidos os espaços econômico, político e social a que têm
direito.
Como todos os preconceitos
históricos – como o racismo - o machismo (a alegada superioridade do homem ou,
o que é tão equivocado quanto, um tratamento condescendente à mulher, como se
fosse um favor) resiste como um bolsão renitente de ignorância e injustiça.
Alegar a cumplicidade amorosa,
os papéis nas relações sexuais, as peculiaridades de beleza, delicadeza e graça
da mulher como argumentos para dominação e poder é um resquício insuportável de
ignorância e atraso. A mulher, tal como o homem, tem o seu papel natural
próprio, biológico e social, são diferentes mas nenhum é, em nada, superior ao
outro.
O problema político está
justamente em traduzir esse conceito sobre a condição feminina e expressá-lo em
leis, serviços públicos – especialmente de saúde e segurança, proteção social e
reservas de espaço (por exemplo, na representação parlamentar e conselhos
estatais) até que tudo isso aconteça normalmente.
Nunca se deve esquecer que se
desenvolve através de milênios essa escalada de reconhecimento social da
mulher. O voto, por exemplo, foi uma conquista do século XX mesmo em sociedades
evoluídas com a França e Inglaterra.
O Brasil jamais será uma
sociedade moderna e plenamente desenvolvida enquanto homens e mulheres não
viverem a prática absoluta da definição democrática de são iguais perante a
lei, mesmo sendo harmoniosamente diferentes.
Você sabia que...
Não, elas não dirigem pior do
que os homens. As estatísticas comprovam. De acordo com um estudo da Indiana
Seguros, feito com 10 000 homens e o mesmo número de mulheres, elas se envolvem
menos que eles em acidentes de trânsito.
As jovens são mais prudentes
ao volante que o sexo oposto na mesma faixa etária. Por exemplo: aos 24 anos,
elas batem o automóvel 21% menos, com danos 14% menores. Aos 33 anos, 5% menos
e com prejuízos menores em 15% em relação aos provocados pela ala masculina.
Mulheres só são superadas
pelos homens ao passar dos 40 anos, quando o índice de barbeiragem é maior em
9%. Ainda assim, a perda não é total: quarentonas causam 22% menos avarias
comparadas a eles. À medida que elas envelhecem, o nível de imprudência fica em
pé de igualdade. Aí é só chamar um táxi.
Do ponto de vista dos
eleitores, a situação é diferente. Estudos realizados em vários países mostram
que o eleitorado acredita que políticas são mais éticas do que políticos. Mas
isso em tese – sem que se pergunte se Margareth Thatcher é mais ética do que
Tony Blair ou Marta Suplicy do que José Serra.
A cientista política Celi
Regina Jardim Pinto, diretora do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, acha essa percepção dos eleitores ingênua,
ainda que útil às mulheres. "É muito cômodo para as mulheres dizer que têm
valores morais mais nobres", afirma. "Mas, na verdade, a ocasião faz
o ladrão, independentemente do sexo, e não há prova nenhuma de que exista uma
cultura feminina de respeito à ética." Até o momento, o que se percebeu
foi uma diversidade tão grande de comportamentos que simplesmente não se pode
atribuir à mulher uma conduta homogênea determinada pela inexistência do
cromossomo Y.
Importante, nessa discussão, é
o fato de que, assim como não representam vantagem nenhuma no mundo político,
as mulheres não significam, também, nenhuma desvantagem – como em outros
séculos houve quem defendesse.
"Para se eleger é preciso
querer muito, começar cedo, pedir favores aos amigos, levantar muito dinheiro
por meio de pedidos pessoais e fazer muito inimigos", ela diz. "Não
vejo nenhuma delas fazendo isso."
A ciência também tem pouco a
acrescentar à discussão sobre como cada gênero age uma vez no poder. Sabe-se
que o cérebro, os genes e os hormônios de homens e mulheres têm diferenças
marcantes, e isso tem papel importante na vida de cada um.
Com o auxílio de aparelhos de
ressonância magnética, por exemplo, pesquisadores viram – literalmente – que as
mulheres digerem informações diferentemente dos homens.
Eles tendem a usar mais o lado
esquerdo do cérebro, o que lhes dá uma visão linear, lógica do que aprendem.
Elas fazem quatro vezes mais conexões entre os dois lados do cérebro e assim
acrescentam emoção, imaginação e suas experiências às análises que fazem das
informações recebidas.
Os cientistas constataram
também que as mulheres têm as duas regiões do cérebro cruciais à linguagem mais
desenvolvidas do que os homens. Mais uma vez, porém, essas variações explicam
muito pouco sobre o comportamento de ambos no poder.
"Discordo da idéia de que
homens e mulheres sejam na essência diferentes. Não são. Mas as condições
culturais para cada um foram. O estilo pode ser diferente porque a vida de um e
a de outro foram diferentes", diz a cientista política Lúcia Avelar,
diretora do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília.
Por mais durona, carreirista
ou workaholic que uma mulher possa ser, ela provavelmente tem ou teve ao longo
da vida uma preocupação com a casa, a educação, a saúde e o bem-estar dos
filhos ou dos familiares.
Essa dedicação à família pode
ser um dos diferenciais femininos que os especialistas no assunto procuram
identificar. "Quando uma mulher chega ao poder, a agenda política pode ser
mais associada a temas como os cuidados sociais", acredita a cientista
política Clara Araújo, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. "Mas,
ao sair dessa esfera e passar para questões mais gerais, dificilmente se
consegue identificar alguma diferença", diz.
A fileira feminina dos
estudantes brasileiros tem um currículo admirável. Apesar de terem partido para
a conquista de um diploma com um século de desvantagem em relação aos homens,
hoje as mulheres possuem, em média, mais anos de escolaridade do que eles (6,7
anos contra 6,4). Segundo dados de 2004, de cada 100 alunos matriculados em
universidades brasileiras, 56 eram mulheres. Nos campi universitários, há cerca
de meio milhão a mais de moças do que de rapazes – 63% dos diplomas concedidos
em 2004 foram para mãos femininas. Elas ocupam o maior número de carteiras não
apenas nos cursos de graduação como também nos de mestrado e doutorado. À
medida que amadurecerem no mercado de trabalho, as mulheres vão simplesmente
pulverizar a tão comentada diferença salarial em relação a homens que ocupam
postos com as mesmas responsabilidades. Por mera dedução matemática, pode-se
concluir que, mais preparadas, elas estão cada vez mais aptas a ter carreiras
de prestígio, ser financeiramente independentes e eventualmente ocupar altos
cargos e receber bons salários. Se isso ajuda profissionalmente – triste ironia
–, pode também atrapalhar sentimentalmente. Afinal, com quem uma mulher mais
culta, mais bem informada, vai se casar? "É muito difícil admirar uma
pessoa que seja menos capaz do que eu, tanto financeira quanto profissional ou
culturalmente", diz a consultora de marketing Maria Lúcia Barros, de 29
anos, duas pós-graduações.
O problema – e quem diria que
isso poderia ser chamado de problema? – repercute igualmente na outra ponta dos
relacionamentos. Na opinião do economista Claudio de Moura Castro, também os
homens não estão preparados para lidar com mulheres mais bem-sucedidas do que
eles. "Essa realidade pode ser altamente nociva para a estabilidade
matrimonial", afirma o especialista em educação. A relação entre
escolaridade e solteirismo ainda precisa ser mais bem perscrutada, mas alguns
números já atestam que existe uma ligação.
Um estudo da Fundação Getulio
Vargas revela que, entre 1970 e 2000, o número de solteiras de 25 a 29 anos aumentou
mais de 20%. "As solitárias tendem a apresentar um nível de escolaridade
maior e ter melhores salários em relação à média brasileira", informa
Marcelo Neri, chefe do centro de políticas sociais da FGV. Até o início da
década de 90, os homens tinham salário médio até 50% maior que o das mulheres.
Hoje, essa diferença está perto de 30%. "Estudos mundiais mostram que,
quanto maior a renda masculina, mais eles se casam, enquanto com as mulheres
acontece o contrário", afirma Neri. A possibilidade de uma mulher com mais
de doze anos de estudo não se casar é 70% maior quando comparada à daquela que
não tem instrução nenhuma. Em compensação, as que moram sozinhas ganham em
média 62% mais do que as que dividem a casa com um companheiro.
Anderson Schneider
A consultora Maria Lúcia
Barros: "É difícil admirar um homem que seja menos do que a gente". O
Brasil jamais teve uma política educacional que buscasse o equilíbrio entre
homens e mulheres na divisão dos bancos escolares. A explicação mais provável
para o fenômeno da hipertrofia na formação feminina é econômica e cultural.
"A sociedade considera que a tarefa de auxiliar no sustento da família
cabe mais aos meninos do que às meninas", lembra Dilvo Ristoff, diretor de
estatísticas e avaliação da educação superior do Instituto Nacional de Estudos
e Pesquisas Educacionais (Inep). Segundo especialistas, é provável que essa
necessidade social esteja associada à evasão escolar precoce e à repetência,
que é maior entre os rapazes. Os dados gerais sobre escolaridade feminina e
masculina mudaram nos últimos tempos, dando vantagem numérica às moças, mas a
repartição dos gêneros por cursos pouco se alterou. A maioria dos diplomas da
área de humanas continua indo parar nas mãos das mulheres e os da área de
exatas, nas dos homens. Segundo o Inep, os cursos predominantemente femininos
são nutrição, fonoaudiologia, pedagogia, psicologia e enfermagem. Os mais
masculinos, engenharia e computação. "As mulheres preferem não disputar em
carreiras ditas masculinas, pois muitas acreditam que teriam de ser muito
melhores que eles para conseguir destaque", conclui Cristina Bruschini,
coordenadora da equipe dos estudos de gênero da Fundação Carlos Chagas, em São
Paulo. Mas, aos poucos, porém, o cenário muda. O número de mulheres nas faculdades
de engenharia e de medicina aumentou cerca de 30% entre 1990 e 2002. Aguardemos
as estatísticas dos próximos anos para saber se essas engenheiras e médicas
terão com quem comemorar suas conquistas ou se terão de brindar sozinhas
Mesmo a mais emancipada,
independente e bem resolvida das mulheres ainda se vê mergulhada na burocracia
cotidiana do lar. É a velha história: depois de um dia inteiro de trabalho, é
preciso lidar com uma rotina muito parecida com a das donas-de-casa do passado:
dar orientações sobre refeições, lembrar que é preciso trocar a lâmpada da
geladeira, marcar o médico das crianças ou dar aumento à empregada. Mesmo que
se tenha um marido do tipo participante e engajado, a dupla jornada ainda é uma
realidade para a maioria das mulheres. Quatro décadas depois de o movimento
feminista ter fincado raízes irreversíveis no que diz respeito à evolução da
condição feminina, as mulheres enfrentam situações paradoxais. Indaga Eni
Samara, feminista, diretora do Museu do Ipiranga e professora do curso de
pós-graduação de história na Universidade de São Paulo: "Eu ganho
dinheiro, sou bem resolvida, me considero feminista. O que explica que eu
queira fazer a lista do supermercado?"
A partir dessas situações
elementares, pode-se concluir que o feminismo – tal como foi desenhado pelas
militantes do movimento na década de 60 – ou está enterrado ou se perdeu no
caminho. Mas a questão não é tão simples. Apesar de ter sido um dos mais
importantes movimentos sociais do século XX, o feminismo possui semelhanças com
qualquer outra revolução que tenha partido de ações radicais – sem se dar conta
da complexidade das relações humanas envolvidas no processo. Isso significa
que, na teoria, pregar a igualdade entre os sexos pode ser algo absolutamente
viável. Na prática, descobriu-se que nem sempre o que a mulher deseja mesmo é
ser igual. Tanto é que mesmo as principais representantes da causa acabaram por
revelar, em algum momento, uma faceta, digamos, inesperada, independentemente
das propostas que defendem. Só para ter uma pequena amostra do que houve nos
últimos anos, a histórica feminista e petista Marilena Chaui lançou um livro de
receitas em companhia da mãe. A atriz Jane Fonda, engajadíssima nos anos 70,
revelou recentemente que era subjugada pelo marido, que a obrigava a participar
de orgias contra sua vontade. O mesmo ocorreu com a escritora americana Betty
Friedan, cujo livro A Mística Feminina, de 1963, demonstrou que o trabalho
doméstico não traz realização para a mulher. Ela morreu em fevereiro passado.
Poucos anos antes, revelou que apanhava do marido.
"Nenhuma mulher consegue
um orgasmo ao encerar o chão da cozinha."
Betty Friedan
ESCRITORA AMERICANA
É certo que o feminismo trouxe
mudanças irreversíveis para o mercado de trabalho, o comportamento sexual e,
obviamente, as relações pessoais. Não se tem notícia de uma revolução de
costumes tão poderosa e efetiva na história ocidental. Pelo menos nos países
desenvolvidos, as conquistas femininas foram reconhecidas tanto na esfera
privada quanto na pública. Do direito ao voto à legitimação do divórcio, da
entrada maciça nas universidades ao reconhecimento da competência no trabalho,
os progressos são inegáveis. Isso parece banal hoje, mas tais idéias eram
absolutamente revolucionárias num passado não muito distante. Se muitas
mulheres do século XXI ditam as regras no escritório e fazem sexo sem culpa com
quem bem entendem, elas têm o que agradecer às feministas barulhentas dos anos
60. O problema é que as idéias revolucionárias parecem ter se enroscado na busca
de soluções para questões que, em um primeiro momento, aparentemente dependiam
apenas das atitudes individuais. Na prática, ninguém impede uma mulher de
mergulhar completamente na carreira ou a obriga a ser responsável pela
administração da casa. No entanto, é nesse âmbito de decisão, o que parece mais
simples, que as coisas se complicam. Não há nada mais previsível do que o
comportamento das multidões; e nada mais inesperado do que as reações do
indivíduo. "O feminismo trouxe algumas idéias erradas, como o desejo de
reproduzir o modelo masculino, como se todas estivessem dispostas a isso",
diz Silvia Pimentel, do Comitê pela Eliminação da Discriminação contra a Mulher
(Cedaw) das Nações Unidas e professora de direito da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo. Hoje se sabe que era bobagem as mulheres quererem se
tornar homens e se coloca um novo dilema: como vão continuar sendo mulheres e
combinando todas as conquistas do passado recente com os impulsos da
maternidade, por exemplo?
As reflexões contemporâneas
sobre a condição da mulher na sociedade – pelo menos nos países democráticos e
nos que superaram índices mínimos de miséria – giram em torno da convivência
doméstica, a trinca carreira-maternidade-matrimônio, e do fenômeno moderno da
harmonização entre a vaidade e a competência profissional. A grande massa
feminina parece estar muito mais interessada em lutar contra a balança e as
rugas do que contra desigualdades ainda presentes e alardeadas desde a época
das feministas históricas. Apesar de as mulheres ainda terem de se submeter ao
aborto ilegal, a ganhar menos do que os homens, à injusta divisão das tarefas
domésticas e à terrível violência no lar, resquícios de uma mentalidade
ultrapassada, essas bandeiras não parecem fazer parte da agenda feminina atual.
O que deu errado? Por que o feminismo ou outro movimento ainda não conseguiu
tocar nesses pontos da vida da mulher?
"Nós não podemos acabar
com as desigualdades entre homens e mulheres sem antes acabar com o
casamento."
Robin Morgan
FEMINISTA AMERICANA
No centro das questões que
afligem o movimento pós-feminista do século XXI, nada surge tão forte quanto o
velho tema do casamento. Ele ainda é, ao que tudo indica, o grande nó da
questão. "As mulheres devem reconhecer que a família é em 2005 o que o
ambiente de trabalho era em 1964 e o voto, em 1920", escreveu a advogada
Linda Hirshman, 62 anos, uma professora aposentada que está no centro de um
acirrado debate sobre a condição feminina nos Estados Unidos. Segundo ela, de
todos os erros cometidos pelo feminismo, o mais grave foi a incapacidade de
mudar a instituição que estaria no centro de toda a tragédia feminina. Da forma
como está posto, de acordo com a especialista, o casamento é um empecilho para
que as mulheres atinjam a igualdade total de salários, as mesmas oportunidades
de ascensão profissional e a divisão com os homens da carga de trabalho e das
responsabilidades na administração da casa e na educação dos filhos. De acordo
com sua teoria, a infelicidade das mulheres reside na obrigação de cuidar da
casa e dos filhos e dividir a vida familiar com o trabalho. Para a escritora,
esse peso não é compartilhado com os homens, que continuam a desfrutar a
condição vantajosa de apenas ir de casa para o escritório e vice-versa, sem se
sentir obrigados a esquentar o jantar ou pôr a mesa. Quando o fazem, aliás, não
são tratados como se cumprissem uma obrigação, apenas. Parecem fazer um favor.
Ao que tudo indica, a solução
para esse tipo de problema estava entre as quatro paredes do lar. Mas há quem
discorde. A socióloga Rosiska Darcy de Oliveira, fundadora do Centro de
Liderança da Mulher (Celim), tem uma tese segundo a qual esse dilema não é
solucionável no âmbito das relações entre homens e mulheres. A saída, ela diz,
seria as empresas reduzirem a jornada de ambos, homens e mulheres, para que
juntos, então, eles tivessem tempo de cuidar dos afazeres domésticos. Segundo
Rosiska, a vida privada continuou estruturada, em termos de emprego de tempo e
responsabilidades, como se as mulheres ainda vivessem como suas avós, ou seja,
sem trabalhar. Autora do ensaio Marianismo: a Outra Face do Machismo na América
Latina, a socióloga americana Evelyn Stevens foi além. Há três décadas ela
escreveu que, na verdade, as mulheres, sobretudo na América Latina, têm muita dificuldade
em abrir mão do controle da casa. No Brasil, onde ter uma empregada doméstica
não é um luxo como na Europa ou nos Estados Unidos, as tarefas do lar se tornam
um pouco menos pesadas, mas isso não significa que elas estejam dispostas a
virar executivas workaholics.
"Casamento é o destino
tradicionalmente oferecido às mulheres pela sociedade. Também é verdade que a
maioria delas é casada, ou já foi, ou planeja ser, ou sofre por não ser."
Simone de Beauvoir
ESCRITORA FRANCESA
Seja qual for a razão pessoal
pela qual as mulheres continuam a se desdobrar em casa, o que os analistas do
assunto afirmam é que é preciso romper socialmente essa dependência. Sem mexer
no papel tradicional que a mulher exerce no casamento, pregam esses estudiosos,
elas tendem a continuar em desvantagem eterna em relação aos homens, sobretudo
no campo profissional. É verdade que, nos últimos anos, a diferença salarial
diminuiu, assim como se abriram muitos cargos de chefia para as mulheres.
Matematicamente, porém, a distância ainda é bem sólida. Nos Estados Unidos,
elas ganham 25% a menos do que os homens na mesma atividade profissional. No
Brasil, 30%.
Por mais contraditório que
possa parecer, a conquista do mercado de trabalho e a abertura de carreiras
possíveis para as mulheres podem ter despertado um lado obscuro da
personalidade delas. O clamor da multidão também afetou aqui o lado individual
de cada um. É a análise da escritora inglesa Alison Wolf, que, em um artigo
publicado recentemente na revista inglesa Prospect, alertou para conseqüências
perversas do feminismo. Segundo ela, a idéia incessantemente martelada de que
filhos atrapalham a carreira e as finanças da família está contribuindo para o
surgimento de uma geração obcecada por sucesso e dinheiro. O resultado é um certo
individualismo exacerbado, em que o que interessa sou eu, aqui e agora. Nesse
sentido, de acordo com a teoria de Alison, algumas das chamadas mulheres
bem-sucedidas estão perdendo seu espírito altruísta. "Elas preferem ganhar
dinheiro a fazer trabalhos voluntários ou a se dedicar à família",
escreveu. "Também não se sentem responsáveis por cuidar dos mais velhos e
dos doentes, acreditando que esse trabalho deve ser feito por
instituições." Pode parecer uma posição extremamente machista, mas o que
Alison Wolf quer dizer é mais profundo. Ela teme a derrocada do que chama de
sisterhood, o sentimento fraternal que unia, por afinidade ideológica, mulheres
do mundo inteiro. Na opinião da escritora, a cumplicidade feminina desapareceu
porque mulheres de diferentes classes sociais não têm mais as mesmas
experiências de vida. As ricas trabalham fora, deixam os filhos com a babá,
fazem academia, colocam silicone nos seios e tocam a vida. Às pobres fica o
desafio de lidar com uma penca de filhos e o marido muitas vezes violento e
alcoólatra.
Coordenadora-geral do Centro
Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos, a pesquisadora carioca
Maria Luiza Heilborn acha que os ideais feministas se restringiram a debates
pertinentes aos menos abastados, principalmente em países como o Brasil.
"Questões como violência doméstica e aborto afetam sobretudo essa camada.
Não adianta querer que a patricinha da universidade se engaje nesse
assunto", diz.
"Uma mulher liberada é
aquela que tem sexo antes do casamento e um trabalho depois."
Gloria Steinem
FEMINISTA AMERICANA
Outro efeito colateral do
feminismo dos anos 60 foi uma certa perda de identidade das mulheres. À medida
que buscavam espaço igual ao dos homens, elas começaram a reproduzir posturas
tipicamente masculinas. Isso mudou. Se antes a idéia era abafar a sexualidade,
o que se vê hoje é a reação contrária: uma superexposição da sexualidade, uma
ânsia de ser jovem, bonita e desejável. Surgiu recentemente até um termo para
definir mulheres que se comportam sexualmente como homens:
"predadoras". Assim são chamadas as que agem como machistas de
antigamente, contabilizando como feitos dignos de menção pública suas aventuras
amorosas.
Em blogs na internet, a nova
geração do feminismo escreve avidamente sobre sexo, moda e beleza. Elas fazem
parte do que alguns chamam de Terceira Onda do Feminismo, têm entre 15 e 40
anos e acreditam que ser feminista é sentir prazer no sexo sem compromisso com
meninos e meninas e comprar sapatos modernos. "Infelizmente, a batalha
pelo direito ao aborto é a única bandeira do feminismo que permanece viva fora
do Oriente Médio. O movimento, principalmente nos Estados Unidos, acabou
reduzido à luta da mulher para não ter de ser mãe", lamenta a escritora
Phyllis Chesler, autora do best-seller Letters to a Young Feminist (Cartas a
uma Jovem Feminista). No Brasil não é diferente. Os ícones da cultura pop que
falam às mulheres sobrevivem à superfície: as donas-de-casa descompensadas da
série Desperate Housewives ou mesmo peças de teatro que satirizam as solteiras,
como o besteirol Os Homens São de Marte... E É para Lá que Eu Vou, sucesso de
público em todo o Brasil.
Um dos maiores desafios do
pós-feminismo é encontrar meios de enfrentar o padrão estético imposto pela
sociedade. Essa pressão gera uma tremenda crise de identidade. Segundo uma
pesquisa realizada no início do ano pelo site inglês tescodiets.com, de cada
vinte mulheres entrevistadas, dezenove disseram que preferem ser magras a
inteligentes. Conforme o estudo, uma em cada três mulheres pesquisadas admite
gastar mais tempo pensando no peso corporal do que no trabalho, nas finanças ou
na família. Há quem chame isso de terrorismo estético. É o desejo de manter uma
aparência sedutora que explica por que as clínicas de cirurgia plástica vivem
lotadas. Eis, portanto, um novo e tremendo desafio para o pós-feminismo:
conquistar o direito de envelhecer com tranqüilidade, tendo uma relação menos
neurótica com o amadurecimento do corpo e descobrindo maneiras melhores de
lidar com a vida sexual após os 60 anos. Para atingir esses objetivos, será
necessária uma outra grande revolução de comportamento, quase do porte do que
foi o feminismo para uma geração engajada e politizada de quarenta anos atrás.
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