Numa sociedade em que as emoções são cada vez
mais controladas em nome da civilização e dos deveres de convivência, Carnaval
e Copa são fantásticos momentos de excitação, transgressão e de certo
descontrole de algumas manifestações reprimidas.
São instantes com todos os ingredientes de que
se compõe o melhor da vida: a competição, a sorte e o azar, o talento, a
superação, o riso, o choro, o risco e o suposto elemento neutro: o árbitro —
que nos permite justificar qualquer revés.
Aquele senhor de preto correndo pelo campo e os
juízes invisíveis das notas na quarta-feira nos permitem considerar que nem
toda a derrota é total. Nada mais humano que justificar os 7 x1 que temos de
enfrentar nas derrapagens da vida.
A explosão de alegria do Carnaval — com o
inacreditável pit stop das mazelas rotineiras — causa espanto e admiração. Já a paixão pelo futebol, normal aqui e em
todos os países do mundo, é um fenômeno que devia ser melhor apurado por estudiosos.
No Brasil, o futebol é tudo e o resto é quase
nada. Não é por acaso que a elite dirigente tenta usar o esporte como
instrumento legitimador. Tem muita coisa em jogo aí. É por meio desse esporte que indivíduos
excluídos chegam à condição de heróis.
É por meio das competições entre clubes e países
que os pobres conseguem ter a sensação de “pertencer” a uma torcida, a um time
e, principalmente, ao Brasil. É um dos
únicos momentos em que os pobres “pertencem”, fazem parte de algo.
Os jogadores são elevados à condição de heróis
por várias razões. Uma delas: são a afirmação de um sentimento raro: o orgulho
de ser brasileiro. Outra: dão a entender que existe mobilidade e que
somos um país de avanços sociais, o que nem é verdade.
Para alguns críticos, o futebol induz ao
conformismo. E daí, pergunto eu. Em um país marcado pela desigualdade só o
futebol ainda pode nos fazer acreditar, pelo menos em raros momentos, que somos
todos iguais, todos brasileiros e que estamos todos juntos.
O futebol cumpre funções muito além do que seria
racional porque o Estado é incapaz de promover políticas públicas de educação.
Sem escola, o brasileiro destaca-se pelo futebol (Pelé etc) pela música (Tom
Jobim etc) e pela beleza (Gisele etc).
Como dizia Darcy Ribeiro, os dons do brasileiro
não chegam pela escola, mas pela natureza, pela genética ou pelas mãos de Deus.
Em 2018 temos uma Copa e, mais uma vez, devemos nos consagrar na Rússia pelo
nosso maior esporte.
A autoestima do país dependerá do resultado da
competição. É sofrido saber disso – afinal o jogo é dominado pela
arbitrariedade: a sorte e o azar, ou o mau momento de um jogador. Não há nada a
fazer. Paciência...vamos todos compartilhar uma festa fantástica.
É Carnaval, não leve a mal, mas não posso
encerrar sem dizer uma coisa: levando em conta a descrença geral, só fico
preocupada com uma coisa: o que é que vai acontecer num eventual cenário de
derrota? Bate na madeira, mangalô três vezes.
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