As
estatísticas macabras sobre a violência que enchem de dor e de tristeza o dia a dia de inúmeras famílias e que mancham de sangue a imagem do País
De janeiro de 2011 a dezembro de 2015, 278.839 pessoas
foram mortas no País, número maior do que o de mortos na guerra da Síria, onde
256.124 morreram no mesmo período. Para avaliar o impacto deste fato: uma pessoa
é assassinada a cada 9 minutos no Brasil. Ao longo de um dia ocorrem 160 assassinatos.
Em 2016, foram mortos violenta e intencionalmente 58.383 brasileiros.
Os estados das regiões Nordeste e Norte lideram o ranking com
altas taxas de assassinatos. Os primeiros cinco colocados: Sergipe, Alagoas, Rio Grande do Norte, Ceará e Pará. Os estados que
registraram as menores taxas de mortes violentas intencionais foram São Paulo
(11,7), Santa Catarina (14,3) e Roraima (18,2).
Em 2015, das 50 cidades com maior taxa de homicídios por 100
mil habitantes, um total de 21 são brasileiras. Fortaleza
é a cidade mais violenta. Em seguida vem Natal, depois Salvador
e região metropolitana e João Pessoa.
Das 50 cidades, nada menos que 41 ficam na América Latina: 21 no
Brasil, 8 na Venezuela, 5 no México, 3 na Colômbia, 2 em Honduras, uma em El
Salvador e uma na Guatemala. Outros países com cidades na lista são África do
Sul, Estados Unidos e Jamaica.
AS CIDADES MAIS VIOLENTAS DO MUNDO
1° - Caracas (Venezuela) - 119.87 homicídios/100
mil habitantes
2° - San Pedro Sula (Honduras) - 111.03
3° - San Salvador (El Salvador) - 108.54
4° - Acapulco (México) - 104.73
5° - Maturín (Venezuela) - 86.45
6° - Distrito Central (Honduras) - 73.51
7° - Valencia (Venezuela) - 72.31
8° - Palmira (Colômbia) - 70.88
9° - Cidade do Cabo (África do Sul) - 65.53
10° - Cali (Colômbia) - 64.27
11° - Ciudad Guayana (Venezuela) - 62.33
12° - Fortaleza (Brasil) - 60.77
13° - Natal (Brasil) - 60.66
14° - Salvador e região metropolitana (Brasil) -
60.63
15° - ST. Louis (Estados Unidos) - 59.23
16° - João Pessoa; conurbação (Brasil) - 58.40
17° - Culiacán (México) - 56.09
18° - Maceió (Brasil) - 55.63
19° - Baltimore (Estados Unidos) - 54.98
20° - Barquisimeto (Venezuela) - 54.96
21° - São Luís (Brasil) - 53.05
22° - Cuiabá (Brasil) - 48.52
23° - Manaus (Brasil) - 47.87
24° - Cumaná (Venezuela) - 47.77
25° - Guatemala (Guatemala) - 47.17
26° - Belém (Brasil) - 45.83
27° - Feira de Santana (Brasil) - 45.50
28° - Detroit (Estados Unidos) - 43.89
29° - Goiânia e Aparecida de Goiânia (Brasil) -
43.38
30° - Teresina (Brasil) - 42.64
31° - Vitória (Brasil) - 41.99
32° - Nova Orleans (Estados Unidos) - 41.44
33° - Kingston (Jamaica) - 41.14
34° - Gran Barcelona (Venezuela) - 40.08
35° - Tijuana (México) - 39.09
36° - Vitória da Conquista (Brasil) - 38.46
37° - Recife (Brasil) - 38.12
38° - Aracaju (Brasil) - 37.70
39° - Campos dos Goytacazes (Brasil) - 36.16
40° - Campina Grande (Brasil) - 36.04
41° - Durban (África do Sul) - 35.93
42° - Nelson Mandela Bay (África do Sul) - 35.85
43° - Porto Alegre (Brasil) - 34.73
44° - Curitiba (Brasil) - 34.71
45° - Pereira (Colômbia) - 32.58
46° - Victoria (México) - 30.50
47° - Johanesburgo (África do Sul) - 30.31
48° - Macapá (Brasil) - 30.25
49° - Maracaibo (Venezuela) - 28.85
50° - Obregón (México) - 28.29
Fonte:
10º Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
“Porque, sendo livre e não pertencendo a ninguém, fiz-me de escravo de todos, para ganhar muitos deles. Para os judeus, fiz-me de judeu, para ganhar os judeus; para aqueles observadores da lei, me tornei alguém observador da lei (embora não tivesse de observar a lei), para ganhar os observadores da lei. Para os que não observam a lei, me tornei alguém que não observa a lei (apesar de não estar livre da lei de Deus e observando a lei de Cristo), para ganhar os que não observam a lei. Fiz-me de fraco para os fracos, para ganhar os fracos. Fiz-me tudo para todos, para, por todos os meios, chegar a salvar alguns”.
Carta de Paulo aos coríntios (1 Coríntios 9:19-23), Bíblia Sagrada - Edição 2013 Vozes
Se fosse vivo, Alexandre O'Neill estaria completando noventa e um anos depois de amanhã, 19 de dezembro. Era poeta, cronista e publicitário. Escreveu textos magníficos. Até o epitáfio que sugeriu para seu túmulo era genial:
Quando minha irmã morreu eu chorei muito e me consolei depressa. Tinha um vestido novo e moitas no quintal onde eu ia existir. Quando minha mãe morreu, me consolei mais lento. Tinha uma perturbação recém-achada: meus seios conformavam dois montículos e eu fiquei muito nua, cruzando os braços sobre eles é que eu chorava. Quando meu pai morreu, nunca mais me consolei. Busquei retratos antigos, procurei conhecidos, parentes, que me lembrassem sua fala, seu modo de apertar os lábios e ter certeza. Reproduzi o encolhido do seu corpo em seu último sono e repeti as palavras que ele disse quando toquei seus pés: ´deixa, tá bom assim´. Quem me consolará desta lembrança? Meus seios se cumpriram e as moitas onde existo são pura sarça ardente de memória.
Poema integra o livro "Bagagem", de Adélia Prado, publicado pela Editora Record que reedita toda a obra da poeta.
PS: Adélia Prado faz 82 anos hoje. Fiquei comovida ao ler que é dia do seu aniversário. Eu a acompanho há anos e tudo dela me comove. Em 2006, muita gente chorou quando a escritora mineira Adélia Prado leu, pela primeira vez, "As Mortes Sucessivas" para a plateia da 4.ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip). Foi um momento inesquecível e emocionante.
Um dos grandes amigos que tenho, o ex-senador Jorge
Bornhausen será homenageado amanhã em Santa Catarina com a medalha Anita
Garibaldi, a maior condecoração do Estado. Ele faz por merecer os aplausos
que lhe são concedidos. Durante seis ou sete anos tive a honra de fazer
parte da sua equipe (assessoria de imprensa) no Senado. Só tenho a agradecer pela honrosa convivência.
Quem
só o enxerga de longe, vê a imagem de um político severo, mas ele é extremamente
gentil no convívio pessoal, além de um amigo leal e generoso. Nunca dei por intervenção
sua que fosse inoportuna ou banal. Ele sempre está à altura dos fatos, das
conversas e dos debates. Age com cautela e sabedoria, mas não teme a polêmica. Exigente, mas capaz de reconhecer o esforço dos outros,
é rigoroso e combate a ideia de uma cultura sem esforço e sem disciplina. Racional,
recebe críticas injustas, mas não se queixa porque sabe que todo o poder tem
preço e quem vai à guerra dá e leva. Por essa razão, mesmo sendo firme em suas
convicções políticas, reserva espaço para o contra-ataque dos adversários.
Sei que
o uso manda que em períodos de homenagens se enalteçam apenas as virtudes, mas
na minha amizade pelo ex-senador não cabe a hipocrisia. Seria diminuí-lo dizê-lo infalível. Ninguém o é. Como
a maioria de nós ele erra. Mas em muito ele se distingue do comum: pela
inteligência, pelo conhecimento, pela clareza do raciocínio, a gentileza e o sentido público.
Jorge Bornhausen gosta muito mais do Brasil do que o Brasil
gosta dele. Ele é forte sem precisar fazer ninguém de fraco. Nunca
o vi usar sua inteligência, os cargos que conquistou na política ou
sua dimensão humana para diminuir quem quer que seja. É por estas
e muitas outros razões que cumprimento o Governo de Santa Catarina pela
homenagem a Jorge Bornhausen, um brasileiro extraordinário que põe a integridade acima dos jogos e interesses da política.
Em 1989, militantes do Partidão convocaram
uma reunião no Rio para avaliar a campanha de Roberto Freire à Presidência da
República.
Um dos presentes disse a Freire que ele não deveria falar que
não acreditava em Deus porque, se ficasse repetindo isso, correria o risco de não ir ao segundo
turno da disputa. Todo o mundo ficou em silêncio mas antes que Freire respondesse, Ferreira Gullar disse, do fundo da sala, com aquele
vozeirão:
- Mesmo porque Roberto, se você for ao
segundo turno, Deus existe!
Ferreira Gullar morreu hoje, 4 de dezembro de 2016. Era o maior poeta vivo da literatura
brasileira. Sua poesia engajada – ele sempre foi do Partidão - era um importante instrumento de denúncia social desde
1950. Ele pertencia ao Centro Popular de Cultura (CPC), grupo de intelectuais de esquerda
criado em 1961, no Rio de Janeiro, cujo objetivo era defender o caráter
coletivo e didático da obra de arte, bem como o engajamento político do
artista. Perseguido pela ditadura militar, Ferreira Gullar exilou-se
na Argentina durante os anos de repressão. Em 2014, aos 84 anos, foi eleito
imortal da Academia Brasileira de Letras, ocupando a Cadeira de número 37, que
pertencera ao escritor Ivan Junqueira, morto nesse mesmo ano.
Não há vagas
Não há vagas
O preço do feijão
não cabe no poema. O preço
do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão
O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.
Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras
– porque o poema, senhores,
está fechado:
“não há vagas”
Só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço
O poema, senhores,
não fede
nem cheira.
Poema: Traduzir-se – Ferreira Gullar
Traduzir-se
Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.
Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.
Traduzir-se uma parte
na outra parte
– que é uma questão
de vida ou morte –
será arte?
Poema: No corpo – Ferreira Gullar
No corpo
De que vale tentar reconstruir com palavras
O que o verão levou
Entre nuvens e risos
Junto com o jornal velho pelos ares
O sonho na boca, o incêndio na cama,
o apelo da noite
Agora são apenas esta
contração (este clarão)
do maxilar dentro do rosto.
A poesia é o presente.
Poema: Poemas Neoconcretos I –
Ferreira Gullar
Poemas Neoconcretos I
mar azul
mar azul marco azul
mar azul marco azul barco azul
mar azul marco azul barco azul arco azul
mar azul marco azul barco azul arco azul ar azul
Poema: Aprendizado – Ferreira Gullar
Aprendizado
Do mesmo modo que te abriste à alegria
abre-te agora ao sofrimento
que é fruto dela
e seu avesso ardente.
Do mesmo modo
que da alegria foste
ao fundo
e te perdeste nela
e te achaste
nessa perda
deixa que a dor se exerça agora
sem mentiras
nem desculpas
e em tua carne vaporize
toda ilusão
que a vida só consome
o que a alimenta.
Poema: Um Instante – Ferreira Gullar
Aqui me tenho/ Como não me conheço/ nem me quis/ sem começo/
nem fim/ aqui me tenho/ sem mim/ nada lembro/ nem sei/ à luz presente/ sou
apenas um bicho/ transparente.
Poema: Subversiva – Ferreira Gullar
Subversiva
A poesia
Quando chega
Não respeita nada.
Nem pai nem mãe.
Quando ela chega
De qualquer de seus abismos
Desconhece o Estado e a Sociedade Civil
Infringe o Código de Águas
Relincha
Como puta
Nova
Em frente ao Palácio da Alvorada.
E só depois
Reconsidera: beija
Nos olhos os que ganham mal
Embala no colo
Os que têm sede de felicidade
E de justiça.
E promete incendiar o país.
Poema: Os mortos – Ferreira Gullar
Os mortos
os mortos vêem o mundo
pelos olhos dos vivos
eventualmente ouvem,
com nossos ouvidos,
certas sinfonias
algum bater de portas,
ventanias
Ausentes
de corpo e alma
misturam o seu ao nosso riso
se de fato
quando vivos
acharam a mesma graça
Poema: Cantiga para não morrer –
Ferreira Gullar
Cantiga para não morrer
Quando você for se embora,
moça branca como a neve,
me leve.
Se acaso você não possa
me carregar pela mão,
menina branca de neve,
me leve no coração.
Se no coração não possa
por acaso me levar,
moça de sonho e de neve,
me leve no seu lembrar.
E se aí também não possa
por tanta coisa que leve
já viva em seu pensamento,
menina branca de neve,
me leve no esquecimento.
Poema: Prometi-me Possuí-la –
Ferreira Gullar
Prometi-me Possuí-la
Prometi-me possuí-la muito embora
ela me redimisse ou me cegasse.
Busquei-a na catástrofe da aurora,
e na fonte e no muro onde sua face,
entre a alucinação e a paz sonora
da água e do musgo, solitária nasce.
Mas sempre que me acerco vai-se embora
como se temesse ou me odiasse.
Assim persigo-a, lúcido e demente.
Se por detrás da tarde transparente
seus pés vislumbro, logo nos desvãos
das nuvens fogem, luminosos e ágeis!
Vocabulário e corpo — deuses frágeis —
eu colho a ausência que me queima as mãos.
[Poemas Portugueses]
Poema: Extravio – Ferreira Gullar
Extravio
Onde começo, onde acabo,
se o que está fora está dentro
como num círculo cuja
periferia é o centro?
Estou disperso nas coisas,
nas pessoas, nas gavetas:
de repente encontro ali
partes de mim: risos, vértebras.
Estou desfeito nas nuvens:
vejo do alto a cidade
e em cada esquina um menino,
que sou eu mesmo, a chamar-me.
Extraviei-me no tempo.
Onde estarão meus pedaços?
Muito se foi com os amigos
que já não ouvem nem falam.
Estou disperso nos vivos,
em seu corpo, em seu olfato,
onde durmo feito aroma
ou voz que também não fala.
Ah, ser somente o presente:
esta manhã, esta sala.
Poema: Madrugada – Ferreira Gullar
Madrugada
Do fundo de meu quarto, do fundo
de meu corpo
clandestino
ouço (não vejo) ouço
crescer no osso e no músculo da noite
a noite
a noite ocidental obscenamente acesa
sobre meu país dividido em classes.
Neste Leito de Ausência – Ferreira
Gullar
Neste Leito de Ausência
Neste leito de ausência em que me esqueço
desperta o longo rio solitário:
se ele cresce de mim, se dele cresço,
mal sabe o coração desnecessário.
O rio corre e vai sem ter começo
nem foz, e o curso, que é constante, é vário.
Vai nas águas levando, involuntário,
luas onde me acordo e me adormeço.
Sobre o leito de sal, sou luz e gesso:
duplo espelho — o precário no precário.
Flore um lado de mim? No outro, ao contrário,
de silêncio em silêncio me apodreço.
Entre o que é rosa e lodo necessário,
passa um rio sem foz e sem começo.
[Poemas Portugueses]
Meu povo, meu poema – Ferreira Gullar
Meu povo, meu poema
Meu povo e meu poema crescem juntos
como cresce no fruto
a árvore nova
No povo meu poema vai nascendo
como no canavial
nasce verde o açúcar
No povo meu poema está maduro
como o sol
na garganta do futuro
Meu povo em meu poema
se reflete
como a espiga se funde em terra fértil
Ao povo seu poema aqui devolvo
menos como quem canta
do que planta
Poema: MINHA MEDIDA – Ferreira Gullar
MINHA MEDIDA
Meu espaço é o dia
de braços abertos
tocando a fímbria de uma e outra noite
o dia
que gira
colado ao planeta
e que sustenta numa das mãos a aurora
e na outra
um crepúsculo de Buenos Aires
Meu espaço, cara,
é o dia terrestre
quer o conduzam os pássaros do mar
ou os comboios da Estrada de Ferro Central do Brasil