A raiva subiu, o sangue ferveu. Peguei a bolsa, disse alguns desaforos e saí. Apressei o passo para não sentir o coração doer. Na poeira da vida ficava uma amizade de duas décadas. Ficava também o trabalho de assessoria de imprensa que ocupava meu tempo. Pensei: foi chão que deu uvas. E o tempo não volta para trás. Respirei fundo e me preparei para ficar sem fazer nada durante algum tempo. Fui para casa. Sempre trabalhei desde os 14 anos e, pela primeira vez, interditei minha vida de antes. Queria ser irresponsável, mesmo correndo o risco de entrar no cheque especial e ter o nome no Serasa. Queria não pensar em coisa nenhuma para não constatar obviedades. Exemplo: como umas poucas escolhas infelizes podem mudar a vida de qualquer pessoa. E daí? Vidas devem mudar mesmo... Trinta dias depois, porém, tive vontade de voltar à tona e comecei a me sentir isolada, como quem tem doença contagiosa. Em casa, não acontece nada. Parece que estou numa prisão domiciliar. Não demora e começo a sentir medo, além de muitas dúvidas. Fico me perguntando que crime cometi... A conclusão é elementar: o crime de ter falhado no cumprimento da minha pena. Despeço-me, então, da prisão domiciliar e volto ao trabalho, onde cumpro a sentença submetida ao rigor comum a todos os filhos de Adão: ganharás o pão com o suor do teu rosto. Esta é a sentença. E desta sentença não há recurso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário