No momento em que todos os olhares se voltam para o Supremo Tribunal Federal, STF, com posições apaixonadas de dois lados, gostaria de assinalar que
a divergência, em questões essenciais, entre diferentes partidos, diferentes políticos e diferentes cidadãos, não é apenas normal em democracia. Não é apenas saudável. Não é apenas importante. É a justificação para considerarmos a democracia a melhor forma de organizarmos a nossa convivência política.
A democracia só é necessária porque as coisas são assim. E as coisas são assim porque o ser humano é dotado de inteligência e liberdade de pensamento.
A democracia resolve estas divergências com a liberdade de expressão, organização e reunião, com a organização do conflito social e com eleições. Fora dela, estas divergências resolvem-se com armas e prisões.
Quem olha para estas divergências como um problema, e não como uma enorme vantagem, não se limita a não compreender a democracia. É, no essencial, antidemocrático. Porque é nesta incompreensão que se baseiam todas as ditaduras.
Dão-se nomes diferentes ao que deve prevalecer à divergência: os nacionalistas chamam-lhe Pátria, os teocratas chamam-lhe Deus, os comunistas chamam-lhe vanguarda, alguns outros chamam-lhe "salvação nacional". Mas todos acreditam no mesmo: que a sua posição é indiscutível. E que quem dela discorda apenas se pode mover por interesses mesquinhos, sejam eles pessoais ou partidários.
Sim, a política é, como a vida, o território do conflito. A democracia apenas cria as condições para que ele seja resolvido. Por meio de concessões, claro. Com diálogo, muitas vezes. Com negociações, sempre que necessário. Mas aceitando sempre, no fim, que a ausência de acordo, quando os pontos de vista são mais distantes, é natural. E que a democracia tem, para resolver a impossibilidade de compromisso, os instrumentos necessários. Prevalece, no respeito por regras instituídas, por patrimonio comum e pela tolerância e pluralismo, a posição da maioria.
A expressão democrática do conflito, mesmo quando vem de uma minoria, não pode, em nenhuma circunstância, ser tratada como "ruído". E muito menos se pode exigir "silêncio" a quem cumpre a obrigação democrática de expressar as suas discordâncias.