sábado, 27 de janeiro de 2018

Crônica da vida que passa


Por Fernando Pessoa

“Às vezes, quando penso nos homens célebres, sinto por eles toda a tristeza da celebridade. A celebridade é um plebeismo. Por isso deve ferir uma alma delicada. É um plebeismo porque estar em evidência, ser olhado por todos inflige a uma criatura delicada uma sensação de parentesco exterior com as criaturas que armam escândalo nas ruas, que gesticulam e falam alto nas praças. O homem que se torna célebre fica sem vida íntima: tornam-se de vidro as paredes da sua vida doméstica; é sempre como se fosse excessivo o seu traje; e aquelas suas mínimas acções - ridiculamente humanas às vezes - que ele quereria invisíveis, coa-as a lente da celebridade para espectaculosas pequenezes, com cuja evidência a sua alma se estraga ou se enfastia. É preciso ser muito grosseiro para se poder ser célebre à vontade. Depois, além dum plebeismo, a celebridade é uma contradição. Parecendo que dá valor e força às criaturas, apenas as desvaloriza e as enfraquece. Um homem de génio desconhecido pode gozar a volúpia suave do contraste entre a sua obscuridade e o seu génio; e pode, pensando que seria célebre se quisesse, medir o seu valor com a sua melhor medida, que é ele-próprio. Mas, uma vez conhecido, não está mais na sua mão reverter à obscuridade. A celebridade é irreparável. Dela como do tempo, ninguém torna atrás ou se desdiz. E é por isto que a celebridade é uma fraqueza também. Todo o homem que merece ser célebre sabe que não vale a pena sê-lo. Deixar-se ser célebre é uma fraqueza, uma concessão ao baixo-instinto, feminino ou selvagem, de querer dar nas vistas e nos ouvidos. Penso às vezes nisto coloridamente. E aquela frase de que "homem de génio desconhecido" é o mais belo de todos os destinos, torna-se-me inegável; parece-me que esse é não só o mais belo, mas o maior dos destinos. Diz-se que os herméticos da Rosa-Cruz, seita esotérica e magista, descobriram, desde o início dos tempos, o segredo da vida-eterna, o elixir da vida; que, nunca morrendo, passam de época em época, através dos ciclos e das civilizações, despercebidos, nenhuns e, contudo, pela grandeza da cousa transcendental que criaram, maiores do que os génios todos da evidência humana. Da sua seita é o preceito, que cumprem, de se não darem nunca a conhecer. A sua presença eterna, que vive à margem da nossa transiência, vive também fora da nossa pequenez. Vão-se-me os olhos da alma nessas figuras supostas - e quem sabe a que ponto reais? - que, verdadeiramente, realizam o supremo destino do homem: o máximo do poder no mínimo da exibição; o mínimo da exibição, por certo, por terem o máximo do poder. O sentido das suas vidas é divino e longínquo. Apraz-me crer que eles existam para que possa pensar nobremente da humanidade.”

(in Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação)


Texto reproduzido do Blog Portugal dos Pequeninos de João Gonçalves

domingo, 21 de janeiro de 2018

Fogo e Fúria


Terminei de ler “Fogo e Fúria: Por Dentro da Casa Branca de Trump”, do jornalista Michael Wolff — livro que relata ao mundo um perfil sombrio de Donald Trump. Não há uma só palavra que realmente o ajude.
Da vitória inesperada, à obsessão por Putin, o presidente dos Estados Unidos — narcisista e distraído demais para ser capaz de governar — não teria a menor “noção” do lugar que ocupa na história.
Além disso, seu alto escalão estaria rachado, se digladiando. No centro desta guerra, esteve o hoje ex-conselheiro Steve Bannon e a família de Trump, mais especificamente, a filha Ivanka e o cunhado Jared Kushner.
Todos disputavam força e influência sobre o presidente e certamente uma das fontes de Wolff foi Steve Bannon. Ele é citado várias vezes ao longo do texto – bem escrito e uma leitura agradável.
 
Exemplo: “No Salão Oval, na frente do pai dela, Bannon atacou abertamente [Ivanka]. ‘Você’, ele disse, apontando para ela enquanto o presidente assistia, ‘é uma mentirosa do caralho’.
O retrato de Trump é demolidor. Ele é descrito como avoado, um indivíduo com capacidade de concentração curta, incapaz de ler resumos de planos políticos, analisar problemas e tomar decisões bem embasadas.
Trump seria alguém que vê TV frequentemente e que segue frustrado e confuso com o fato de não ter obtido aprovação generalizada dos americanos.
Seus assessores aparecem cientes de seus defeitos e, segundo o livro, se perguntam por quanto tempo podem manter a ilusão de que Donald Trump é capaz de governar.
“Somos todos perdedores”, teria dito Trump ao longo da campanha. ‘Todo o nosso pessoal é terrível, ninguém sabe o que está fazendo'”.
Em conversa com doador eleitoral, ele teria sido mais específico: “Esta coisa’ – disse sobre a campanha – ‘está fodida'”.
– O choque da vitória –
“Ao longo da campanha, quando o inesperado parecia se confirmar – surgiu um Donald Trump que achava ser totalmente capacitado a ocupar a Presidência dos Estados Unidos”.
Tudo combinado com os russos?
“Os três caras mais importantes da campanha’ (Donald Trump Jr, o genro de Trump, Jared Kushner, e o chefe de campanha, Paul Manafort), tiveram reunião explosiva com um governo estrangeiro na sala de conferências, no 25º andar da Trump Tower, e sem advogados.
Diz trecho do livro: “Eles não tinham advogados. Mesmo que você pensasse que isto não era traição, antipatriótico ou uma merda ruim – o FBI deveria ter sido chamado imediatamente'”.
Trump não sabe nada da Constituição?
Sam Nunberg foi enviado para explicar a Constituição para o então candidato, mas não passou da Quarta Emenda
Trump teme ser envenenado – “Ele tem um medo antigo de ser envenenado, razão pela qual gosta de comer no McDonald’s – ninguém sabia que ele estava chegando e a comida estava seguramente pré-preparada”.
– As pretensões presidenciais de Ivanka – A primeira mulher presidente nos Estados Unidos, considera Ivanka, não seria Hillary Clinton, seria Ivanka Trump.”
– Uday e Qusay Trump – “Seus filhos, Don Jr. e Eric, são chamados pelas costas por pessoas próximas de Trump de Uday e Qusay, nomes dos filhos de Saddam Hussein”.
– Rupert Murdoch sobre Trump
“Que idiota da porra”, teria exclamado o magnata dos meios de comunicação, depois de conversar sobre imigração com Trump.
Ivanka revela o segredo do topete – Ivanka “trata o pai com certo distanciamento, inclusive com ironia, a ponto de fazer brincadeiras com os outros sobre seu penteado.
Ela explicou aos amigos: Trump tem uma parte totalmente calva no topo da cabeça – depois de uma cirurgia de redução da pele do crânio – rodeada por um círculo de cabelo dos lados e à frente; as extremidades são penteadas para se encontrarem no centro e, depois, jogadas para trás, e fixadas com spray.
A cor, ela observa com tom cômico, é de um produto chamado ‘Just for Men’. Quanto mais tempo fica aplicado, mais escuro o cabelo fica. A impaciência resultou no louro-alaranjado de Trump”.
Retórica tosca...
É isso, este é o homem que manda na Casa Branca.  O livro despreza e desmonta a retórica tosca e semi-primária de Trump, o homem que está dando aos Estados Unidos (e ao mundo) o que dele se esperava.


 

sábado, 13 de janeiro de 2018

Escrever com o vigor de uma mulher...



«Não existe isso de homem escrever com vigor e mulher escrever com fragilidade. Puta que pariu, não é assim. Isso não existe. É um erro pensar assim. Eu sou uma mulher. Faço tudo de mulher, como mulher. Mas não sou uma mulher que necessita de ajuda de um homem. Não necessito de proteção de homem nenhum. Essas mulheres frageizinhas, que fazem esse gênero, querem mesmo é explorar seus maridos. Isso entra também na questão literária. Não existe isso de homens com escrita vigorosa, enquanto as mulheres se perdem na doçura. Eu fico puta da vida com isso. Eu quero escrever com o vigor de uma mulher. Não me interessa escrever como homem.» 
LYA LUFT

sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

Dinheiro público

Porquê falar tanto de punição a quem desvia dinheiro público?
 
Porque tudo que é sustentado pelo Estado é pago por mim e por uma enorme quantidade de gente que nem sequer consegue ser bem atendida em um hospital público e, mesmo assim, segue pagando salários absurdos a inúmeras pessoas que nem sequer merecem um pontapé no traseiro se forem despedidas por justa causa. Tenho mais do que o direito de falar sobre esses assuntos, tenho a obrigação. Sinto esse dever moral.

terça-feira, 2 de janeiro de 2018

Tens de inverter o sentido de marcha... KAFKA

KAFKA

«Ah», disse o rato, «o mundo cada dia fica mais apertado. A princípio era tão grande que até me metia medo, depois continuei a andar e ao longe já se viam os muros à esquerda e à direita, e agora - e não passou assim tanto tempo desde que eu comecei a andar - estou no quarto que me foi destinado e naquele canto está já a armadilha em que vou cair.»
«Tens de inverter o sentido de marcha - disse o gato, e comeu-o».
Franz Kafka, Parábolas e Fragmentos

segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

Dever moral

Por que é preciso defender o interesse público? Porque toda e qualquer instituição que recebe dinheiro do estado tem de ser auditada, fiscalizada e prestar contas. Sim, é preciso cobrar responsabilidade de tudo que é pago por mim e por uma enormidade de pessoas que nem sequer consegue ser bem atendida num hospital público e que vai pagando salários astronômicos a gente que nem sequer merecia um pontapé no traseiro, além de demissão por justa causa. Sim, é isso. Todos nós temos o direito de falar com indignação e revolta sobre esse assunto. Mais que isso: temos a obrigação. Sinto esse dever moral.